Resumo

O presente estudo, desenvolvido como parte de tese de doutorado no Programa de Pós Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, tem por objetivo central analisar o processo de transformação urbana ocorrido na cidade de Santos entre o final do século XIX e o início do século XX pelo mundo do trabalho e por um dos elementos culturais fundamentais da classe trabalhadora, o futebol. Pretendo ainda analisar os conflitos inerentes à formação de tais iniciativas voltadas predominantemente para o recreio, em parte resultantes do choque entre as propostas culturais formuladas para os trabalhadores por anarquistas e militantes sindicais e outras formas de lazer de classe rapidamente popularizadas. Por fim, a pesquisa procura compreender o espaço ocupado pelas agremiações dedicadas ao futebol nas tensões e contradições entre capital e trabalho e entre as diferentes nacionalidades (mitigando ou reforçando oposições e rivalidades) representadas na população de Santos do período citado. Para tanto, a pesquisa se baseia em fontes que podem ser divididas em quatro grupos principais: fontes primárias de agremiações ou clubes recreativos dedicados à prática do futebol fundados entre 1903 e 1922; registros escritos de associações de classe e auxílio mútuo; registros de órgãos da imprensa local, de caráter comercial ou de origem operária; materiais relacionados às propostas e ações de intervenção urbana em Santos no período estudado, como atas e ofícios da Câmara Municipal de Santos e relatórios do governo municipal e governo estadual. A opção pelos materiais descritos anteriormente tem por objetivo discutir o futebol como prática social, não necessariamente como prática esportiva. Não pretendo nesse trabalho analisar o futebol em si, restrito ao campo de jogo, ao que acontece dentro das quatro linhas durante os noventa minutos de uma partida. Meu assunto central são as relações sociais e práticas culturais que envolvem o futebol. Procuro, ao cotejar registros de agremiações esportivas, de associações de classe e de auxílio mútuo, publicações de imprensa e as propostas de intervenção urbana, compreender como, em uma cidade socialmente segregada, foi possível a apropriação tão rápida pela classe trabalhadora de uma prática inicialmente elitizada. Procuro também entender a simbologia dessa apropriação, e de que forma o tecido social santista em intenso processo de transformação influenciou e foi influenciado pela disseminação do esporte que, rapidamente, se tornaria uma paixão nacional.