Resumo

No presente trabalho, realizamos uma análise de um dos traços identitários da nacionalidade brasileira nas crônicas de futebol de Nelson Rodrigues, publicadas na revista Manchete Esportiva, entre os anos de 1955 e 1959. Para a realização da pesquisa, mobilizamos o arcabouço teórico da Análise do Discurso e aplicamo-lo em segmentos discursivos das crônicas. Desse modo, os efeitos de sentidos propostos pelos discursos nas materialidades linguísticas foram considerados a partir das condições socio-históricas de produção dos discursos em torno do futebol, desde sua introdução no Brasil até a década de 1950, período no qual as crônicas foram constituídas. Mobilizamos, para isso, a teoria da heterogeneidade constitutiva (AUTHIER-REVUZ, 1982) para levantar marcas enunciativas que explicitem as formações discursivas acerca do processo de configuração identitária do brasileiro. Dessa forma, percebeu-se nas crônicas um trajeto temático (GUILHAUMOU; MALDIDIER, 1994) sobre a questão da identidade. Nas análises dos textos, observou-se um efeito de contradição (PÊCHEUX, 1977) no discurso rodrigueano. Por processos parafrásticos e de reconhecimento dos recursos de negação, aspas e ironia, postos na materialidade linguística, os discursos configuradores do processo identitário emergem a partir do avesso do discurso rodrigueano. Isto é, os discursos balizam-se sobre um ato de servilismo colonial, de autonegação do brasileiro em relação a outros povos, caracterizando a identidade do brasileiro sob a aparência merecedora e vitoriosa do que o futebol proporcionou ao país. Por esta razão, as crônicas designam sentidos que mobilizam lugares discursivos quanto à questão da identidade, já que os discursos identitários se constituem pela diferença simbólica existente entre o “ser” brasileiro e o “ser” cidadão de outra nação. Essa diferença, portanto, representa, no discurso rodrigueano, a própria maneira de o brasileiro valorizar o futebol como elemento constitutivo da cultura brasileira, o que não acontece com tal ênfase em outros países. Assim, os discursos na crônica de futebol rodrigueana promovem uma maneira de criticar a própria condição do brasileiro em sua formação socio-histórica. 

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