Resumo

O futebol brasileiro possui grande significado como patrimônio da cultura imaterial e, para além das dinâmicas próprias do esporte – nos termos de campo esportivo de Pierre Bourdieu – opera como um “discurso horizontal” dentro da sociedade. Tal conceito propõe pensar o futebol como uma série de códigos de livre trânsito que transpõe parte das marcas, materiais e/ou simbólicas, de separação social, sendo elemento de inteligibilidade nos processos de construção identitária. Esses processos possuem pontos de tensão e de porosidade muito complexos e, para as nações, não são imagens únicas, sólidas, totalizantes e acabadas. Pelo contrário, alguns fatos ganham protagonismo numa pretensa história nacional, como o caso da Copa do Mundo FIFA de 1950, no Brasil. Naquele momento de forte apelo ao discurso modernizador, o campeonato de futebol masculino é alçado à síntese do binômio desenvolvimento e atraso. O ponto alto do debate é estampado, como tragédia nacional, após a derrota e a perda do título mundial para a seleção uruguaia, na partida final realizada no Maracanã, suntuoso monumento símbolo suntuoso construído para o evento. O presente trabalho, decorrente da pesquisa de mestrado “A Doce recordação do que não vivi: a constrição da identidade nacional nas Copas do Mundo (1938-1950)”, discute, como objetivo central, as pluralidades possíveis no processo de construção de identidade nacional no Brasil por meio do futebol, tendo a imprensa paulista como interlocutora. No trabalho metodológico de análise documental, recorreu-se aos jornais do Grupo Folha – Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite – no período de três meses que antecedeu ao mundial e nos dias de sua realização. Foram analisadas as primeiras páginas e a sessão esportiva– nem sempre organizada – das edições que circularam no período, buscando tratar, como fonte primária, o espaço e o tipo de conteúdo publicado sobre o torneio. Com essas leituras percebeu-se uma atenção distinta ao mundial por parte da imprensa, fora do Rio de Janeiro, que noticiava, concomitante, eventos locais de futebol e outros esportes, com destaque. Tais constatações não diminuem a força do futebol como elemento identitário e de memória coletiva – especialmente o mundial de 1950 – mas possibilitam pensar outras dinâmicas sobre a questão.