Integra

Os eventos acadêmicos são momentos raros de encontros que nos fazem rever amigos, repensar conceitos e acima de tudo refletir sobre temas que nos parecem tão familiares, mas ainda guardam inúmeras surpresas, para nossa felicidade.

Nessa última semana foi realizado mais um Seminário de Estudos Olímpicos, na USP, e ali foi possível ouvir pesquisadores que trabalham especificamente sobre a dimensão imaginária do esporte. Pesquisas com esse referencial teórico permitem um entendimento do esporte em seus aspectos simbólicos, que desvelam conceitos subliminares pouco entendidos em uma leitura rápida e imediata.

Claro está que na condição de um fenômeno sociocultural o esporte precisa ser compreendido como um campo de significação amplo e complexo. Isso quer dizer que ele está muito além da competição, que é apenas uma de suas múltiplas faces.

A dimensão imaginária do esporte aponta para os muitos significados presentes em um universo que tem o atleta como seu principal protagonista. Humano que é, necessita ser compreendido como muito mais que um produtor de resultados, ou um modelo ideal, como tentam transformá-lo. Falível, imprevisível, imperfeito desponta sob os holofotes como um ente sobre-humano, capaz de realizar o improvável, senão o impossível. Em alguns casos torna-se imortal, não apenas pela quebra de um recorde, ou pela capacidade de retirar de um corpo limitado, quem sabe até por performance impensável. Sua imortalidade reside em uma atitude reconhecida pela coragem.

Virtude considerada um valor olímpico a coragem impulsiona todas aquelas meninas e meninos que desejam quebrar paradigmas. Subir ao pódio ou conquistar uma medalha pode ser um desses desejos, mas há ainda muito mais a impulsionar a vida desses seres considerados heroicos.

O resultado no esporte parece objetivo e justo. Se cumpridas as regras, vence o melhor. Mas, a história mostra que as coisas não são bem assim. Há muito mais do que treino a envolver a vida dos protagonistas do espetáculo que encanta ao mundo.

Assim foi em 1968, quando Tommie Smith e John Carlos, conquistaram a medalha de ouro e prata, nos 200 metros rasos, dos Jogos Olímpicos do México. Aproveitando a visibilidade que o pódio olímpico lhes conferia, calçaram luvas pretas, símbolo dos Panteras Negras, para denunciar a segregação racial e, descalços, a injustiça social que se abatia contra os negros em seu país. Passado mais de meio século, essa imagem ainda corre o mundo provando que esporte e política caminham juntos, e também apresenta o que significa o valor coragem.

Mesmo sabendo que poderiam ser retaliados por esse gesto, seguiram em frente. No mesmo dia foram julgados e banidos dos Jogos Olímpicos. A mesma coragem que os impulsionou a treinar, competir, enfrentar as mazelas da vida de atleta, também os levou a resistir, expondo-se.

Os símbolos daquele momento permanecem vivos na imagem congelada do pódio. Punhos em riste, luvas negras, pés descalços, tênis sobre o pódio, afirmando a dimensão imaginária do esporte.

O desdobramento da atitude de Smith e Carlos serviu aos puristas durante 5 décadas para ameaçar os atletas críticos sobre o limite de suas ações. Entretanto, a coragem que também circula naquele gesto permanece viva à espera da mudança dos tempos e da compreensão do que aquilo significou. Prova disso foi a inclusão de ambos no Hall of Fame do Comitê Olímpico Estadunidense, 51 anos depois, afirmando que a coragem não é necessária apenas para a performance atlética. Seja no esporte ou em qualquer outro aspecto da vida é ela que nos afirma como humanos.