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Nas últimas décadas tem-se discutido abertamente sobre o papel da educação física no âmbito escolar. Muitas discussões se tornaram pioneiras neste sentido, questionando algumas concepções que fundamentavam leis e decretos bem como a prática cotidiana de professores de Educação Física. Isso de deve ao fato de que a educação física, durante muito tempo, ficou subordinada a uma visão estritamente biológica (ou ainda pode está?) , cujo objetivo encontrava-se na melhoria da aptidão física e da performance técnica do movimento, assim automaticamente contribuiria para o desenvolvimento social do ser, estando mais apto para servir aos interesses da sociedade capitalista, principalmente através da sua força de trabalho ( Bracht, 1992, p.57).

Estas concepções pareciam atender a esse modelo de sociedade, vinculado à capacidade produtiva, interessado em formar indivíduos fortes, habilidosos e saudáveis, fazendo-se necessário estabelecer tais qualidades como um padrão a ser construído e cultivado. Logo, na escola, considerado lugar privilegiado da educação, a educação física tendo por atividades básicas o esporte, a recreação, a ginástica etc, passa a seguir estes parâmetros através da exigência do alto rendimento e da técnica, ofuscando as individualidades e as desigualdades sociais, sendo transformadas segundo Adam, apud Moreira (1991, p.174) em mercadorias destinadas à manutenção dos interesses das elites.

Na perspectiva de uma compreensão geral da Educação Física no Brasil, é interessante destacar algumas tendências, não sendo tomadas como estanques, que marcam momentos históricos retratando sob diferentes paradigmas o papel da educação física, trazendo em seu bojo concepções corporais e valores ideológicos, notadamente, dirigidos pela necessidade do pensamento dominante em determinada época. Tais tendências são identificadas, de acordo com Júnior (1997, pg. 16), em: "Educação Física Higienista (até 1930); Educação Física Militarista (1930-1945); Educação Física Pedagogicista (1945-1964); Educação Física Competivista (pós 1964) e (...) Educação Física Popular".

Tendo visto este breve contexto histórico, determinados aspectos que foram mencionadas serviram enquanto crítica para alguns autores questionarem o modo como a educação física foi concebida em diversas instâncias sociais, em especial na escola, não obstante conduzida para a elaboração de valores e comportamentos que restringem as possibilidades de experimentação, de espontaneidade, de liberdade, em função da reprodução de modelos e estereótipos. Outro aspecto a ser considerado e o fato de desconsidera os aspectos da vida cotidiana em sociedade (as desigualdades, injustiças, problemas que afligem a população e, não obstante, a educação) bem como aspectos culturais, políticos e econômicos na ação pedagógica (Medina, 1983, p.82).

A partir dessas referências históricas, pretendemos abordar neste trabalho uma análise da identificação da proposta de educação física escolar dos CETEPs (Centro de Educação Tecnológica e Profissionalizante) que compõem a rede FAETEC de ensino (Fundação de Amparo às Escolas Técnicas), no Rio de Janeiro, enfatizando os objetivos traçados para esta disciplina e tal como ela se estrutura na prática cotidiana entre professores e alunos. Pautando-se em observações sistemáticas das aulas de Educação Física e do projeto para essa disciplina nas instituições. Porém, dadas as condições favoráveis de acessibilidade temos como base para o estudo o CETEP Quintino.

Os CETEPs são instituições de ensino médio que tem por objetivo a formação de técnicos especializados para o mercado de trabalho. No âmbito desta realidade institucional, buscamos observar como vem sendo tratada a educação física escolar, ou seja, para quais atitudes, comportamentos e valores ela está sendo direcionada? Já que, a priori, de acordo com o exposto na Minuta (documento cedido pala própria instituição) este tem como objetivos gerais e específicos, respectivamente:

"Aquisição e capacidade de habilidades motoras, compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores (...), o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em assenta a vida social (...) ;

Possibilitar o desenvolvimento das condições orgânicas (...), proporcionar apática de atividades físicas respeitando o princípio da especificidade e da adequação à individualidade biológica, favorecer as atividades físicas específicas que melhor se adaptem ao desenvolvimento de estado saudável, e que possibilitem a integração social ;"(pg. 4).

Baseando-se nos objetivos acima transcritos, os CETEPs nos parecem utilizar de muitos recursos para alcançá-los. Possuindo uma infra-estrutura favorável, adequada a realização de várias modalidades esportivas, entre elas artes marciais, Dança, Natação etc. Para cada uma das modalidades possui um professor (especializado) destinado a ministrar aulas de apenas uma delas. Assim, mesmo que ele seja formado em Educação Física e apto a trabalhar com outras possibilidades (além de esportes e outras atividades) ele fica restrito a "sua modalidade".

Apesar de tantas modalidades oferecidas, os alunos só podem escolher uma como prática da Educação Física. Podendo transferir-se de modalidade após um ano letivo. Assim, percebeu-se que eles tendem a escolha daquelas que mais se afeiçoam, às vezes pelo fato de que já a pratica fora da escola. Nesse caso, os alunos reconhecem o professor pela modalidade específica, sendo transmitida a idéia de uma identificação profissional muito mais próxima da figura de um treinador. De modo geral, reforçando aos alunos a compreensão da educação física enquanto disciplina voltada ao aperfeiçoamento, à performance e à especialização.

Essa proposta, segundo seus idealizadores, vem acarretando a diminuição do desinteresse por parte dos alunos, que até então se sentiam desestimulados a participar das aulas em função da preferência por algum esporte, ou senão uma prática esportiva. Apesar disso, parece continuar havendo as aulas de educação física comum, voltada para o ensino de diferentes atividades, enquanto outra opção. Porém, a adesão é muito menor se compararmos com a anterior. Tão logo, os alunos dispõem de algumas opções que norteiam as suas escolhas, levando em consideração o interesse próprio adquirido anteriormente à escola, quando não, raras vezes despertado pela educação física escolar.

Para que ele de fato comece na modalidade escolhida é necessário o preenchimento de uma "ficha de anamnese" coletando informações de sua individualidade biológica, como por exemplo: possíveis problemas de saúde apresentados e outras informações que pretendem aferir o estado de saúde e seu condicionamento físico. Tal ficha caracteriza-se num importante documento de identificação do aluno para o professor de educação física, como medida de cuidados, que dependendo das informações apresentadas, podem comprometer a participação do aluno durante as aulas.

Estando apto a fazer as aulas, os alunos são observados de acordo com o seu desempenho técnico e sua participação. Os mais habilidosos na execução dos movimentos mecânicos esperados, geralmente, são convidados pelo professor para que o auxilie na tarefa de ajudar os companheiros menos habilidosos. Além disso, estes são os mais indicados a compor a equipe de atletas que representará sua entidade (CETEP), mediante eventuais competições e dos JETES (Jogos das Escolas Técnicas), o qual acontece anualmente. Vislumbrando o propósito da formação de atletas no campo da disciplina escolar, nesse particular, em pleno acordo com o que é dito na Minuta: "festivais esportivos que permitam aos alunos, participar de elaborações, como também atuar na posição de atleta" (pg.7).

Tendo em vista o contexto desta investigação, podemos observar que algumas concepções e discussões que são pertinentes ao histórico da educação física encontram-se não superadas, mas presentes e difusas na cotidianidade da relação ensino-aprendizagem (professor e aluno) consentida pela própria escola. Desde o princípio, dos objetivos traçados para esta enquanto disciplina, explícitos na Minuta, de certo modo, são contraditos pela realidade concreta das aulas de educação física senão também pela estrutura tal qual ela foi implementada (valorizando as particularidades em detrimento do todo).

Considerando alguns dos aspectos levantados sobre esta proposta, procuramos identificar se há a valorização da especificidade técnica e do componente "biológico" para estruturação das aulas de Educação Física e possíveis comprometimentos de outras dimensões que pleiteiam as formações integrais, culturais e críticas do alunado, sob pena de ficarem somente no discurso, e na prática, anulados em função da preocupação constante com a elaboração técnica e formal de gestos mecânicos específicos. O que pode, no ambiente escolar, promover a criação de um espaço fecundo ao cultivo do "ser-atleta", desprezando outras dimensões que contribuem também para a formação da vida humana em sua plenitude.

Levando em conta essa discussão, na busca de significados e sentidos mais profundos para a ação educativa na escola, com a prática esportiva e demais atividades da educação física, faz-se necessário estarmos atentos aos valores e interesses que estão determinados/determinantes em nossa sociedade. Que de algum modo influenciam o projeto de professores e alunos, implicando no contexto político da educação. Sendo tarefa primordial questionar "o para que, o por que e o para quem se dirige à educação", a fim de nos aproximarmos sensivelmente da questão que perpassa a realidade do corpo como um todo, incorporando o resultado destas reflexões no agir diário (Medina, 1983, pg. 32).

Os autores, Bruno Lima Patrício dos Santos e Dauana da Cunha Pessoa são da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Referências bibliográficas

  •  Barbosa, Cláudio L de Alvarenga. Educação Física; as representações sociais. Rio de Janeiro: shape, 2001.
  • Bracht, Valter. Educação Física; aprendizagem social. 2ª ed. Rio Grande do Sul: Magister, 1992.
  • Coletivo de autores. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
  • Ferreira, Vera L. C. Prática da Educação Física no 1º grau; modelo de reprodução ou perspectiva de transformação?. São Paulo, Ibisa, 1984.
  • Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 25ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1983.
  • Júnior, Paulo G. Educação Física Progressista; a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a educação física Brasileira. 6ª Ed. São Paulo: Loyola, 1997.
  • Lakatos, E. M. e MARCONI, M. A. Fundamentos de Metodologia Científica. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 1991.
  • Medina, João Paulo. A Educação Física Cuida do Corpo... e "Mente". São Paulo: Papirus, 1983.
  • Moreira, Wagner Wey. Educação Física Escolar; abordagem fenomenológica. Campinas, Unicamp, 1991.
  • Oliveira, V. M. Educação Física Humanista. Rio de Janeiro: Ao livro Técnico, 1985.
  • Rio de Janeiro (estado). Secretaria de Esporte. Fundação de Apoio a Escola Técnica. Diretoria de Ensino. Plano de Ensino de Educação Física Escolar do Cetep - Quintino: minuta. Rio de Janeiro, 2001.17p.