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O lazer é um fenômeno decorrente, sobretudo, dos efeitos da revolução industrial e do crescente processo de urbanização das cidades.

Historicamente, enquanto concepção, foi desvalorizado pela mitificação do trabalho e, apresentado como algo negativo, contrário ao trabalho. Este sim, considerado como a única forma digna de realização humana.

Estudos relacionados à valorização do lazer são recentes (CAMARGO 1986, NETO 1993). Entretanto, ainda existem diferentes significados, funções e finalidades em torno do assunto.

Discutir o lazer numa sociedade em que o neoliberalismo é hegemônico, onde cultua-se o mercado, o individualismo e a competitividade, a desregulação e a flexibilidade do mercado de trabalho, a globalização produtiva e financeira e a primazia do econômico sobre o político, é bastante interessante. Principalmente, se relacionado com a escola ou educação que, nessa sociedade, está extremamente voltada para conteúdos, mecanização, memorização e para o mercado de trabalho.

A "educação", conseqüentemente a escola, acabam se enquadrando em tais ideais da sociedade do trabalho, em virtude de tamanhas exigências não só no contexto brasileiro, mas, sobretudo, no contexto mundial. Como exemplo disso, pode-se destacar nos dias de hoje a excessiva e sufocante valorização do vestibular, tido muitas vezes como a maior meta do processo de ensino. É claro, que não é um fenômeno existente dentro apenas da escola, está também na família, na mídia, ou seja, na sociedade em geral. A seleção, competição, individualização mais do que nunca são aí reforçados.

Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é discutir a relação prazer e escola, e como o lazer pode ajudar nessa busca de um ensino, uma educação, uma escola, dentro de uma perspectiva mais prazerosa, com mais alegria, mais autonomia, mais criatividade.

Lazer e escola

O lazer vem sendo, ao longo do tempo, conceitualmente confundido com outros termos, tais como: recreação, jogo, esporte, brincadeiras, etc. Numa abordagem ampla, tenta-se defini-lo à partir do contraste com o trabalho, ou outra situação que não é lazer, ou com uma atividade, normalmente, embutida dentro de um dos termos citados acima.

Porém, com a crescente aplicação da Psicologia nos estudos do lazer, durante os anos setenta, incorporou-se ao binômio tempo/atividade - atributos principais na conceituação do lazer - o caráter de atitude do indivíduo que o vive, tornando-o, antes de tudo, um fenômeno pessoal e com alguns atributos básicos, destacando-se: a criatividade e o prazer (BRAMANTE, 1998).

Comumente, principalmente na mídia, tem se usado o descanso e o divertimento para definir lazer. Entretanto, o lazer tem outras possibilidades que não são tão conhecidas. Como por exemplo: o desenvolvimento pessoal e social, e o conteúdo educativo e as possibilidades pedagógicas.

Nessa perspectiva, o lazer não pode ser entendido apenas como algo para amenizar tensões do dia-a-dia ou algo que ajude a convier com os problemas sociais.

A escola, em geral, tem privilegiado os meios de ensino, ou seja, o "como fazer", deixando de lado a discussão mais relevante que responde a pergunta "para que ensinar?". As disciplinas se apresentam umas isoladas das outras e até mesmo do mundo real, das coisas que acontecem na sociedade; há pouco, ou até mesmo, nenhum espaço para discussão sobre questões relativas às finalidades político-sociais da educação e do ensino; dá-se uma importância excessiva a conteúdos pré-estabelecidos, desvinculando-se do contexto social em que está inserido, entre outros aspectos.

Marcelino (1997) refere-se a ansiedade das crianças, como um fator que contribui para uma espécie de "fobia à escola". "Corpos obrigados a rotinas estafantes, mesmo que as tarefas ou a carga de obrigações sejam leves, falta de sentido, desvinculação com a cultura vivida potencializam o grau de desgaste..." (p. 93).

O gostar de estudar a partir da imposição de modelos sem sentido, pela coerção, pelo medo, fica em segundo plano, caindo no esquecimento em virtudes de práticas coercitivas que garantem os corpos dóceis através do medo (FOUCAULT, 2000). Segundo Rubem Alves, "...com medo ninguém aprende a gostar de estudar. É o prazer de estudar, de investigar, de perguntar, que faz a educação uma coisa bonita, gostosa, brincadeira, feito empinar pipa" (apud MARCELINO, p. 126).

João Francisco Regis de Morais defende a idéia de que a tarefa fundamental da educação é "romper o divórcio entre a vida escolar e o prazer" (apud GADOTTI, 1995).

Portanto, tendo o lazer como seus principais fundamentos o prazer e a criatividade, dentro de uma instituição que tem pregado uma educação mecanicista, impregnada de valores individualistas, excludentes, pode ser uma arma contra essa educação pautada na visão neoliberal.

Contrário a essa visão, deve-se acreditar na construção democrática da sociedade, da escola. Defendendo não somente a escola mas, uma sociedade mais justa, humana e inclusiva, voltada para a superação das desigualdades sociais e para promoção do desenvolvimento de seus membros. Objetivando a formação de sujeitos históricos, críticos, criativos, capazes não apenas de se adaptar a sociedade, mas de transformá-la e de reivindicá-la. Sendo assim, é interessante considerar o lazer como meio de educar, sendo uma possibilidade de atuar com pretensão de mudanças no plano social.

Segundo Melo (1996), a busca de novas formas de encarar a realidade social, indireta ou diretamente obtidas através da aquisição de novos bens culturais; a percepção da necessidade de equilíbrio entre consumo e participação direta nos momentos de lazer, a recuperação de bens culturais destruídos ou em processo de destruição devido a cultura de massas; e a humanização do indivíduo, que passa a se entender como agente e não somente paciente do processo social; são fatores que contribuem para esse processo de mudança.

Na bibliografia sobre o tema (MARCELINO 1987, NETO 1993), podemos perceber que os autores concordam com o duplo aspecto educativo do lazer. Sendo este, veículo de educação ( educação pelo lazer ) e objeto de educação ( educação para o lazer ).

A educação pelo lazer, pode acontecer com atividades extracurriculares podendo abranger interesses como corpo, imaginação, raciocínio, habilidade manual, o contato com outros costumes, o relacionamento social. Já que, usualmente, as pessoas restringem suas atividades de lazer a um campo específico de interesse. E muitas vezes o fazem pelo fato de não terem acesso ou contato com tais possibilidades.

O componente lúdico, citado por muitos estudiosos da área (MARCELINO, 1997), é também, um outro fator que ajuda no processo criativo para modificar, imaginariamente a realidade. Existe relações de interdependência que o jogo tem com os grandes problemas sócio-políticos (ecologia, papéis sexuais, preconceito, velhice, deficiência, entre outros), que podem levar a reflexão, a problematização, ao diálogo e ao posicionamento crítico do aluno.

Não se pode mais aceitar que crianças e adolescentes continuem na escola fazendo o papel de "recipientes", como descreve Paulo Freire (1974) no que chama de educação bancária, prontos para aceitar os conteúdos depositados pelos professores. A contribuição do alunado no processo ensino-aprendizagem não pode se resumir a isso. O prazer está intimamente ligado à motivação, que pode até determinar aumento, diminuição ou bloqueio de determinada aprendizagem. A motivação está relacionada à participação, e essa, pode levar a criação.

Gadotti (1987) defende a idéia de que o sucesso na aprendizagem, deve-se, a uma pré-disposição, a uma motivação, a um interesse que não é dado pelo conteúdo, mas pela forma de aprender. É óbvio que deve-se saber o por que do conteúdo proposto mas, a maneira como é abordado é também muito importante para o processo de aprendizagem.

No caso da educação para o lazer, pode-se destacar a argumentação de Requixa citada por Marcelino: "... o próprio exercício do lazer será o melhor estímulo educativo para o próprio lazer" (p.61).

Sendo a vivência do lazer, segundo Bramante (1998), relacionada diretamente às oportunidades de acesso aos bens culturais, torna-se um desafio para os profissionais da área, principalmente para os que trabalham no setor público, oferecer diferentes estímulos e oportunidades de atividades, desvinculadas de uma ideologia consumista, e cercadas de motivação. Este autor acredita que o profissional deve tentar "ampliar a base do repertório de experiências diversificadas dentro dos mais variados conteúdos culturais do lazer, uma vez que a escola se preocupa quase exclusivamente com a formação para o trabalho" (p.14).

O incentivo a leitura e ao ato de escrever, o acesso a cultura cinematográfica e teatral, atividades recreativas que busquem o desenvolvimento de sentimentos como solidariedade, coletivismo, respeito, são algumas das vertentes que podem ser exploradas pela vivência do lazer.

Nesse aspecto o lazer na escola estaria preocupado com uma educação dentro de uma perspectiva de qualidade intelectual, motora, cultural, social, ética e política.

Conclusão

Num país desigual, onde grande parte da população sobrevive em condições muito precárias, é difícil pensar que uma experiência de lazer possa promover o desenvolvimento pessoal e social na população de baixa renda. O lazer, a cultura física ou a Educação Física por si só não causam e nem realizam transformações sociais, revoluções políticas, mas ajudam não só na divulgação, mas também, na reflexão dos valores humanos e, no desenvolvimento de qualidades físicas e morais, propiciando um bom suporte ideológico.

Se como veículo de cultura, as atividades físicas, desportivas, recreativas, que estão dentro do lazer, são utilizadas por organizações e até governos reacionários, naturalmente que também podem, e devem, servir de instrumentos para ação política de correntes progressistas, que buscam meios de iniciar a libertação política e cultural do homem.

É interessante que se desenvolva um projeto político-pedagógico dentro da proposta da escola que inclua atividades de lazer e que possibilite aos indivíduos pertencentes a classe dominada o acesso a uma cultura desmistificada, permitindo e possibilitando que estes indivíduos possam analisar criticamente a realidade sócio-econômico-polítco e cultural do país. Na expectativa de colaborar com a concretização de uma nova ordem social mais justa e fraterna.

E com relação a acessibilidade aos bens culturais, ao proporcionar tal oportunidade dentro do ambiente escolar, além de trazer o prazer para o processo ensino-aprendizagem e para a escola, torna-se mais fácil a presença e a assiduidade dos participantes, justamente, por estar num ambiente conhecido, de fácil acesso e respeitado pela comunidade. O inventivo, a colaboração e a participação da população local pode e deve ser interessante para tal projeto.

Acreditamos, finalmente, que é através das alternativas pedagógicas que se pode minimizar a falta de motivação para as aprendizagens escolares.

O autor, Vagner Maia Brandão é da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Referências bibliográficas

  •  Alves, Rubem. Da esperança. Campinas, Papirus, 1987.
  • Camargo, Luis O. de Lima. O que é lazer. São Paulo, Brasiliense, 1986.
  • Foucalt, M. T. Vigiar e punir: do nascimento a prisão. Petrópolis, Vozes, 1977.
  • Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974.
  • Gadotti, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro. São Paulo, Atila, 1995.
  • Ghiraldelli  Junior, Paulo. Educação Física progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a Educação Física brasileira. São Paulo: Loyola, 1988.
  • Marcelino, Nélson Carvalho. Lazer: Concepções e significados. Licere, Belo Horizonte, ano 1, 1998.
  • Marcelino, Nélson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1987.
  • Marcelino, Nélson Carvalho. Pedagogia da animação. Papirus, Belo Horizonte, 1997.
  • Melo, Victor Andrade de. Esporte no contexto cultural do Rio de Janeiro do final do século XIX: um projeto de pesquisa. In: Encontro Nacional de história do esporte, lazer e educação física, 4, Belo Horizonte, 1996.
  • Neto, Márcia De Franceschi. Lazer: Opção pessoal. Brasília: Departamento de Educação Física, Esportes e Recreação, 1993.