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Taras nacionais produzem tanto as certezas míticas de vitórias como as frustrações irrealistas com os resultados

FIASCO olímpico. É o que diz a decepção amargurada desses dias em que outra vez se frustra nosso sonho juvenil de "potência emergente". Mesmo o espírito mais leve das nossas piadas autodepreciativas não esconde a raiva da privação do desejo insatisfeito ("Quando a gente não é o melhor, a gente avacalha", dizia o "Bandido da Luz Vermelha" de Rogério Sganzerla).

Mas por que desejamos nos enganar? Nem se entre em complexidades a respeito da dúbia relevância do sucesso esportivo ou da perversão nacionalista. A dúvida é sobre o motivo do desejo de falsear a realidade (os atletas até foram bastante bem).

Sucesso no esporte depende de riqueza, saúde, educação e pretensão política de supremacia internacional. Ou é propaganda de regime totalitário, que falsifica a vida precária de seus cidadãos por meio de vitórias decorrentes de recrutamento e treino militar de atletas, quando não da adulteração direta de resultados (muito recorde esportivo data ainda do final da Guerra Fria, quando soviéticos e americanos se dopavam de montão). Enfim, tradição cultural e competitiva também conta.

Para que nossa "riqueza" por pessoa fosse parecida com a da Itália, a população do Brasil não poderia passar de 36 milhões. Algo assim como a de Argentina ou Canadá, uns 40% menor que a de Itália, França ou Reino Unido. Nossos resultados esportivos são compatíveis com esse índice "população-renda". Mas isso é brincadeira aritmética. Somos pobres ainda em saúde, igualdade social e eficiência no uso de recursos.

O Brasil não é saudável nem educado. Fica pelo 70º lugar no IDH, ranking de qualidade de vida (saúde, educação e renda). No quadro de medalhas (ranking meio fajuto), ficamos entre 20º e 30º. Para melhorar de imediato, teríamos de falsear a realidade. Gastar em esporte de alto nível (ou, talvez inútil, na bandalheira de alto nível das obras para a "Olimpíada é nossa"), enquanto faltam creche, esgoto e escola infantil.

Considerem os nossos sucessos. O vôlei. Dependeu da riqueza do ABC e do interior paulistas, do bem-estar social da região Sul, do patrocínio de empresas privadas, do bom nível educacional de dirigentes, comissões técnicas e atletas (vide a gente horrorosa da cúpula do futebol).

O judô se massificou por meio da classe média paulista. Mas tal massificação dependeu mais de gosto e competência do que de infra-estrutura (como caras piscinas e equipamentos para atletismo e ginastas).

Mas já há bom dinheiro público no esporte, de estatais e isenção de impostos. A maioria dos dirigentes, porém, é tosca, há dinastias mafiosas em federações e, para variar, a prestação de contas é escassa. Enfim, somos competitivos? Deixe-se de lado o "caráter nacional" ou o "complexo de vira-latas". Não temos é competição. O país é tão desigual que a competição de alto nível é, desculpem, baixa. Vide o "terrível funil do vestibular", as "dezenas" de candidatos por vaga. Os candidatos reais são os poucos que têm boa escola. Mesmo esses vão mal em testes internacionais. Em geral, estudantes ricos levam a vida na flauta, pois competem por vagas universitárias com colegas de escolas deploráveis.

Compare-se a vida tranqüila de um colegial de classe média alta, o que acaba nas USPs, com a de um garoto alemão ou americano, que tem de gramar e competir à vera por boas escolas. Por excesso de injustiça, entre outros fatores, nos falta massa crítica em educação e saúde.

Em Copas ou em Olimpíadas, vivemos a euforia angustiada de gente insegura ou bipolar, que sofre com a frustração da certeza mítica ou marqueteira de vitória. Mítica: desvinculada das idéias de esforço e de disciplina do aperfeiçoamento, mentalidade que é um tipo de ignorância e um reflexo do menosprezo do mérito e da igualdade de oportunidades.

vinit@uol.com.br

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