Integra

1. O lúdico no desenvovimento e na aprendizagem para o ensino fundamental

O presente estudo visa contribuir para algumas reflexões nas quais o elemento lúdico é concebido como fio condutor do resgate da sensibilidade do homem, sufocada pela vida moderna.

Ao fornecer situações lúdicas, prazerosas, de relaxamento, de alegria, de reflexão, a criança se liberta de suas amarras sociais, alterando seu estado de animo de forma a inter-relacionar sentimentos, emoções e intuições, sendo capaz de libertar sua criatividade, espontaneidade e imaginação. Dessa forma, o espaço escola é valorizado como lugar que propicia experiências, vivências, integração, investigação pessoal e grupal, fomentando novos ideais e comportamentos.

RIZZO PINTO(1997) afirma "não há aprendizado sem atividade intelectual e sem prazer", se não há aprendizagem sem, a motivação através da ludicidade parece ser uma boa estratégia no auxilio da mesma, como afirma MEDNICK(1983):

"É evidente que precisamos de ambas as coisas, aprendizagem e motivação, para o desempenho de uma tarefa. A motivação sem aprendizagem redundará, simplesmente, numa atividade às cegas; aprendizagem sem motivação resultará meramente, em inatividade, como sono."

Então nos reportamos a nosso tempo de escola e refletimos sobre tudo o que nos foi ensinado: o que de fato nos marcou? O que assimilamos de verdade ate hoje? Dentre os estudantes e profissionais da Educação Física esta resposta é muito simples: o prazer, a diversão, o lúdico. O que faz de nós profissionais comprometidos com este ideal e nos torna agentes multiplicadores da alegria e da satisfação de ensinar e aprender.

A formação do educador não é definida, depende da concepção que cada profissional tem sobre a criança, homem, sociedade, educação, escola, conteúdo, currículo, mundo. Neste contexto os educadores se diferenciam, possibilitando diversas práticas pedagógicas.

Todos os profissionais envolvidos no cotidiano escolar do educando deveriam comprometer-se com o elemento lúdico, pois através do prazer, os resultados na aprendizagem poderiam ser muito mais significativos para todos.

"Cabe ao educador, por meio da intervenção pedagógica, promover a realização de aprendizagem com o maior grau de significado possível, uma vez que esta nunca é absoluta- sempre é possível estabelecer relação entre o que se aprende e a realidade, conhecer as possibilidades de observação, reflexão e informação(...)" (ParâmetrosCurriculares Nacionais- Introducão-Vol.1-p.53)

1.1- A educação física escolar e sua relação com o lúdico

"... A ciência diz: o corpo é uma maquina.

A publicidade diz: o corpo é um negócio.

O corpo diz: eu sou uma festa."

( Eduardo Galeano - Janela sobre o corpo )

Segundo a Multieducação, o Núcleo Curricular Básico do município do Rio de Janeiro,não nos interessa uma aula de Educação Física tecnicamente correta, se os alunos estão trabalhando mecanicamente com seus corpos, desarticulando-os de suas almas, de seus desejos e medos, de suas historias próprias de vida.

Contudo nem todos os profissionais têm esta consciência na escolha dos conteúdos e na elaboração de suas aulas de educação física escolar. Muitos ainda atuam na perspectiva desportiva apenas, não incluindo em suas praticas momentos de ludicidade e inclusão, afinal nem todos têm experiências prazerosas provenientes destas práticas. O lúdico em nossas aulas torna-se então elemento obrigatório para o cumprimento de uma Educação Física ética, multicultural e inclusiva.

Para Victor Andrade de Melo, é necessário educar as sensibilidades e proporcionar acesso ao maior número possível de manifestações culturais. Seria preciso empreender um processo de mediação e formação cultural. Cita melo: "A escola cumpriria uma função fundamental em processos de formação e animação cultural se ela não se prendesse tanto ao conteúdo,mas repensasse que papel deve ocupar na sociedade. A escola não pode educar apenas para o mundo do trabalho, mas também para o mundo do lazer."

1.2- Os conteúdos na educação física escolar

Até o final da década de setenta, ainda com a forte influencia do militarismo, os conteúdos programáticos das aulas de Educação Física eram bem definidos: Desportos Coletivos ( Voleibol, Basquetebol, Handebol e Futebol ) ; Ginástica Geral e Atletismo. Com as novas abordagens pedagógicas na educação e na educação física a partir dos anos oitenta, estes conteúdos puderam ser ampliados. Apesar disso, muitos profissionais ainda atuam baseados apenas nestes três conteúdos, empobrecendo muito o trabalho realizado nas escolas, principalmente no ensino fundamental.

A história mais recente da Educação Física brasileira registra diversas iniciativas - algumas apenas teóricas, outras também praticas - para definir suas áreas de conhecimento ou seus conteúdos mais típicos. Lino Catellani, Carmen Lucia Soares e Celi Taffarel, entre outros, apontam como temas centrais da abordagem em educação física aqueles que se referem à cultura corporal, tais como o esporte, o jogo, a dança, a ginástica e a luta. Criou-se um certo consenso quanto aos conteúdos da educação física, com base nas idéias desses autores, cujas contribuições foram fundamentais em nossa área de conhecimento e intervenção pedagógica.

Com a implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCNs, em 1998 que esses conteúdos foram organizados de forma à auxiliar os professores de todo país.

Essa organização tem a função de evidenciar quais são os objetos de ensino e aprendizagem que estão sendo privilegiados, servindo como subsídio ao trabalho do professor, que deverá distribuir os conteúdos a serem trabalhados de maneira diversificada e adequada às possibilidades e necessidades de cada contexto. Assim não se trata de uma estrutura estática ou inflexível, mas sim de uma forma de organizar o conjunto de conhecimentos abordados, segundo os diferentes enfoques que podem ser dados:

Esportes, jogos, lutas e ginásticas Atividades rítmicas e expressivas

Conhecimento sobre o corpo

Os três blocos articulam-se entre si, tem vários conteúdos em comum, mas guardam especificidades. O bloco Conhecimentos sobre o corpo tem conteúdos que estão incluídos nos demais, mas que também podem ser abordados e tratados em separado. Os outros dois guardam características próprias e mais especificas, mas também tem interseções e fazem articulações entre si.

De modo geral, a publicação dos PCNs e os inúmeros esforços dispensados com a capacitação dos educadores, ainda não foram suficientes para garantir as mudanças necessárias no quadro da educação brasileira, já que o educador é o principal agente de mudanças e tem de se apropriar de novos conceitos em uma formação continuada.

1.3 - A preferência dos educandos

Foi feita uma pergunta a vinte e cinco alunos de diferentes ciclos do ensino fundamental, na Escola Municipal Nestor Victor, localizada no bairro da Pedra de Guaratiba, zona Oeste do Rio de Janeiro, onde trabalho.
Pergunta: O que você mais gosta de fazer na sua escola?

Respostas:

1 Educação Física e estudar 14 Jogar futebol.


2 Educação Física 15 Jogar futebol.


3 Brincar na Educação Física. 16 De brincar, né!


4 A hora do Recreio, porque pode ficar brincando toda hora. 17 Estudar.


5 Brincar de basquete, de boneca e de pique-pega 18 Estudar


6 Brincar e jogar bola 19 Eu tia?! Gosto de jogar bola.


7 Brincar e aprender 20 Jogar bola.


8 Estudar e jogar basquete 21 Fazer Educação Física, porque é muito bom!


9 Recreio, para brincar no parquinho 22 Jogar bola.


10 Brincar de basquete na Educação Física 23 Jogar futebol.


11 Brincar de basquete 24 Brincar, e na Ed. Física, gosto de basquete


12 Recreio, para brincar lá embaixo 25 Jogar bola.


13 Estudar para ser alguém na vida

Esta pequena pesquisa, só nos deixa mais claro a grande motivação de nossos alunos ao irem á escola diariamente: Brincar! Dos vinte e cinco entrevistados, apenas três responderam que estudar era a sua maior motivação. A grande maioria considera a escola como um ambiente onde a brincadeira, os jogos, o momento lúdico, se faz primordial.

2 - A respeito do jogo

Existe muita confusão a respeito dos termos brinquedo, brincadeira , jogo e esporte. As definições dessas palavras em nossa língua pouco as diferenciam. Brincadeira, brinquedo e jogo significam a mesma coisa, exceto que o jogo implica a existência de regras e de perdedores e ganhadores quando de sua prática. Também esporte e jogo representam quase a mesma coisa, apesar de esporte ter mais a ver com uma prática sistemática. Em certas línguas como o inglês o mesmo verbo , -to play- , pode significar jogar ou brincar. Na língua portuguesa, mesmo em se podendo observar diferenças nas praticas dessas atividades, faltam termos específicos para elas.
Em sua pesquisa sobre o desenvolvimento da inteligência e a gênese do conhecimento, Piaget verificou que os jogos ou brinquedos podem ser de três tipos: de exercício, de símbolo e de regra, que não são necessariamente excludentes.

Quando alguém realiza, sem necessidade, um ato já conhecido, deve estar fazendo-o por prazer. Observando criancinhas que ainda não apresentavam a linguagem verbal, Piaget observou que elas repetiam gestos já aprendidos, em situações em que seu uso não era necessário, por puro prazer, como que para exercitar o gesto aprendido de forma a não desaprendê-lo. Nesse caso, caracteriza-se uma conduta lúdica, um jogo. Se essa ação é circunscrita ao ato corporal, chamamos a isso de jogo de exercício. Não é uma conduta exclusiva deste ou daquele período de vida, mas uma ação evidente e a única forma de jogo possível para as crianças do período sensório-motor, isto é, as que ainda não estruturaram as representações mentais que caracterizam o pensamento. Para Piaget, o jogo de exercício "não tem outra finalidade que não o próprio prazer de funcionamento".

O jogo simbólico, ao contrário do primeiro, não teria esses limites funcionais: além de exercer papel semelhante ao jogo de exercício, acrescenta um espaço onde se podem resolver conflitos e realizar desejos que não foram possíveis em situações não lúdicas. Ou seja, no jogo simbólico pode-se fazer-de-conta aquilo que na realidade não foi possível.

A terceira categoria considerada, a do jogo de regras, surge de forma estruturada, em ultimo lugar. É uma característica do ser suficientemente socializado, que já pode compreender uma vida de relações mais amplas. Enquanto jogo, representa as coordenações sociais, as normas a que as pessoas se submetem para viver em sociedade.

"A regra é uma regularidade imposta pelo grupo, e de tal sorte que a sua violação representa uma falta." (Jean Piaget, p.148). É como Piaget define a regra, característica principal das relações dos indivíduos em sociedade, os quais, quando jogam, o fazem socialmente.

A aquisição de uma nova forma de jogo não exclui as anteriores. Assim é que a criança, quando se envolve com suas fantasias, não o faz puramente na imaginação: a fala e os gestos corporais acompanham a atividade mental, mantendo um vínculo com o mundo das coisas concretas. Durante o jogo de regras, por mais que atividade pareça séria, não se escapa à fantasia, aos vôos da imaginação.

Ainda há muito para pesquisar e debater a respeito do jogo, porém enquadra-lo na mesma categoria dos outros conteúdos (esportes, lutas e ginásticas) ainda parece inadequado. O jogo é uma categoria maior, uma metáfora da vida, uma simulação lúdica da realidade, que se manifesta, se concretiza quando as pessoas praticam esporte, quando lutam, quando fazem ginástica, ou quando as crianças brincam.

2.1 - Algumas sugestões de jogos

- Jogo do contrário: Esse jogo presta-se bem ao desenvolvimento dos sentidos. Uma das crianças do grupo será o guia. Ela deve fazer gestos, que podem ser os mais diversos. Tudo o que ela fizer deve ser feito ao contrario pelas outras crianças. Por exemplo, se ela se deitar, as demais têm que ficar em pé; se ela rolar para um lado, as demais têm de rolar para o outro, etc. Para tanto, as crianças têm de representar mentalmente os gestos do guia, imaginar seu contrario e representar corporalmente a nova imagem.

- Jogo das partes do corpo: A um sinal do professor, as crianças devem se movimentar, andando ou correndo pelo espaça da sala. De repente, o professor deve falar o nome de uma parte do corpo. Então, sem parar de se movimentar, cada criança deve tentar encostá-la na parte do corpo correspondente de um colega. Por exemplo, se o professor disser"mão", cada aluno deve encostar sua mão na mão de algum colega e continuar o movimento que vinha realizando.

- Passa 10 : Trata-se de uma brincadeira criada para ensinar passes, mas que, como tantas outras, suscita muitas duvidas e discussões. Por isso, presta-se bem ao Jogo de Regras, isto é, a possibilidade de os alunos aprenderem a construir regras. Inicialmente, devem ser formados dois times. O professor deve jogar uma bola para o alto. O aluno que pegar a bola deve tentar passa-la para um companheiro, sem que ela seja interceptada pelo adversário. Se isso for feito por componentes do mesmo time dez vezes seguidas, sem que a bola seja interceptada, é marcado um ponto. O passa dez, que exige dez passes seguidos pode ser adaptado de varias maneiras, como passa 12, passa 8, etc.

- Zerinho: É uma brincadeira de corda em que, em vez de pula-la, as crianças passam por baixo dela, sem interromper seus movimentos. Os participantes podem andar ou correr, conforme sua habilidade. O professor deve desafia-los a passar pela corda, um a um, sem para-la e sem que ocorram batidas vazias, isto é, movimentos da corda sem que passe alguma criança(daí o nome da brincadeira). Se isso ocorrer, a contagem volta ao zero.

3 - Conclusão

Através de uma metodologia em que o brincar é a ludicidade do aprender, considero fundamental esta "revolução" do lúdico nas escolas, especialmente no ensino fundamental, onde o desinteresse dos educando muitas vezes nos surpreende.

A criança aprende enquanto brinca. Se nas aulas de educação física isto é claro, nas outras aulas o lúdico ainda é visto como um desafio a ser alcançado. Um desafio para muitos educadores que ainda não enxergam o potencial do lúdico no processo ensino- aprendizagem. Lembrando que os jogos propostos e muitos outros existentes podem ser aplicados por qualquer professor que esteja ciente de seus objetivos e não especificamente nas aulas de educação física.

A pesquisa com os educandos deixou muito clara esta relação entre o brincar e o aprender. Apontando a escola como o melhor ambiente para ambos.

Mesmo para os profissionais da área de Educação Física escolar, ainda há este desafio, esta necessidade de mudança urgente em seus conteúdos e suas práticas pedagógicas.

Termino este estudo com a esperança de que a cada dia, a cada ano que passo dentro do cotidiano escolar, esses ideais sejam concretizados para que no futuro, todos os educandos terminem sua vida escolar com mais satisfação e prazer.

Obs. A autora, professora Fernanda Elias dos Reis (fernandaelias@ig.com.br) leciona na Escola Municipal Nestor Victor

Referencias bibliograficas

  •  Brasil Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. MEC/SEF- Brasília, 1998.
  • Freire, João Batista. Educação de Corpo Inteiro: teoria e pratica da educação física.
  • São Paulo: Scipione, 1989.
  • Freire, João Batista; SCAGLIA, Alcides José. Educação como prática corporal.
  • São Paulo: Scipione, 2003.
  • Medinick, S. A.. Aprendizagem, 3ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
  • Multieducação: Núcleo Curricular Básico. Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1996.
  • Piaget, J. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro, 1978
  • Revista Nós da Escola. Prefeitura do Rio de Janeiro Ano 4 nº 40/2006.