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Toda vez que um cientista termina um trabalho de pesquisa, ou descobre alguma coisa nova, ele tem que divulgar seus resultados e conclusões para o restante da comunidade científica. É assim que a ciência internacional funciona: é um complexo sistema social, com seus próprios canais de comunicação, ritos, valores, normas, regras, princípios éticos escritos e não escritos.

Existem muitas formas de comunicação em ciência: a primeira delas, evidentemente, é a oral, a mais antiga e importante da humanidade. Em reuniões e congressos, o cientista entra em contato direto com seus pares e submete seus resultados, idéias e especulações aos colegas de respeito. Isso é tremendamente importante para o cientista, por dois motivos: primeiro, ele precisa ter certeza se o que está propondo e anunciando é correto e aceitável, para que possa dar prosseguimento aos passos seguintes do processo de divulgação. Em segundo, como dissemos, fazer ciência é um processo eminentemente social, que envolve fatores como reconhecimento pelos pares, ascensão na escala social própria dos cientistas, recompensas pelo trabalho realizado, etc. Basta dizer, por exemplo, que um cientista precisa "fazer currículo", ou seja, seu progresso no local de trabalho e na comunidade científica é constantemente avaliado com base em sua produtividade na comunicação das pesquisas. Não adianta nada fazer um trabalho científico se ele não for publicado: o resultado final, aceito pelos pares e divulgado em um local considerado "nobre", é o que conta para ganhar pontos.

A comunicação e a discussão orais de resultados de pesquisa é muito antiga, historicamente (vem da Grécia Clássica, através da atividade dos grandes filósofos, que inventaram a palavra "academia", nome derivado de um bosque de oliveiras onde Platão se encontrava com seus discípulos para altos diálogos sobre todos os assuntos possíveis). Entretanto, foi com a explosão do desenvolvimento da ciência moderna, no período tardio da Renascença, é que surgiu a necessidade premente dos cientistas se organizarem em academias científicas (início do século XVII). As primeiras foram italianas, pois a Itália era, na época, o que os Estados Unidos são hoje. Foi o berço do latim, a língua oficial da ciência, e do próprio renascimento na literatura, nas artes, na ciência e na tecnologia. Além disso, a Itália era a potência comercial e industrial da época, em grande parte devido ao seu domínio da navegação marítima no Mediterrâneo, e à sua capacidade de inventar e inovar. Um exemplo: a maioria dos instrumentos e invenções que revolucionaram a humanidade nos séculos XVI e XVII, como o pêndulo, os relógios, o barômetro, o telescópio, e outros, foram inventados e explorados pelos cientistas italianos (a primeira providência de Galileu Galilei, ao aperfeiçoar o telescópio, foi demonstrá-lo e vendê-lo para o Doge de Veneza, que imediatamente viu suas vantagens militares e comerciais).

Pois bem, a primeira academia científica foi a Accademia dei Lincei (Academia dos Linces), fundada em Roma em 1603 (e que perdura até hoje!). Em seguida, a grande rival de Roma, Florença, também fundou a sua, a Accademia del Cimento, em 1657 ("cimento" significa experimentação em italiano), que infelizmente acabou 10 anos depois. Dela fizeram parte grandes cientistas, como Borelli, Redi, e o próprio Galileu, que teve suas idéias sobre o heliocentrismo acirradamente defendidas pelos membros da Accademia, contra os ditames da Igreja, que não as aceitava. Na Inglaterra, em 1662, foi fundada por decreto real a Royal Society, em Londres; e dois anos depois, na França, a Académie Royal des Sciences, que depois passou a se chamar Académie des Sciences. Participaram em seu começo cientistas como Newton, Descartes e Pascal. Ambas existem até hoje e continuam sendo as mais importantes em seus países. Ser eleito como membro de uma dessas academias representa uma das honrarias máximas na vida de qualquer cientista.

O nascimento das grandes academias de ciência coincidiu com um desenvolvimento extraordinário das ciências naturais e com a contemporaneidade das mais extraordinárias e influentes figuras científicas de todos os tempos, como Galileu, Torricelli, Pascal, Descartes, Newton, Gilbert, Boyle, Hooke, Halley, e vários outros. Antes das academias, os resultados e idéias principais eram publicados na forma de livros, que tinham pouca circulação e nenhuma periodicidade, e eram lidos por poucas pessoas. O debate era realizado basicamente na forma de cartas entre colegas, levadas por mensageiros.

Assim, com as facilidades proporcionadas pela imprensa de tipos móveis, inventadas por Johannes Gutemberg cerca de 200 anos antes, as academias resolveram publicar trabalhos e debates em revistas periódicas, praticamente criando esse conceito. A primeira delas foi o "Journal des Savants" (Jornal dos Sábios), fundado na França em 1662, e que deu origem ao uso do nome "journal" (diário, em francês) para designar as revistas científicas. Logo depois, a Royal Academy fundou a revista oficial da academia, o famoso "Philosophical Transactions", que é a mais antiga revista científica em circulação (é publicada até hoje). As academias italianas também foram pioneiras, com os "Saggi", a publicação da Accademia del Cimento. Em meado do Século XVII, portanto, estava pronto e acabado o atual modelo de comunicação científica vigente até hoje. Gradativamente o latim foi substituído nessas revistas pelo inglês, pelo italiano, francês e alemão, que se tornaram os idiomas da ciência; e as cartas informais entre cientistas se institucionalizaram na forma de "Letters" ou "Léttres", publicadas nas revistas.

Tudo isso mostra como o Brasil, reprimido pelos portugueses até a vinda do Rei João VI, no início do século passado, ficou atrasado na história. Nossa primeira revista cientifica digna de nota foi as "Memórias do Instituto Osvaldo Cruz", fundada por volta de 1910. A Academia Brasileira de Ciências tem pouco mais de cem anos e também tem uma revista, os Anais. Verdadeiras crianças, quando comparadas com a rica história de mais de 400 anos da ciência européia.
 

Para Saber Mais

Accademia del Cimento. IMSS Multimedia Catalogue. URL:  http://www.imss.firenze.it/museo/a/eaccalc.html

L'Histoire de l'Académie des Sciences. URL:  http://www.acad-sciences.institut-de-france.fr/Historique/index.htm

A Short History of the Accademia Nazionale dei Lincei. URL: http://www.lincei.it/ENGLISH.VERSION/HISTORY.html

Chronology of Scholarly Societies: Sixteenth to Eighteenth Centuries. University of Waterloo Electronic Library. Scholarly Societies Project. Waterloo, Canada, Febr 1999. URL: http://www.lib.uwaterloo.ca/society/16th_18th_centuries.html

[Correio Popular] Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 12/3/99 .

Autor: Email: renato@sabbatini.com
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