Integra

 Hoje o mundo vive um momento de uniformização tecnológica onde os meios de produção difundem a idéia clara de um novo tecnicismo para a profissionalização do trabalhador.


 O próprio ensino escolar vem tentando se adaptar a esta nova perspectiva mundial. A mão de obra encontrada, neste momento histórico, dentro da escola, deve se (re)qualificar ou se tornará uma massa falida, subempregada e sem perspectiva alguma de melhoria social.


 Para tanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais (os PCNs) do Ministério da Educação e do Desporto reconhecem o acesso ao conhecimento elaborado para qualquer cidadão brasileiro, nucleado pelo mercado ou não, indicado como parâmetro para uma sociedade em mudança:


 "Os Parâmetros Curriculares Nacionais nascem da necessidade de se construir uma referência curricular nacional para o ensino fundamental que possa ser discutida e traduzida em propostas regionais nos diferentes estados e municípios brasileiros, em projetos educativos nas escolas e nas salas de aula. E que possam garantir a todo aluno de qualquer região do país, do interior ou do litoral, de uma grande cidade ou da zona rural, que freqüentem cursos nos períodos diurno ou noturno, que sejam portadores de necessidades especiais, o direito de ter acesso aos conhecimentos indispensáveis para a construção de sua cidadania."(pag.9)
Ora, essa declaração de intenção, registrada nos PCNs, não segue à risca a lei federal nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) que desautoriza o reconhecimento da educação física escolar para as escolas noturnas. O artigo 26 da nova LDB assevera:


 "A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos."


O que vemos hoje, neste novo panorama mundial, é uma total confusão no modelo social que estamos vivendo, nocauteados pelo medo do desemprego e por isso nutrimos a esperança de encontrar na escola um trampolim para esses dias de crise. Assim, as pessoas estão buscando na escola lutar por um emprego melhor ou um emprego seguro, mesmo que sejam exploradas.
 A sociedade, cada vez mais tecnocrática, afasta as camadas sociais populares do gozo dos bens que eles ajudam a construir, classificando-as de acordo com o seu capital intelectual ou pela soma de dinheiro que estas possuem. Este mesmo determinismo pode ser concebido nos valores adicionados à qualidade de vida para a população brasileira.


A ideologia do fitness, transmitido via mídia, atrai hoje vários adeptos, inclusive oriundos das classes subalternas. O que vemos é o confronto dessa nova ideologia dentro da escola, ou seja, uma uniformização tecnicista que não aproxima os alunos das faixas etárias mais velhas do convívio pleno com um vida digna e saudável.


Nós, professores da escola noturna, também nos deparamos com essa realidade, que nos chegam via esses aparelhos ideológicos, ou trazida para nossos alunos no dia a dia da escola. Observamos uma clara dicotomia estrutural entre o dinamismo tecnicista moldado nos parâmetros da aptidão física, encontrada no fitness e uma educação física voltada para a inclusão de todas as faixas etárias no ensino noturno.


 A qualidade de vida vem a ser, segundo Sabá (1999), um desenvolvimento proporcional de muitas variantes que nos levam ao pleno equilíbrio das nossas funções sociais. Uma abordagem que contempla vários aspectos, como: uma alimentação, de qualidade, baseada em alimentos ricos em vitaminas e nutrientes; destinar parte do tempo para o lazer; reservar 8 horas ao sono diário e um tempo específico para o trabalho; manter equilíbrio espiritual (independente de credos e religiões); realizar quebras de rotina periódicas (aproveitando os finais de semana com viagens e atividades diversas, por exemplo); dedicar um tempo para a evolução pessoal (ler um livro, fazer um curso, participar de um seminário, etc).


 É preciso lembrar que essa vertente de qualidade de vida (no plano ideológico) pertence a uma classe social bem situada e com as suas necessidades materiais estabelecidas. Essa concepção de vida corresponde a uma atmosfera social que extrapola o nível de sobrevivência das classes populares. Eduardo Galeano, por exemplo, apresenta como parâmetro essa qualidade de vida, tão sonhada pela classe trabalhadora: "Nós não queremos sobreviver. Nós queremos viver".


Considerando-se toda essa relação hegemônica, destacamos a importância fundamental de uma educação física noturna que lute para criar mecanismos contra-hegemônicos, através de uma relação pedagógica organicamente articulada com o mundo social do aluno trabalhador, o universo escolar e as reais condições sócio-políticas da atualidade.


 A forma de inserção orgânica que encontramos para este público foi através de uma pedagogia que permita ao aluno do curso noturno o acesso a uma qualidade de vida, via educação física escolar. Nesse sentido, esta pedagogia vem configurada da seguinte forma: fazer com que o aluno trabalhador experimente, através de atividades corporais, o que pode ser válido para ele em termos de qualidade de vida e mostrar-lhe a conjuntura social com vistas à formulação de uma visão de mundo de acordo com seus interesses e necessidades.


 Na realidade de nossa escola, o CIEP Almerinda Azeredo, onde ministramos aulas de educação física, apesar de dispormos de poucas aulas e de um tempo limitado para alcançar tantas metas que nos parecem barreiras intransponíveis (mas no íntimo enfrentar estas dificuldades motivaram-nos mais ainda), começamos um trabalho pedagógico com as turmas da educação juvenil noturna do primeiro e segundo segmentos do ensino fundamental.


 Este trabalho foi iniciado no ano passado (1998) usando-se uma metodologia que leva à inclusão do grupo da faixa etária mais velha (alunos de 30 a 50 anos), onde, para isso foram utilizados pequenos jogos esportivos de pouca complexidade, bem como de ajuda mútua dos alunos mais habilidosos naquele momento. Trabalhamos jogos tradicionais como o queimado e o futebol e os ditos pré-desportivos, o basquetinho e o câmbio.


Diante do vulto que nossa ação pedagógica foi tomando na escola e do aumento significativo da procura pelas aulas, foi necessária a multiplicação do atendimento às outras séries. Vale dizer que, ora incentivando ou participando ativamente, procuramos motivar, todo o tempo, nosso heterogêneo grupo de alunos.


 As expectativas foram as melhores possíveis e os resultados alcançaram plenamente os objetivos previamente estabelecidos. O grupo se motivou e contagiou com isso outras turmas.
Este ano (1999), estamos retomando a Pedagogia da Inclusão com uma nova proposta utilizando música e ginástica, bem como o desporto coletivo, pelo pólo da integração total dos alunos.
 Uma nova motivação já pôde ser notada nas aulas, como também o aumento do grau de interesse dos alunos por outras atividades. A capoeira, por exemplo, desenvolvida nos horários extra-classe foi enfatizada no tempo normal de aula, além da promoção contínua de piqueniques com os alunos trabalhadores. Atualmente, um torneio de Futebol masculino e feminino está sendo organizado pelos próprios alunos, coordenada pelos professores. Este desafio foi lançado com o objetivo de dividirmos, com os estudantes, as responsabilidades das funções na montagem de um torneio.


 Devido ao grande número de turmas e ao vasto conteúdo da educação física escolar, estamos propondo também a utilização do áudio-visual (telecurso 2000). Além disso, nas aulas teóricas conversamos sobre nossa concepção de esporte, lazer e a inclusão de todos nessa esfera social.


 Procuramos, com esta proposta, transmitir uma maior identificação com uma qualidade de vida interessante, promovendo uma prática sadia da atividade física, bem como uma discussão entre as turmas sobre questões cotidianas e da conjuntura social.
 Assim, encontramo-nos diante de uma grande questão: qual a concepção de ensino mais interessante para se responder aos desafios da educação física noturna, lançados à escola pelo modelo social tecnocrático atual?
As alterações introduzidas pela Nova Lei de Diretrizes e Bases que visam, fundamentalmente, ajustar a educação noturna a um modelo político neoconservador, nocalteou nossas propostas superadoras da educação física tradicionalista, além de fragmentar nossa luta pela transformação da estrutura política e educacional do país.


 Em contrapartida buscamos, no campo educacional, caminhos pedagógicos segundo os quais a legitimação da educação física depende somente dos professores da disciplina. Cabe a nós, nesse momento turbulento, trabalhar de modo reflexivo na desconstrução organizacional da modernização excludente. As ações pedagógicas mais adequadas devem, então, ter relação com a realidade dos sujeitos que também têm o direito da apropriação da cultura corporal que a humanidade produziu ao longo do tempo. Essas ações, em nossa concepção, buscam legitimar nossa profissão!
 A nossa pedagogia contempla, dessa forma, um conjunto de ações tomadas no âmbito da perspectiva de ensino interacionista, caracterizada pela prática dialógica professor- aluno.


Assim, concluímos que o princípio fundamental para a elaboração de caminhos pedagógicos alternativos à estrutura educacional ditada pela nova LDB é a organização e a mobilização dos professores, acadêmicos e alunos-trabalhadores nas discussões onde o ensino de educação física vislumbre como parâmetro a escola noturna.

 Notas:


O autor é professor do CIEP Almerinda Azeredo
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CEP: 24.460-000

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 Bibliografia:

Bracht, V. Educação Física e Aprendizagem Social. Porto Alegre, RS, Editora Magister, 1992.
Castellani Filho, L. Educação Física no Brasil: A História que não se Conta. 4ª Edição, Campinas, SP, Editora Papirus, 1994.
Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte (org.). Educação Física Escolar Frente à LDB e aos PCNs: Profissionais analisam renovações, modismos e interesses, Ijuí, RS, Sedigraf, 1997.
Saviani, D. A nova lei da educação - LDB: Trajetória, Limites e Perspectivas. Campinas, SP, Editora Autores Associados, 1997.