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  As Crises Cíclicas do Modo de Produção Capitalista


 O capitalismo caracteriza-se como um sistema contraditório, no qual os interesses de classes sociais antagônicas colocam-se em disputa. De um lado, uma massa de trabalhadores cujo único instrumento de sobrevivência é sua força de trabalho e, portanto, não têm acesso às riquezas; de outro, os proprietários dos meios de produção, que têm como objetivo principal a concentração, acumulação e centralização do lucro via mais-valia.


 É justamente no confronto entre capital X trabalho e expropriação do trabalho X exclusão que Frigotto (1996) fundamenta sua afirmação de estar o capitalismo sujeito a crises que, embora cíclicas, possuem materialidade histórica diversa, apresentando manifestações específicas e assumindo novas roupagens a partir das necessidades estratégicas de reestruturação do regime para enfrentamento ou superação dos conflitos. O autor se reporta a Marx para demonstrar que o conjunto de reflexos sociais de natureza política, jurídica e cultural da sociedade capitalista revelam a perversidade deste sistema. A igualdade e a liberdade previstas pela cidadania burguesa são meramente formais, prevalecendo, ao contrário, a força ideológica do grupo dominante. As crises seriam, desta forma, o resultado da própria natureza do modo de produção capitalista: desigual, injusta e excludente.


 Nesse sentido, é certo que a crise econômica mundial deflagrada a partir dos anos 70/80 não é ocasional, fortuita; trata-se de um processo histórico com raízes mais remotas. Manobras que serviram para solucionar conflitos e garantir o funcionamento do sistema em determinado momento acabam pôr esgotar-se e tornar-se justamente as causas da crise do momento seguinte. As estratégias utilizadas pelo Welfare State para abrandar as conseqüências do colapso econômico de 29 e principalmente do pós Segunda Guerra entraram em crise em 70/80 e novas articulações passaram a ser necessárias.


 O Estado de bem-estar social, influenciado pelo keynesianismo, assumiu, em inúmeros países, o papel de mediador para a reconstrução da economia capitalista avançada. As teses de livre mercado foram substituídas por uma pesada intervenção estatal na economia. Neste contexto, as políticas sociais desenvolvidas pelo Estado ao assumir a tarefa de reproduzir a força de trabalho, contraditoriamente, permitiram inúmeras conquistas à classe trabalhadora, tais como estabilidade, seguro desemprego, previdência social, férias, hora-extra, educação, transporte, dentre outras.


 O esgotamento do Welfare State se deu justamente pela dificuldade do fundo público em assumir o ônus do capital privado e, com isso, a elite dominante viu-se obrigada a buscar novos mecanismos que representaram a redefinição do papel do Estado frente à saúde, educação... As teses sobre liberdade de mercado foram retomadas e o Neoliberalismo apresentou-se enquanto alternativa para o enfrentamento da crise gerada pelo Estado de bem-estar social.


 As transformações na organização do trabalho


 As estratégias de manutenção da economia capitalista determinam transformações na própria organização do trabalho, atendendo à lógica do sistema de aumento da produtividade e, consequentemente, do lucro através da mais-valia relativa.
A racionalização e a especialização do trabalho proposta pelo modelo fordista permitiram à indústria aumentar em muito a sua produção. Nas esteiras, os operários executavam tarefas simples e parciais, cada qual com sua função nas linhas de montagem, repetindo sequencialmente determinados gestos um grande números de vezes.


 De acordo com Antunes (1997:17), o fordismo caracterizava-se por um processo de trabalho
(...) cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronometro fordista e produção em série taylorista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre "elaboração" e "execução" no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do "operário-massa", do trabalhador coletivo-fabril, entre outras dimensões. Menos do que um modelo de organização societal, que abrangeria igualmente esferas ampliadas da sociedade, [compreende-se] o fordismo como o processo de trabalho que, junto com o taylorismo, predominou na grande indústria capitalista ao longo deste século.


 O modelo fordista delimita o perfil ideal para o trabalhador: um indivíduo acrítico e fragmentado, apto a desempenhar apenas a função exigida. Para preparar e qualificar o futuro operário, o sistema de educação assumiu um caráter dual, onde a escola dos trabalhadores objetivava a preparação da força de trabalho simples e a da burguesia e seus associados, a formação de dirigentes. As escolas destinadas às massas foram sendo submetidas à hierarquia da fábrica, seguindo as exigências organizativas do tempo e do espaço, moldando comportamentos, atitudes e formas de pensar. Nessas escolas, os trabalhadores eram "adestrados" e "docilizados" para obedecer hierarquias verticais sem qualquer tipo de contestação.


 Nessa direção, a Teoria do Capital Humano configura-se como referência político-pedagógica que reduz a educação à razão instrumental, vinculando-a ideologicamente a uma relação direta com o nível de desenvolvimento econômico do país. Dessa forma, como analisa Frigotto (1993), o processo educativo assume valor de mercadoria, ao ser encarada como solução para que os países subdesenvolvidos alcançassem a igualdade econômica e social dos países ricos.


 Ao limitar-se a preparação para execução de tarefas e pregar a meritocracia, a educação tenta descaracterizar a luta de classes e mascarar a realidade , esforçando-se para a construção de uma consciência ingênua e despolitizada. Nas palavras de Rigo (1995:86), essa lógica visava esconder outros interesses, objetivos não revelados, entre eles, a disseminação de valores liberais importantes para o momento, tais como: individualismo, a crença do mérito individual, como meio para ascensão social, com isso desconsiderando as diferenças sociais de classes.


 O esgotamento do modelo fordista de produção, reflexo da contradição interna do capitalismo, "coincide" (não casualmente) com o grande avanço técnico e científico denominado "Terceira Revolução Industrial". O aprimoramento do processo produtivo impõe inúmeras transformações no trabalho fabril, passando de paradigma rígido para um paradigma flexível, o que significou a substituição da esteira fordista para o trabalho em equipe através das células de produção, base da nova forma de organização do trabalho denominada toyotismo.


 A especialização do modelo fordista é substituídas por outras qualificações:


É necessário agora que se tenha um trabalhador que leia, escreva e calcule mas que, além disso, possa desenvolver raciocínios mais elaborados; que possa trabalhar em equipe, que tenha iniciativa, capacidade de comunicar-se com clareza, de resolver problemas de forma rápida; que seja dinâmico e capaz de adaptar-se a situações novas, que tenha capacidade de atenção e concentração para minimizar erros na produção, que seja responsável e com capacidade de inovar e, principalmente, que esteja disposto a colocar todas essas potencialidades a serviço da empresa. (Rodrigues, 1999:03).


 Atendendo às políticas neoliberais de ajuste estrutural, o modelo clássico de trabalho que caracterizou o Welfare State (assalariado secundário, com garantias aos direitos trabalhistas (dá lugar ao que Antunes (1997) denomina de trabalho fragmentado.


 Além da complexificação e da heterogenização do trabalho, surge o trabalho precário. Os contratos temporários, a prestação de serviços e a terceirização representam a perda dos direitos dos trabalhadores. Surgem inúmeras estratégias de implantação e organização do novo paradigma (Qualidade Total, parcerias, certificações, etc.) que ideologicamente representam o reforço às teses da Teoria do Capital Humano, porém com uma nova roupagem. Fala-se agora em "capital intelectual", que passa a representar o principal alvo da exploração capitalista, cabendo mais uma vez à escola a preparação e/ou requalificação dos trabalhadores nos moldes da nova organização político-económica imposta.


 Neoliberalismo: políticas e ações no campo educacional


 Neves aponta que as investidas neoliberais de ajuste à crise do capital passam a ditar uma reestruturação da aparato educativo, determinando políticas que vão definir "(...) uma mudança abrangente no arcabouço normativo da educação escolar, no conteúdo curricular e na forma de gestão do sistema educacional e da escola, mas também recorrendo ao emprego de mecanismos de busca do consenso." (1999:135). Tais medidas vêm reforçar no campo educacional as políticas de reajuste estrutural.


 As transformações no modo de produção redefinem o modelo de trabalhador e, consequentemente, da escola que irá qualificá-lo. Rodrigues (1999) aponta que as técnicas de controle tradicionais ( a disciplina rígida na qual predominavam a hierarquia, a ausência de comunicação, a memorização/demonstração, as ações individuais, além de um amplo controle comportamental ( são substituídas por técnicas mais flexíveis com o intuito de disciplinar o potencial psíquico do indivíduo. Um aluno mais comunicativo, com maior capacidade de abstração e de organização em equipe, capaz de realizar uma análise crítica e solucionar os problemas com "autonomia", representa um futuro operário adequado ao novo paradigma. Dessa forma, fica mais uma vez explicitada a imediata relação entre Escola e mundo do trabalho.


 Sabemos que a Educação Física historicamente tem cumprido um papel privilegiado na formação e preparação do modelo de homem exigido pela sociedade capitalista. Nesse sentido, cabe uma indagação: quais seriam as implicações pedagógicas na Educação Física dentro desse novo projeto educativo baseado na construção de uma nova disciplina para o trabalho, identificada pela centralidade no potencial psíquico do indivíduo. Essa questão apresenta-se como ponto central para a Escola e, em especial, para o ensino da Educação Física, uma vez que sua elucidação permitirá um posicionamento crítico frente às exigências demandadas pelo capital.

  Obs.a autora é professora da rede municipal de Juiz de Fora (MG) e pós-graduanda no curso de Especialização em "Fundamentos Teóricos Metodológicos da Educação Física escolar" da Universidade Federal de Juiz de Fora)


 Referências bibliográficas:


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 Frigotto, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1996.
____________ Os Delírios da Razão: crise do capital e metamorfose conceitual no campo educacional. In: Pedagogia da exclusão: o neoliberalismo e a crise da escola pública. Michael W. Apple...[et.al.]; Pablo Gentili (org.). Petrópolis: Vozes, 1995. Coleção Estudos Culturais em Educação.
____________. A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômico-social e capitalista. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 1993.
 Manfredi, Sílvia Maria. Trabalho, Qualificação e Competência Profissional das Dimensões Conceituais e Políticas. In: Educação e sociedade. Ano XIX, nº 64/Especial. Campinas: Cedes, 1998.
 Rigo, Luiz Carlos. A Educação Física Fora de Forma. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Santa Maria, v.16, n.2, p. 82-93, jan, 1995.
 Rodrigues, Ana Lúcia Espíndola. Mudanças no mundo do trabalho e inovações metodológicas na escola : qual a relação? Mimeo. São Paulo,1999.
 Soares, Maria Clara Couto. Banco Mundial: políticas e reformas. In: O Banco Mundial e as políticas educacionais.Org: Lívia De Tommasi; Mirian Jorge Warde; Sérgio Haddad. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1998.