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Em nossa sociedade atual, apesar de outros importantes meios de comunicação, a escola detém o papel fundamental de transmissora de conhecimentos científicos e de valores éticos, na busca de dar condições favoráveis às novas gerações e conseqüentemente, influenciar as perspectivas futuras desta sociedade.

Mas, para se construir um processo pedagógico eficiente não bastam objetivos e conteúdos selecionados, projetos bem organizados, metodologias específicas, nem competências a serem desenvolvidas. É necessário compreender e investir na construção das relações entre as pessoas, especificamente entre professores e alunos, que permeiam todo processo pedagógico e que proporciona as condições necessárias para a construção do conhecimento dos alunos com interesse e motivação.

Sem a construção de uma relação de caráter democrático e afetivo entre professores e alunos, os objetivos e estratégias escolares passam a correr o risco do fracasso, pois é condição essencial para o êxito de qualquer programa escolar que os envolvidos neste processo, vivenciem um clima de empatia e confiança, para que exista prazer na escola e conseqüentemente, êxito no seu processo de ensino-aprendizagem.

"A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vida dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum." (ARENDT,1997, p.274)

De fato, as relações entre gerações distintas, pressupõem diferenças e que o professor, por sua maior experiência de vida e conhecimento específico da disciplina que leciona, detém um conhecimento maior em relação aos alunos. Esta construção não se realizará em bases de igualdade, e sim na desigualdade que, longe de ser nociva, proporciona condições favoráveis ao aprendizado, pois o professor que estabelece uma relação de autoridade democrática, constrói, exatamente pela desigualdade necessária, a condição ideal para a construção da igualdade essencial.

Mas quando se fala em autoridade, resvalamos em terrenos delicados da questão do poder, pois podemos exercer facilmente o autoritarismo e a coerção, pois as experiências de autoridade que vivenciamos em nossa história, infelizmente, são recheadas de guerras, genocídios, ditaduras, invasões, facismos, terrorismos, entre tantas outras experiências autoritárias cotidianas, e por conta de tantos desmandos, a nossa concepção de autoridade se torna completamente deturpada.

Por outro lado, com receio de evitar o risco do autoritarismo, podemos negar a condição de autoridade, criando um vácuo de poder e a possibilidade de se construir, entre os alunos, um clima de permissividade e, conseqüentemente, a tirania pela coerção.

"Mesmo quando não o exercemos, recusando-nos a vivenciar relações institucionalizadas, o poder continua agindo através de outros fatores componentes do sistema de comportamento imposto socialmente; os costumes, as leis, os preconceitos, as crenças, as paixões coletivas." (FURLANI, 1990, p.38)

Um breve olhar na história

Para compreendermos a questão da autoridade em nossos dias, devemos buscar na base histórica da formação de nossa sociedade contemporânea, indícios que confirmam e influenciam as relações da nossa época atual. Desde os primeiros indícios da sociedade Grega e, posteriormente, sua efetivação na vida pública/política no Império Romano, culminando na era Cristã.

O conceito e a prática da autoridade se estruturam de forma significativa nestas sociedades, residindo neste momento, toda estrutura da autoridade nos tempos modernos, desde sua solidificação no decorrer os tempos, até a sua crise nos dias atuais.

Na sociedade grega se configurava um quadro social característico. Em sua intrincada estrutura inexistia uma relação de autoridade no contexto da esfera pública/política. Os cidadãos gregos eram seus próprios governantes, que se autodenominavam de polis grega, ou um governo de muitos governantes, ou seja, os cidadãos exerciam a democracia no princípio da igualdade e na persuasão dos argumentos, só se verificando a relação de autoridade nos momentos de exceção, como exemplos, em períodos de guerra ou na relação com os seus escravos.

Posteriormente no Império Romano, apesar de forte influência da cultura grega, o conceito de autoridade se instala no fato político. A fundação romana continha um forte caráter sagrado, pois nesta sociedade a religião e a política eram consideradas idênticas e o conceito de autoridade estava fortemente fincado na tradição e religião.

Posteriormente na sociedade cristã, aparentemente antagônica aos valores greco/romanos, o que se observa é a forte influência herdada das sociedades anteriores na concepção de autoridade, pois os mesmos pilares de tradição e religião como parâmetros de autoridade foram mantidos e reforçados.

Portanto, analisando a formação de nossa sociedade pela história, passamos a entender a crise de autoridade que vivenciamos, pois o seu conceito está configurado na tradição e na religião, que não correspondem mais aos anseios de nossa sociedade atual.

"Essa crise, manifesta desde o começo do século e política em sua origem e natureza. O ascenso de movimentos políticos com o intento de substituir o sistema partidário, e o desenvolvimento de uma nova forma totalitária de governo, tiveram lugar contra o pano de fundo de uma quebra mais ou menos geral e mais ou menos dramática de todas as autoridades tradicionais."(ARENDT, 1997, p.128)

Afinal, o que é autoridade ?

Pesquisando na área da psicologia, encontramos em Erich Fromm, um interessante referencial no assunto, segundo o autor existem dois tipos de autoridade: a racional ou estimulante e a irracional ou inibidora. Na autoridade racional os interesses entre as pessoas que se relacionam são semelhantes, enquanto na autoridade inibidora, os interesses são antagônicos.

A relação interpessoal na autoridade racional se baseia no aprendizado do ser em posição inferior pelo ser em posição superior em busca de uma igualdade futura. Na autoridade irracional a distância entre quem comanda e quem é comandado vai se distanciando ao longo do processo. O resultado da primeira situação é a promoção de sentimentos de empatia, gratidão e admiração, que são propulsoras de qualidade de vida. Na segunda situação, os resultados destas relações pessoais são a hostilidade e o ressentimento, que promovem sentimentos destrutivos da coletividade.

Na área da educação, de acordo com os estudos de Furlani, a relação de autoridade entre professor e aluno, é referendada pela sociedade que legitima a escola como instituição social e conseqüentemente se reflete em seus espaços, as mesmas formas de autoridades existentes na sociedade. A autora analisa três possibilidades de relações, promovidas pelo tipo de autoridade que se estabelece entre os pares.

A autoridade como produto da relação professor-aluno, baseado na competência profissional e no diálogo democrático, o professor como facilitador de desempenhos adequados dos alunos e diagnosticador do trabalho escolar, que chamamos de autoridade democrática ou legítima.

A autoridade como reprodução da hierarquia escolar e social, baseado nas posições hierárquicas em modelos autoritários no relacionamento com os alunos, o professor como controlador e classificador do produto do aluno que chamamos de autoridade coercitiva, legal ou autoritária.

A autoridade negada, baseada na recusa dos modelos de autoridade em modelos permissivos no relacionamento com os alunos, os papéis de professor não são claramente desempenhados e que chamamos de autoridade permissiva.

Na autoridade democrática tem-se o claro objetivo de priorizar a vida coletiva, o reforço da auto-estima e a ludicidade. A crítica é estimulada e busca a promoção da autonomia e da cidadania.A dinâmica das relações compreende o conflito e a superação das idéias divergentes, da construção do diálogo e na busca da igualdade e no respeito às diferenças.

Na autoridade coercitiva, o que caracteriza este aspecto é a clara diferença da posição superior e inferior no contexto hierárquico. Estimula-se o conhecimento decorado e acrítico, observa-se uma ausência significativa do diálogo e uma forte relação de competição exacerbada.

O professor detém o conhecimento, controla o aluno pela disciplina e faz da avaliação um instrumento de poder, com pouco espaço para questionamentos.

Na autoridade permissiva o professor nega a sua autoridade com um discurso de modernidade e com isso abandona o coletivo dos alunos ao acaso, nega a transmissão de seus conhecimentos e a experiência de relacionamento de diferentes singularidades, onde possivelmente a tirania dos alunos mais adaptados à competição social assumirá o espaço não preenchido pela pessoa preparada para a função.

Conclusão preliminar

Este ensaio teve o intuito de levantar questionamentos à cerca das relações de autoridade, que se baseiam na superioridade de um ser sobre o outro, no contexto escolar. O que nos perguntamos, ao final deste estudo é se esta relação só subsiste nestes termos ou, se é possível construir outras formas de relacionamentos. E se a escola está construindo o fortalecimento do autoritarismo ou se está construindo uma concepção de autoridade em relações fraternas, que prevaleçam elementos de solidariedade e autonomia, ou ainda o mais preocupante: em nome do discurso da modernidade, a relação de autoridade possa estar destinada ao esquecimento, com riscos incalculáveis da perda de parâmetros em nossa sociedade contemporânea.

O autor, Marco Antonio Santoro Salvador é professor da SME/SEE-RJ e do PPGEF-UGF

Referências bibliográficas

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