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A situação cultural trava o avanço desportivo? Opinião ti Abila José Manuel Constantino A tragédia do desporto nacional é cultural antes de ser política. Pelo que se torna ilusório esperar que a política resolva sozinha o que a cultura desportiva dominante trava. 

Os portugueses são dos cidadãos da União Europeia com menores taxas de participação em actividades culturais. E são também dos últimos em matéria de indicadores de actividade fisica e desportiva. 

Resultado da falta de investimento, da fraca aposta na educação, de uma literacia desportiva frágil e de uma agenda política que não prioriza estas frentes no âmbito das políticas públicas. 

O resultado de tudo isto é uma agenda política pobre do Governo e do Parlamento , um debate público quase inexistente e longe de qualquer convicção quanto os desafios que se colocam a Portugal em matéria de desenvolvimento do desporto. 

Os esforços deste ou daquele governante, ou deste ou daquele parlamentar, são quase sempre empenhos individuais que não se transformam numa cultura que inscreva o desporto na agenda política não apenas como um direito constitucional, mas sobretudo como urna conquista civilizacional. 

Naturalmente que para isso concorre um caldo social onde a literacia desportiva não é suficiente para que a situação possa ser alterada. Excepção para muitos autarcas que nas suas comunidades vão conduzindo políticas locais animadas pelo propósito de desenvolver o desporto e através dele cimentar a coesão social e económica das suas comunidades. 

Uma coisa parece certa: o que sucederá daqui para a frente será um país desportivo com novas assimetrias, que gerará novas desigualdades evidenciando, uma vez mais, que num contexto de crise esta não tocará a todos da mesma maneira. O desporto vai ter de suar muito para não perder algumas das suas, poucas, conquistas. 

O caminho não é fácil. A desculturalização do desporto na política empurrou a governação do desporto para a sua "tecnocratização" numa tensão permanente entre o direito e as finanças acoplada à gestão das circunstâncias. O desporto acabou sempre a perder. Nada existe que permita afirmar que, no futuro, esta situação se inverta. 

Neste sentido, o pensamento e o antagonismo próprios do debate político cedem lugar às soluções simples, mesmo para problemas complexos, característicos de um pensamento pós-político, agravando a descapitalização do pensamento político e de ausência de sentido estratégico que permita enumerar um conjunto de objectivos a alcançar e que tornem inteligível o rumo traçado. 

A democracia digital e a facilidade de acesso à fala pública através das redes sociais, contrariamente ao que seria desejável, não transformaram o aumento de informação em melhor conhecimento e, portanto, o cenário de soluções simples para problemas complexos tende a ressoar na cacofonia digital. 

Em Portugal, o desporto nunca teve uma vida fácil. Desde os finais do século XIX que viveu de impulsos, mais do que de uma opção politicamente assumida. No Estado Novo, com os antigos Planos de Fomento do Desporto, até aos dias de hoje, com os diversos planos estratégicos para o desenvolvimento desportivo todos jazem no cemitério das boas intenções. Porque o problema esteve sempre menos a montante dos planos de desenvolvimento estratégico (alguns de inegável valor doutrinário) e muito mais nas concretas situações em que ocorrem a construção e decisão politicas. 

É a situação portuguesa uma inevitabilidade? Se consultarmos o que neste momento se passa em muitos países europeus, constataremos que existe uma correspondência entre a robustez das medidas politicas para combater a crise pandémica no desporto e os indicadores de consumos culturais e desportivos. 

A pergunta parece ser legítima: é a nossa situação cultural que trava o avanço desportivo?  

JOSÉ MANUEL CONSTANTINO 

PRESIDENTE DO COMITÉ OLÍMPICO DE PORTUGAL