Resumo

Introdução: testemunho e propósito

O livro da vida da pós-graduação na EEFE-USP apresenta já trinta capítulos completos. Por certo os textos até agora redigidos não foram todos escritos com palavras de sabedoria. Porquanto a palavra sábia carece de ser tecida com fios muito finos e leves que levam longo tempo a ser elaborados. E é ainda relativamente curto o tempo que foi dado à instituição para aprender a cerzir, pontear, ligar e rematar. Porque há um tempo para o crescimento e outro, não menos longo, para o amadurecimento. Um tempo para o conhecimento e outro para a sabedoria.

Mas posso dar testemunho de que bem cedo, como por milagre, encanto ou magia, brotou das suas mãos o condão de transformar grosseiros panos de surrobeco e burel em tecidos de seda e de alvíssimo linho de cambraia. Para enroupar um corpo que crescia sem descanso, ora engrossando o tronco, ora alongando as pernas e esticando os braços para além do espaço consentido.

Sim, é do corpo do Homem, da sua edificação e exaltação que a EEFE-USP se ocupa. Da coreografia dos seus gestos. Do acerto das suas funções, do sentido e leveza das suas aspirações. Do corpo real e virtual. Do corpo feito por fora e por dentro, à medida do desejo e da necessidade. Do corpo que terá sempre algo a menos, pedindo uma prótese a mais. Assumindo a razão de Terêncio1, de que nada do que é humano lhe é estranho: quer aquilo que se exprime em altura espiritual, quer aquilo que nos prende à terra. E tendo na lembrança a utopia do corpo belo e ágil dos atletas gregos, pintado em vasos e ânforas, esculpido no mármore branco de Poros e coroado de areté por oráculos, filósofos e poetas. Sem olvidar o corpo romano, dos gladiadores no Circo Máximo (tão fustigado pelas sátiras de Juvenal!)2, de Galeno e dos banhos e massagens nas termas de Caracala3. O corpo místico, asceta e penitente dos cristãos e dos santos da Idade Média. O corpo-máquina, de Leonardo Da Vinci e de Vesálio4. O corpo vítima de sevícias e opressões. Os corpos diversos que o corpo de todos e cada um encerra na sua dialéctica de constância e mutabilidade, quer numa radiografia diacrónica, quer num olhar sincrónico.

É, pois, do corpo que a EEFE-USP cuida, atenta ao Homem-Todo. Do corpo como estrutura de viver e cumprir os ritos de existir, no dizer de Carlos Drummond de Andrade. Do Ego corpóreo como tatuagem da alma e anatomia do nosso destino. Do corpo desportivo, essa admirável dimensão do Ser transcendente, essa eloquente concretização da razão de existir e do sentido da vida, esse excesso e esgotamento, humildemente tentativos, do campo do possível. Do corpo construído por sucessivas formas de elevação e assente em colunas de sublimidade, como um templo sonhado pela nossa imperfeita perfeição. Do corpo inatingível, que é por isso um desafio e um impossível necessário. Hoje e sempre!

Labora num espaço de fronteira entre a mente e o corpo, no ponto de encontro e da harmonia do espírito e da matéria, cuidando de os juntar e somar na taça transbordante da Vida. Ocupa-se da internalização, da apropriação e projecção de símbolos e ideais, conceitos e preceitos, princípios e valores, normas e grandezas, direitos e deveres, ilusões e utopias que convidam para o esforço severo, incansável e sistemático de projectar a nossa natureza, nomeadamente o corpo, contra si própria, para além e acima de si mesma, visando anular as fronteiras entre a alma e o mundo exterior. E assim participa na construção de identidades e de pessoas cujo Superego é um espírito incarnado.

O seu grande projecto é, portanto, o Homem. Não apenas como um corpo com alcance e aptidão intelectual. Mas como um Todo, em que cada uma das partes desempenhe um papel e uma função essenciais. Um Homem completo e realizado, sem sentimentos enlatados, que saiba olhar, entender, sentir e usar livremente cada um dos seus talentos. O mesmo é dizer que ela cuida do cumprimento do dever do aprimoramento ético e estético de cada homem, nomeadamente de cada um dos quadros que nela se formam. Como método de os afeiçoar a ideais superiores de vida e cidadania, como o contido no lema olímpico Citius, Altius, Fortius! Por certo com insuficiências e fraquezas, mas também com as virtudes do entusiasmo e da generosidade bastantes para dar flores ao presente e frutos ao futuro.

Ao fazer o balanço do passado, com a finalidade de visualizar janelas, desafios e perspectivas para o amanhã, somos obrigados a reflectir sobre a missão da Universidade. A actualizá-la e a renová-la. O que convida a ter bem presentes as razões e finalidades que presidem ao estudo, à formação e investigação na área do desporto e ou da educação física5. E a avaliar a forma de cumprimento dessas tarefas.

É com este propósito que venho aqui corresponder ao honroso convite de me associar à celebração do trigésimo aniversário da Pós-Graduação da EEFE-USP. Assumo isto como um contributo e um preito impostos pelo sentimento de gratidão, respeito e admiração para com a instituição e quantos nela exercem o seu labor. E com a convicção de que o ritmo e o sentido da sua caminhada até ao presente dão boas e sobejas garantias para acreditar que ela vai continuar a escrever e acrescentar outros nobilitantes capítulos ao colorido e cativante, valioso e generoso livro da sua existência. ...

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