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To Lisa Armitage

Certamente meus milhares de leitores mantem uma memoria apurada para lembrar-se  que, há cerca de dois anos, eu escrevi um post sobre “premios na ensinagem universitaria na Australia” neste meu blog ceviano. Naquele texto eu falava sobre como funcionam os prêmios para professores universitários por aqui na Australia – enfim, fazia uma longa introdução apenas para me vangloriar e contar que eu havia sido agraciado pela minha universidade com um premio interno, por inspirar e motivar meus alunos a se dedicarem aos seus estudos na minha área.

Pois bem, parem as maquinas! Acabo de ser notificado que recebi um premio nacional de ensinagem! Isso mesmo, o Office for Learning & Teaching (uma espécie de secretaria da ensinagem universitária vinculada ao governo federal australiano, que distribui prêmios, bolsas e verbas de pesquisa, tudo relacionado ao ensino superior) recentemente anunciou os professores universitários agraciados em 2014 com uma ‘menção por uma contribuição excepcional a ensinagem universitária’ – e eu estou no bolo!

Eu ganhei na categoria “respeito e apoio pelo desenvolvimento dos estudantes como indivíduos”, na área de formação de professores. Há outros docentes, em diversas áreas e outras categorias, espalhados por todo o país, que receberam seus prêmios também. Houve uma cerimonia, toda formal e chique, lá no centro de Sydney, com a presença das ‘otoridades’ estaduais e nacionais da ensinagem, incluindo ai o ministro da educação, para a entrega dos prêmios – apertei a mão do fulano. Fui de terno e levei a família! Na verdade, houve varias cerimonias, em todas as capitais do país, para que os agraciados em cada estado pudessem participar. A secretaria da ensinagem paga as despesas de transporte, alimentação e hospedagem se você morar em alguma cidade mais distante e tiver que dirigir muito ou mesmo pegar um avião para ir à cerimonia. Vou meter uma notinha de gasolina, claro.

Estou muito contente. Ganhar um premio desses traz uma satisfação enorme pelo reconhecimento do trabalho árduo de ensinagem, dentro e fora das salas e quadras de aula – além de um dinheirinho para ajudar nas despesas com as conferencias e viagens cientificas do ano que vem. Entretanto, assim como no premio anterior, dá um trabalhão para você ganhar o premio, ele não cai do céu, e exige um belo esforço extra. O candidato interessado tem que escrever uma cartinha, um texto de no máximo quatro paginas, cerca de três mil palavras, no qual ele tem que apresentar a sua área de ensino, explicar o que faz nos seus processos de ensinagem, esmiuçar a sua filosofia de ensinagem, e mostrar evidencias, provas, fatos, de que tudo isso esta sendo relevante e causou um impacto ‘excepcional’ na vida dos seus alunos e alunas, dentro da categoria de premiação escolhida. Usar tabelas e números ajuda. Enfim, tem que espremer tudo isso – filosofia, pedagogia, provas, gráficos, como tudo encaixa na categoria escolhida – em quatro folhas, com um visual bonito, sem letras miúdas, com espaçamentos adequados … Depois disso, tem mais trabalho, pois a sua candidatura deve passar por uma triagem na própria universidade. Para serem aceitas pela secretaria nacional, todas as candidaturas tem que ser enviadas pela sua universidade, que pode mandar apenas seis candidatos em qualquer área (de formação de professores a química, passando por tudo que uma universidade ensina) em todas as categorias. Como eu dizia, da um trabalhão, são diversas idas e vindas entre o candidato e o comitê da universidade que decide quem vai ser enviado à

etapa nacional. Eles sugerem modificações no seu texto, dão um monte de palpites, muitas vezes contraditórios. Este ano havia 19 pré-candidatos na minha universidade, ao final sobraram seis, e eu estava ali, representando a educação brasileira!

No fundo mesmo, eu não estava muito disposto a concorrer. Primeiro, porque este exercício de escrita sobre o seu trabalho é algo com o que não estamos acostumados na nossa cultura. De fato, é um autoelogio enorme, onde você tem que falar como é bom, ou melhor, como seu trabalho é bom, digo, ótimo, mais ainda: excepcional. O premio é para ‘contribuições excepcionais a ensinagem universitária na Australia’. Da um pouco de vergonha ficar fazendo propaganda de si próprio. Talvez isso seja uma coisa ‘tipicamente’ australiana, aprender a se defender e a mostrar as suas qualidades para o mundo – eu acho que nunca aprendi isso antes. Além disso, tem que combater a preguiça e pensar no investimento necessário para esta brincadeira. Com o tempo e a energia gastos para se preparar esta candidatura, dava para escrever uns cinco artigos científicos e vários posts aqui pro CEV mesmo e também pro Historia(s) do Sport, pro Laercio e pro Victor não reclamarem mais. O trabalho e a expectativa são realmente muito grandes. Preferia ficar no meu canto.

Alguns fatos me fizeram mudar de ideia. Primeiro, o trabalho da Dra. Lisa Armitage, para quem dedico este post. No ano passado ate o inicio deste ano, a Lisa era a responsável pela secretaria de ensinagem da minha universidade. Ela que fazia o meio de campo entre a secretaria nacional e a gente aqui em Western Sydney; ótima profissional que conhece todos os macetes dos prêmios, das bolsas e das verbas de pesquisa da secretaria nacional de ensinagem. Entretanto, longe de ser uma burocrata, ela realmente entende, valoriza o trabalho pedagógico do docente, e ajuda a dar significados para as coisas que a gente faz. Ela achava que eu devia concorrer ao premio, e veio sentar comigo para discutir e me incentivar, e para me espremer e tirar o meu melhor… Nossos papos foram semelhantes a umas sessões ‘terapêutico-profissionais’: como alguém que não conhecia nada da área de Educação Física ou Educação Esportiva, ela foi me cutucando, fazendo as perguntas certas para que eu pudesse contar a ela o que eu fazia com meus alunos para obter resultados bacanas. Melhor ainda, ela me fez refletir em tudo o que eu fazia, nestes anos todos, fazendo com que eu esmiuçasse a minha pedagogia e o meu embasamento teórico em uma linguagem acessível, sem jargões da área, mas com explicações plausíveis e não demagógicas; afinal, a mulher é muito erudita, e apertou o meu cérebro até sair alguma coisa inteligente de lá. Uma pena que há alguns meses ela tenha mudado de departamento dentro da universidade, uma perda para a nossa ensinagem. Coisas da vida acadêmica.

Além do apoio da Lisa, outras coisas aconteceram. Não contei para ninguém, mas entre o primeiro premio que ganhei aqui, em 2012, e este de agora, recebi ao final de 2013 o premio de ‘Excelência de Ensino do Reitor’; todo ano o Reitor da universidade oferece vários prêmios de ‘excelência’ – em ensino, em pesquisa, pós-graduação, sustentabilidade, serviços comunitários, etc. Estudantes, funcionários, professores, todos e todas podem concorrer: na verdade, para este premio você precisa ser indicado, e eu fui nomeado pela minha chefa de departamento, com o aval da diretora da minha faculdade. Mas confesso que no dia da cerimonia de excelência, eu Woodyallenzei. Isso mesmo, esqueci completamente e não fui… A cerimonia dos prêmios por excelência rolou no final do ano, em um campus a uma hora do meu. Estava eu na minha salinha, trabalhando, quando de repente… recebo uma mensagem de uma colega falando: “onde você esta? Não vem pra cerimonia? Te chamaram lá no palco!”. Bateu o desespero, pois haviam me dito eu estava entre os cinco possíveis ganhadores, e que deveria comparecer para ver o que rolava. Avisei minha colega que eu estava longe, e ela subiu no palco por mim… depois de uns 15 minutos de espera, outra mensagem: “Você ganhou! Peguei sua plaquinha, o chequinho eles vão por na sua conta”.

Claro que fiquei contente. Mas a grande motivação para concorrer ao premio nacional veio de uma ex-aluna, que havia assistido a premiação de ‘excelência’ da minha universidade – aquela mesma em que eu dei o cano. No dia seguinte a cerimonia, ela me manda um e-mail, assim, em letras maiúsculas mesmo:

VOCE GANHOU A PORRA DO PREMIO!!!!SABE POR QUÊ? PORQUE VOCE é UM EDUCADOR FANTASTICO, QUE FAZ A DIFERENCA NA VIDA DAS CRIANCAS DE WESTERN SYDNEY, NA AUSTRALIA, POR CAUSA DOS PROFESSORES QUE VOCE PREPARA PARA DAR AULAS PARA ESTAS CRIANCAS. AS CRIANCAS DESTA AREA NÃO SÃO QUAISQUER CRIANCAS. SÃO MARGINALIZADAS. NASCERAM SEM PERSPECTIVA e TEM POUCAS CHANCES NA VIDA. PRECISAM DE PROFESSORES COM CORACOES E MENTES. E VOCE FORMA ESTE TIPO DE PROFESSOR!!

Este e-mail foi um baque. Positivo, claro. Puta coisa legal. Só este reconhecimento já bastaria, como me bastou muitos anos no Brasil. Mas o fato é que, além da grande consideração que os bons professores e professoras sempre recebemos de nossos estudantes, por aqui existe o reconhecimento institucional também. Ajuda na carreira, na satisfação e valorização profissional, e no leite das crianças. Acabei usando o e-mail desta ex-aluna no meu texto (eliminando claro algumas expressões que talvez não caíssem bem em ouvidos puritanos), como uma evidencia do impacto da minha ensinagem.

Pelo visto deu certo. A banca considerou que eu merecia uma menção honrosa na categoria “respeito e apoio pelo desenvolvimento dos estudantes como indivíduos” porque, segundo eles, eu “desafio a atitude e os valores dos estudantes em relação aos conteúdos da área de Saúde e Educação Física, preparando-os e os apoiando em seu desenvolvimento holístico como agentes de mudança social”. Bonito, não? Mais pomposo ainda foi o que um membro da banca escreveu nos comentários dele sobre meu trabalho:

“Jorge proporciona aos seus alunos uma experiência acadêmica transformadora na área de Saúde e Educação Física. Ao estabelecer um vinculo dialógico baseado em respeito mutuo com seus estudantes, ele desafia os conceitos pré-estabelecidos dos alunos e alunas nas áreas de educação corporal e esportiva. Ele facilita e oportuniza uma transformação criativa na ensinagem da sua área, de modo que os estudantes terminam a sua disciplina não apenas com um profundo conhecimento acadêmico, mas também com muita vontade de transformar o status quo da Educação Física, corporal e esportiva nas escolas de Western Sydney”.

Lendo isso, até me sinto importante! Mas não fui eu, na verdade, que ganhou o premio: foram os anos de lida e aprendizado com mestres excepcionais da educação brasileira que me fizeram enfim saber alguma coisa: obrigado, especialmente aos meus e as minhas mestres uspianos, tão geniais quanto combativos! Valeu mesmo, Eda Tassara, Claudia Vianna, Marilia Pinto, Veroca Paiva, Paulo Freire, Maria Victoria Benevides, Lisete Arelaro, Dante de Rose, Emedio Bonjardim, Esdras Vasconcellos, Moacir Gadotti, Eva Blay, Osvaldo Ferraz, Luis Dantas, Marcelo Massa, Marcos Merida, Isabel Filgueiras, Selma Felippe Knijnik, Flavia Bastos, Elisabete Freire, e taaaaanta gente boa que me ensina mais ainda!

Mais uma vez a educação brasileira no pedestal! Mais uma vez as Oropa (ou Oceania, tanto faz) se curva ao Brasil! Cheers!

Por Jorge Knijnik
em 16-09-2014, às 13:03

27 comentários. Deixe o seu.

Comentários

Fantástico! Parabéns Jorge!

Por Mariana Tsukamoto
em 16-09-2014, às 13:27.

é isso aí Jorge

parabéns pelo prêmio e principalmente pelo reconhecimento de um trabalho com competência e dedicação

abraço

Valmor

Por Valmor Tricoli
em 16-09-2014, às 13:41.

B R I L H A N T E, JK!

Vamos publicar o seu relatório na biblioteca do CEV pra reforçar o exemplo e a comemoração?

VIVA! Laércio

Por Laercio Elias Pereira
em 16-09-2014, às 14:11.

Querido Jorge! que alegria ver seu trabalho tão reconhecido!! abraços carinhosos
Eva Blay

Por Eva Blay
em 16-09-2014, às 15:19.

Obrigado, querida Eva!

Por Jorge Knijnik
em 16-09-2014, às 16:11.

Vamu que vamu, Laercio, daqui para Bolywood!

Por Jorge Knijnik
em 16-09-2014, às 16:12.

Grazzie molti, Valmor, bom ter o apoio dos companheiros de sempre!

Por Jorge Knijnik
em 16-09-2014, às 16:13.

Arigato, Mari!

Por Jorge Knijnik
em 16-09-2014, às 16:14.

Grande Jorge,
Parabéns pelo trabalho. E pelo relato, que nos permite sentir um pouco da satisfação que está vivendo.

Por José Roberto Herrera Cantorani
em 16-09-2014, às 18:22.

Parabéns, Jorge. Com certeza, o prêmio reflete toda sua dedicação à docência e à pesquisa.
Bjs

Por ELISABETE DOS SANTOS FREIRE
em 16-09-2014, às 19:53.

Show… JK!
Parabéns pelo prêmio e por continuar nos inspirando!!
Abraços,
ASA.

Por Alexandre
em 16-09-2014, às 21:04.

Boa Jorge. Que beleza de caminho que você está realizando! Um bom professor que seja estimulante faz diferença. Li esses seus comentários acima e fiquei tocado com toda a situação apresentada. A vida, que bom, traz surpresas e um tipo de alimento que provavelmente você consegue encontrar, mantendo-se assim vivo e animado e animando. Grande abraço e meus cumprimentos.

Por luis fernando de Nóbrega.
em 16-09-2014, às 23:04.

JK, quanta felicidade! Prêmio mais que merecido não só por sua competência profissional, mas também pela pessoa humana, que acolhe, oferece oportunidades, transmite e divide seus conhecimentos sem receio. É isso que faz a diferença em um docente! Como a própria categoria do prêmio ressalta, você “respeita e apoia o desenvolvimento dos estudantes como indivíduos”. Continue assim, ganhando muitos outros prêmios, contribuindo com a área e com a vida/olhar dos que pretendem ingressar nela. Sua família deve estar orgulhosa! beijos

Por Renata Pascoti Zuzzi
em 16-09-2014, às 23:33.

Valeu, Zuzzi! Mas voce e’ muitcho melhor que eu!

Por Jorge Knijnik
em 17-09-2014, às 3:50.

Valeu Luis! Voce tem parte nisso tambem, um forte abracao!

Por Jorge Knijnik
em 17-09-2014, às 3:50.

Nao sei se inspiro – ou so’ piro mesmo – MAMAE NATUREZA!

Por Jorge Knijnik
em 17-09-2014, às 3:51.

OI,Bete, obrigado – mas acho que o premio apenas reflete a minha dedicacao ao xaveco academico :-)

Por Jorge Knijnik
em 17-09-2014, às 3:52.

Laercio, para de babar ovo ai e responde a pergunta que nao quer calar: e’ nacional ou internacional:-)?

Por Jorge Knijnik
em 17-09-2014, às 3:52.

Valeu, Cantorani, pela fuerza e por compartilhar os momentos comigo, um abracao!

Por Jorge Knijnik
em 17-09-2014, às 3:53.

Valeu JK
Parabéns por este e pelos outros MERECIDOS prêmios.
Me parece que agora só resta o lema do Buzz .. Ao infinito e além !

Vamos combinar um bate papo?

Um abraço Ronê

Por Ronê Paiano
em 17-09-2014, às 14:09.

Rarissimo Rone, voce sabe que com canhotos, nao ha quem possa? Quanto ao bate papinho,voce quer skype ou ao vivo?

Por Jorge Knijnik
em 17-09-2014, às 15:57.

Parabéns meu querido Jorgeamado, logo logo te darei um abraço ao vivo e a cores .Abração da Mãe e do Pai

Por Olga Knijnik
em 17-09-2014, às 21:05.

Uepa, quando a Mae fala a coisa fica seria! Obrigado, Maezinha querida, e nos vemos em breve, um beijao!

Por Jorge Knijnik
em 18-09-2014, às 1:47.

Amigão,

Só hoje conferi o montão de mensagens que recebi no período de férias de verão.

E fiquei emocionada e orgulhosa com ao meu amigo Jorginho Knijnik.

Tenho muita sorte ter-te como amigo.

Um abraço de parabéns muito apertado para ti, tua mulher, ‘crias’e pais.

Paula

Por Paula
em 18-09-2014, às 18:36.

Salve grande Jorge!! Parabéns mais uma vez. Meu amigo, discordo dessa bobagem de especialização em xaveco academico. Pode ter certeza que o que vc. chama de autoelogio, nada mais é que o real encadeamento dos fatos.Em outras palavras, a mais pura verdade. Considero um privilégio os momentos em que pude acompanhar suas aulas na USP. Vc. merece!

Por Patricio Casco
em 19-09-2014, às 1:31.

O privilegio foi (e continua sendo) todo meu, Cascao companheiro de todas e boas!

Por Jorge Knijnik
em 5-10-2014, às 3:55.

Sorte a minha, Paulinha! forte abracao!

Por Jorge Knijnik
em 5-10-2014, às 3:56.

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