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O nosso interesse pelas lutas inseridas na educação física escolar surgiu na década de 80, quando em concomitância com a graduação em educação física nos graduávamos em karate. A prática ao longo de todos esses anos confirma nossas expectativas sobre a importância da inserção das lutas no contexto escolar.

É imperativo que busquemos caminhos que orientem e estimulem o professor de educação física no sentido do reconhecimento do seu próprio potencial para a exploração positiva do potencial educativo das lutas em seu ambiente escolar. É, portanto, nossa responsabilidade o desenvolvimento de pesquisas para o esclarecimento de dúvidas e questionamentos que se fazem sempre presentes nessa caminhada.

Com base nessas assertivas este artigo, então, pretende corroborar com o objetivo do V Encontro Fluminense de Educação Física Escolar (EnFEFE), analisando e discutindo os conteúdos da educação física, buscando diferentes possibilidades de adequação a uma nova perspectiva de atividade física na escola. Continuaremos, assim, a propor a inserção do karate nesse contexto. Duino (1999) já indicava esse caminho: "Devemos estimular, também, a prática do Karate enquanto Educação Física desenvolvida nas escolas".(p. 82)

O karate, bem como, o judô, a capoeira, etc., podem ser utilizados como mais um meio para o desenvolvimento da educação física por intermédio de seus conteúdos diferenciados, de suas filosofias de ensino e de seus conteúdos histórico-filosóficos. Não estamos discutindo a formação e o aprimoramento técnico de um atleta, estamos falando de alunos em formação no seu ambiente escolar.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física (PCN/1998) determinam e valorizam a participação dos alunos em jogos, lutas e esportes dentro do contexto escolar, seja de forma recreativa ou competitiva. O referido documento destaca que: "Num país em que pulsam a capoeira, o samba [...], entre outras manifestações, é surpreendente o fato de a educação física, [...] ter desconsiderado essas produções de cultura popular como objeto de ensino e aprendizagem". (p.71 e 72)

Ao professor de educação física, comprometido com sua prática escolar, cabe a função de entender a cultura corporal de seus alunos buscando novos horizontes que estimulem esse objetivo e orientem o conteúdo prático e teórico da disciplina. Segundo a Revista Nova Escola (2000),

"Essa compreensão amplia os objetivos do educador, que deixa de querer apenas garimpar futuros atletas e passa a se preocupar com a formação de cidadãos. Inclusive com atividades tipicamente regionais - como a Capoeira, o frevo, e muitos outros jogos, danças, lutas e brincadeiras. Só para estimular a participação de todos. Exatamente como propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais". (p.17)

Gadotti (1991) afirma, "Educar é fazer ato de sujeito, é problematizar o mundo em que vivemos para superar suas contradições, comprometer-se com esse mundo, para recria-lo constantemente". (p.90)

Duino (1999) confirma que a educação se realiza diante do envolvimento dos que ocupam o espaço escolar, sejam eles alunos ou professores: "... todos acolhendo a multiplicidade das vozes da razão e reavaliando os fins da educação: autonomia, liberdade, emancipação, entre outros". (p.40)

Enfim, defendemos a escola como lugar democrático onde se desenvolvem a cidadania e a educação. Alcançaremos nossos objetivos diante de uma ação transformadora de ensino, baseada na concepção freireana (1980) da educação como prática da liberdade. Duino (1999) quando resolveu discutir pedagogicamente o Karate, o fez embasada, principalmente, nas leituras de Freire.

É primordial que o educador assuma seu papel e se permita ser águia, como na metáfora de Boff (1997), diante da sociedade. O professor de educação física é graduado, portanto habilitado, para trabalhar com movimento, seja este movimento qual for. A educação física escolar pode e deve lançar mão das lutas, bem como da ginástica olímpica, dos desportos com bola, do atletismo, da natação, das danças entre outros. Os PCN orientam nossa prática nesse sentido.

O imaginário social desenvolvido acerca das lutas, principalmente, envolve uma certa relação entre o sagrado e o profano, relação discutida com propriedade por Eliade (1996). Ansart (1978) esclarece que o imaginário social é o conjunto de "sistemas de representações através dos quais as sociedades se autodesignam, fixam simbolicamente suas normas e seus valores". (p.22)

Está no imaginário dos alunos, dos pais e, até mesmo, dos professores, que somente o "faixa preta" de karate ou judô, por exemplo, é quem poderá instruir alunos sobre esses lutas. O lugar sagrado desse instrutor é fortalecido no momento em que os profissionais de educação física não se posicionam diante desse contexto, acreditando, realmente, serem incapazes de trabalhar com as técnicas e filosofias dessas lutas como mais um conteúdo diferenciado para o desenvolvimento motor de seus alunos no ambiente escolar.

Novamente, então, voltamos à metáfora de Boff (1997) para perguntar: Somos águias ou somos galinhas? Continuaremos a "ciscar" em pequenos terreiros como galinhas, ou alçaremos vôos ilimitados como águias, como educadores que somos?

Obs.
A autora, Profa. MS. Silvana Rigido Duino, é professora da UNIVERSO

Referências bibliográficas

Boff, L. (1997). A águia e a galinha. Rio de Janeiro: Vozes.
Duino, S. R. (1999). Concepção educacional do karate na Universidade Federal do Rio de Janeiro: Um estudo de caso do departamento de lutas da Escola de Educação Física e Desportos. (dissertação de mestrado). Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho.
Eliade, M. (1996). O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes.
Freire, P. (1980). Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Gadotti, M. (1991). Educação e poder. São Paulo: Cortez.
Ministério  da  Educação e do Desporto/secretária de  Educação  Fundamental. (1998). Parâmetros curriculares nacionais de educação física. Brasília.