Resumo

Essa idéia de que a escola tem como papel a formação global do homem, tão bem expressa na
citação de Rousseau, não é apenas um ideal de educação formulado como um princípio teórico de uma
doutrina filosófica. A própria legislação brasileira o consagra como uma diretriz pedagógica, ao afirmar que a
educação do 2o. grau deve ter como princípio a formação do cidadão. E é interessante notar quão pouca
atenção tem sido dada a esse preceito teórico, talvez até por acreditarmos que ele é suficientemente claro e
que dispensa reflexões mais detalhadas. Assim, cremos que nossa dificuldade residiria menos em
compreendê-lo do que em viabilizá-lo em termos práticos, sobretudo em face da forte demanda atual no
sentido de que o ensino de 2o. grau seja eminentemente uma ponte para o ensino superior, assim como o de
1o. grau deve fornecer as bases para o 2o. grau.
Assim compreendida a especificidade da escola de 2o. grau, a prioridade para a formação da
cidadania, prevista em lei, cede espaço, pragmaticamente, à preparação para o vestibular e ao acesso ao
ensino superior, ainda que na verdade boa parte de nossos alunos não tenha a menor chance de atingir esse
grau de escolaridade. A oposição a essa visão pragmática ou utilitarista do papel social da escola de 2o. grau,
por outro lado, tem freqüentemente se pautado pela idéia de que à instituição escolar cabe fornecer as
diretrizes de um projeto político, promovendo a consciência necessária à implementação de uma nova
realidade social e política, da qual os professores seriam os porta-vozes. Essa seria, portanto, a forma de
recuperarmos o preceito da escola como compromisso para com a cidadania.
Gostaria de apresentar, através destas breves reflexões, tanto a pertinência da máxima
consagrada em lei, como o equívoco de que ela tem sido vítima, tanto no caso da transformação do 2o. grau
em preparação para o vestibular, como na visão de que cabe à escola guiar as transformações políticas da
sociedade, que pretensamente recuperaria sua ligação com a formação para a cidadania. Mais ainda, gostaria
de mostrar como ambas as posturas têm em sua raiz o mesmo equívoco básico. E esse equívoco não se deve
exclusivamente ao problema real de que a idéia de cidadania é algo vago, que necessitaria de uma
explicitação mais clara se quisermos por ela nos guiar. Este equívoco tem por base, como destaca Arendt2, os
ideais desenvolvidos na modernidade, sobretudo a partir do próprio Rousseau, de que a educação tem um
compromisso político com o futuro, sendo a atividade pedagógica essencialmente política, assim como a
atividade política seria, também ela, essencialmente pedagógica.

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