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Introdução

O Ministério da Educação e do Desporto, através da Secretaria de Ensino Fundamental desenvolveu os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em 1998. Tais documentos foram organizados para auxiliar na elaboração das aulas dos professores das redes públicas e privadas do nosso país. Dentro das propostas de ensino dos PCNs podemos encontrar alguns dos seus documentos introdutórios, como os temas transversais (saúde, meio ambiente, ética, pluralidade cultural, orientação sexual, e trabalho e consumo).

Neste estudo, faremos uma abordagem da importância da cultura corporal de movimento e a sua relação com os problemas de saúde pública do Brasil, através do tema transversal saúde.

O nível de atividade física praticado pelos adolescentes nas últimas décadas vem diminuindo drasticamente. Uma das razões para esta constatação parece ser uma progressiva automação e mecanização observada nos dias de hoje, onde a necessidade de realizar movimentos é compensada pelos avanços tecnológicos, com isso a sociedade vem cultivando hábitos de vida cada vez mais sedentários (Guedes e Guedes 1993). Consequentemente, as crianças e adolescentes, vêm perdendo o interesse por atividades lúdicas o que implica em redução no gasto calórico, adotando os jogos eletrônicos como as opções lúdicas, aumentando assim o nível de sedentarismo nas idades mais precoces.

Um outro aspecto merecedor de destaque em nossa discussão é o fato de, no horário escolar, as aulas de Educação Física serem realizadas uma única vez por semana, com duração de no máximo dois tempos de aproximadamente 50 minutos cada. Considerando a carga horária destinada às aulas ao longo da semana somadas às tarefas solicitadas como "dever de casa", podemos chegar à conclusão de que esta é uma relação extremamente desfavorável para a prevenção de sobrepeso e obesidade infantil. Ainda dentro desta perspectiva, muito embora as recomendações para modificações no estilo de vida venham sendo amplamente abordadas, ao que tudo indica, a obesidade infantil vem crescendo substancialmente, e este não parece ser um fenômeno apenas regionalizado, atingindo, portanto, dimensões mundiais (Ebbeling, Pawlek et al, 2002)

Tendo em vista que a Associação Americana do Coração (American Heart Association - AHA) recomenda que os exercícios físicos sejam realizados diariamente com uma duração entre 30 e 60 minutos (Daniels, Arnett etal, 2005), parece bastante claro que a proposta de atividade física inserida no âmbito escolar está consideravelmente aquém destas diretrizes. Sendo assim, torna-se evidentemente oportuno, discutir as possíveis conseqüências desta diminuída prática de atividade física, tanto de forma imediata quanto em longo prazo, especialmente quanto aos aspectos relacionados à adoção de um estilo de vida mais ativo no futuro e outras considerações sobre a saúde e qualidade de vida dos indivíduos.

Outrossim, torna-se de extrema importância que o profissional de Educação Física utilize uma abordagem conceitual com os alunos através do tema transversal saúde, esclarecendo os benefícios do exercício físico em prol da saúde e qualidade de vida. Neste sentido, nosso objetivo é propor e analisar uma estratégia de intervenção profissional na escola enfatizando a importância da "cultura corporal de movimento" na prevenção de doenças crônico-degenerativas através da prática de atividade física.

Proposta de Estratégias para a Prevenção de Doenças Hipocinéticas

Indivíduos que aderem a um programa de exercícios físicos para um melhor desenvolvimento da saúde e qualidade de vida, perguntas tiveram car profissional tende a viver mais e com melhor prognóstico de saúde quando comparados a seus pares que levam uma vida sedentária. O sedentarismo pode acarretar um complexo quadro clínico conhecido como síndrome metabólica, do qual fazem parte hipertensão arterial, diabetes melito, dislipidemias e obesidade. Muito embora ainda não esteja bem estabelecido qual é a chamada "porta de entrada" desta situação, o destino final é bem delineado e cursa diretamente com a doença arterial coronariana.

Face ao exposto e considerando ainda o âmbito escolar, nossa discussão estará calcada especificamente na questão do sobrepeso e obesidade infantil e suas conseqüências na vida adulta. A obesidade vem crescendo de forma significativa, nas últimas décadas cerca de 70 milhões de brasileiros estão acima do peso corporal, o que pode acarretar um aumento de doenças relacionadas à obesidade (O Estado de São Paulo, 2003). Quando se trata de obesidade infantil os dados são ainda mais assustadores, pois nas últimas três décadas o número de crianças obesas simplesmente triplicou em todo o mundo (Ebbeling, Pawlek et al, 2002).

A obesidade, dentre outros fatores, acarreta o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, sendo que quando comparadas mulheres adultas magras e fisicamente ativas com seus pares formados por obesas sedentárias, identificou-se que o risco de mortalidade por todas as causas era mais do que dobrado neste segundo grupo. Além disso, se considerarmos apenas a mortalidade por causas cardiovasculares, este risco eleva-se para quase cinco vezes mais (Hu, Willett et al, 2004), denotando o impacto prognóstico negativo da obesidade, especialmente se associada ao sedentarismo.

A obesidade é caracterizada quando o indivíduo atinge valores iguais ou superiores a 30 kg.m2 no índice de massa corporal (Hu, Willett et al, 2004). Suas causas multifatoriais, entre as quais podemos citar: dieta clínica, inércia, disfunção mecânica, disfunção psicológica e desvantagens sócio-econômicas (Swinburn e Egger,2004). Em contrapartida, todos estes fatores podem ser também considerados conseqüências da obesidade, pois um indivíduo com peso corporal muito acima do esperado para sua idade e altura, tende a apresentar dificuldades de locomoção provocado pela sobrecarga sobre as articulações, diminuição da auto-estima, ou mesmo falta de oportunidades profissionais. Sendo assim, compreende-se o fenômeno do ganho de peso como um processo mais comportamental do que genético, embora este tenha uma destacada parcela de contribuição.

Dentro desta ótica, cabe destacar que, ao que parece, o comportamento dos pais tende a influenciar diretamente as atitudes e hábitos dos seus filhos, como por exemplo, no que diz respeito ao nível de atividade física. Um estudo publicado num dos principais periódicos da área de saúde demonstrou que uma criança em torno de 10 anos de idade cujos pais sejam obesos, tem mais do que o dobro de chances de se tornar um adulto obeso (Whitaker, Wright et al, 1997). Por outro lado, mais recentemente(Cleland, Vennet al, 2005) apresentaram uma evidência de substancial importância, sustentando a premissa de que pais fisicamente ativos tendem a criar seus filhos sob um estilo de vida também fisicamente ativo.

Estratégias para Evitar o Ganho de Peso

Evitar o ganho de peso corporal principalmente nas idades mais precoces, adotando desde cedo a prática de exercícios físicos regulares associada a uma dieta equilibrada, parece ser uma combinação simples, porém com resultados dignos de "fórmulas mágicas". Neste sentido, se fôssemos determinar a "chave do sucesso" para o emagrecimento em três palavras, diríamos: balanço calórico negativo, ou seja, gastar mais calorias do que ingerir. Cabe ainda ressaltar que o processo de controle do peso corporal passa por três estágios distintos: a) evitar o sobrepeso; b) reduzir o peso corporal (se já se encontra em níveis elevados); e c) evitar o reganho de peso, possivelmente uma das tarefas mais árduas (Jakicic,Clark et al,2001).

Contribuição da escola e do professor de educação física

Aspectos Nutricionais. Numa abordagem inicial, podemos considerar que a qualidade dos alimentos oferecidos nas escolas tem deixado a desejar, pois é comum encontrarmos frituras, doces e refrigerantes apresentados em primeiro plano nas cantinas, fato que contribui de forma negativa para a saúde dos educandos. A cultura do fast food americano parece ter virado a primeira opção de refeição no nosso dia a dia. Não pretensão de nossa parte levantar bandeiras nacionalistas ou mesmo doutrinar o leitor a não mais freqüentar estes locais.

Todavia, não podemos deixar de salientar um impressionante documentário realizado nos EUA em 2004 (Super size me - A dieta do Palhaço, Fortíssimo Filmes) cuja proposta era justamente demonstrar os efeitos deletérios de uma dieta baseada neste tipo de refeição.

Ainda que de forma exagerada, há de se adotar políticas de orientação nutricional nas escolas, de forma a educar a jovem população para uma alimentação mais saudável.

Educação Física. Parece bastante óbvio que as aulas de educação física não são suficientes para atender as recomendações de atividades físicas semanais para as crianças (Daniels, Arnett etal, 2005). No entanto, outras estratégias pode ser utilizadas para tentar aumentar os níveis de movimento corporal que posam resultar em necessidades calóricas proporcionalmente mais altas. Uma oportunidade interessante é a hora do recreio, na qual podem ser realizados torneios entre as turmas, com os jogos durando entre 15 e 20 minutos. Isso além da exploração de espaços físicos da escola, onde as crianças participem de pequenos jogos e brincadeiras ou ainda, desenvolvam suas próprias atividades.

Um outro momento a ser aproveitado, embora muito pequeno em termos de gasto calórico, são os intervalos entre as aulas. Em muitas escolas, os alunos são obrigados a ficarem sentados a espera do próximo professor. Entretanto, este pequeno tempo poderia ser utilizado para atividades mais simples, como por exemplo, se alongar ou caminhar dentro da própria sala. De certa forma, isto pode gerar um discreto aumento do consumo energético e, e adicionalmente, extravasar um pouco da energia acumulada durante o período que permaneceram sentados durante a aula.

Finalizando, a escola pode ainda, propor algum tipo de atividade extracurricular, como participação em equipes esportivas representativas da instituição em competições escolares. De forma a aumentar o nível de atividade física semanal, através de jogos, olimpíadas internas, inter-salas, criação de equipes no âmbito escolar, incentivar atividades nos fins de semana.

Considerações finais

Concluindo, muito embora as crianças no horário escolar tenham a tendência de manter-se o maior tempo de forma sedentária sem contar as horas destinadas para as tarefas de casa, é possível desenvolver alternativas tanto no horário escolar quanto extra-escolar, para que seja realizado algum tipo de atividade física ocasionando um balanço calórico negativo de forma a reduzir os possíveis problemas relacionados a obesidade infantil (Steinberger e Daniels, 2003). A principal mensagem a ser passada aos professores de educação física infantil é que devemos orientar e incentivar pais e alunos no sentido de adotarem um estilo de vida mais ativo.

Obs. Os autores, Rodrigo Barbosa (rodrigobcms@ig.com.br) e Marcos Almeida, estudam na UNIABEU

Referências

  •  Cleland, V., A. Venn, et al. Parental exercise is associated with Australian children’s extracurricular sports participation and cardiorespiratory fitness: A cross-sectional study. Int J Behav Nutr Phys Act. 6; 2(1):3, v. 6, n. 2, p.1-9, 2005.
  • Daniels, S. R., D. K. Arnett, et al. Overweight in children and adolescents: pathophysiology, consequences, prevention, and treatment. Circulation, v.111, n.15, Apr 19, p. 1999-2012, 2005.
  • Ebbeling, C. B., D. B. Pawlak, et al. Childhood obesity: public-health crisis, common sense cure. Lancet, v.360, n.9331, Aug 10, p.473-82, 2002.
  • Guedes, P. C & Guedes, P. R. J. Subsídios para Implementação de Programas Direcionados à Promoção da Saúde através da Educação Física Escolar: Associação dos Professores de Educação Física. APEF - v.b - nº 15 - 3- 11 - p.3, 1993.
  • Jakicic, J., K. Clark, et al. American College of Sports Medicine position stand. Appropriate intervention strategies for weight loss and prevention of weight regain for adults. Med Science in Sports and Exercise, v.33, n.12, p. 2145-56, 2001.
  • Steinberger, J. e S. R. Daniels. Obesity, insulin resistance, diabetes, and cardiovascular risk in children: an American Heart Association scientific statement from the Atherosclerosis, Hypertension, and Obesity in the Young Committee (Council on Cardiovascular Disease in the Young) and the Diabetes Committee (Council on Nutrition, Physical Activity, and Metabolism). Circulation, v.107, n. 10, Mar 18, p. 1448-53, 2003.
  • Swinburn, B. e G. Egger. The runaway weight gain train: too many accelerators, not enough brakes. Bmj, v. 329, n. 7468, Sep 25, p. 736-9, 2004.
  • Whitaker, R. C., J. A. Whight, et al. Predicting obesity in young adulthood from childhood and parental obesity. N Engl J Med, v. 337, n. 13, Sep 25, p. 869-73, 1997.