Integra

Introdução

A prática social da representação feminina nas aulas de Educação Física Escolar tem sido marcada por manifestações de protestos, por vezes, representados pela indiferença e ausência de participação das discentes nas atividades propostas (Altmann, 2002).

Em diálogo com uma aluna do Ensino Médio do Colégio Estadual Stella Matutina, integrante de um grupo que tende a se auto-excluir das atividades propostas na aula de Educação Física, identificamos algumas marcas discursivas, relacionadas à dimensão do prazer e às diferenças biológicas entre os meninos e as meninas, que ancoram suas justificativas para explicar sua falta de participação, a saber: "Eu não participo porque é chato. Eu não gosto de jogar. A gente fica suada! Os garotos são brutos".

No discurso da discente, "suar" e "brutalidade" são características associadas ao sexo masculino. Sendo assim, ela tende a não se permitir experimentar as vivências que se manifestam em uma situação de jogo, preferindo ficar isolada a ter que se expor aos "perigos" que julga existirem nas atividades, principalmente nos jogos coletivos.

Neste estudo, a prática social da auto-exclusão de meninas, freqüente em aulas de Educação Física Escolar, é investigada a partir do referencial teórico das Representações Sociais e da Co-Educação, a partir da categoria de gênero.

Metodologia

Este estudo apresenta como problema de pesquisa: Quais são os motivos que contribuem para auto-exclusão das meninas nas aulas de EF escolar ministradas no Ensino Médio? Como Objetivo Geral, busca-se encontrar os motivos que levam as meninas a se comportarem com indiferença, ausentando-se das aulas de Educação Física Escolar do Ensino Médio. Como Objetivos Específicos, visamos: i) identificar e hierarquizar os motivos que causam auto-exclusão; e ii) identificar estratégias que despertem o interesse das alunas para participação nas aulas de EF do Ensino Médio.

A partir da reflexão sobre nosso objeto de estudo, as "representações sociais de alunas sobre sua auto-exclusão nas aulas de educação física do ensino médio", construímos as seguintes Questões a Investigar: i) Que motivos levam as meninas a se auto-excluírem das aulas de Educação Física Escolar no Ensino Médio?; e ii) Quais são as estratégias didáticas que podem ser utilizadas para despertar o interesse das alunas em participarem das aulas?

O estudo em andamento tem caráter qualitativo e está sendo realizado no Colégio Estadual Stella Matutina, localizado no bairro de Jacarepaguá, no município do Rio de Janeiro. Para coleta de dados, adota a observação participante assistemática e livre (Mazzotti, Gewandsznajder, 1998) e o uso de um questionário com questões fechadas (Gil, 1995). Através de conversas informais com as discentes e do acompanhamento das aulas, a observação tem permitido uma melhor interpretação das representações dessas atrizes sociais sobre a sua auto-exclusão nas aulas de Educação Física Escolar, investigando o fenômeno investigado in loco, através do registro de práticas sociais adotadas em um contexto espaço-temporal: a aula de Educação Física Escolar.

Para análise dos dados, utilizamos a Análise do Conteúdo (Bardin, 1995) e os referenciais teórico-metodológicos das Representações Sociais (Moscovici, 2003) e da Co-Educação (Saraiva, 1999, 2002), atravessados pela categoria de gênero.

Esta pesquisa, sob o enfoque da Co-Educação e Gênero, justifica-se por abordar uma prática pouco investigada nas aulas de Educação Física Escolar: a auto-exclusão; identificada por intelectuais da educação como Louro (1997), que interpreta a auto-exclusão e sua relação com a dimensão de gênero como algo que acontece em vários espaços físicos da escola, na vivência de situações de ensino e aprendizagem de diferentes disciplinas e na comunidade escolar, enfatizando: "Se em algumas áreas escolares a constituição da identidade de gênero parece, muitas vezes, ser feita através de discursos implícitos, nas aulas de Educação Física esse processo é, geralmente, mais explicito e evidente" (Louro, 1997, p. 72).

Ao identificar e hierarquizar os motivos que contribuem para a atitude de auto-exclusão adotada pelas alunas, assim como os seus interesses nas aulas de Educação Física Escolar, o estudo poderá sugerir transformações didático-pedagógicas, com estratégias que auxiliem o professor com uma prática Co-Educativa, com o intuito de gerar interesse nas meninas para participarem das aulas, resgatando-as e incluindo-as nas atividades de forma ativa, expressando suas idéias e usufruindo todas as situações de ensino, reformulando os conceitos de gênero antes construídos.

Revisão de literatura

Educação física escolar e gênero

Há muitos anos a mulher vem desempenhando papéis secundários na sociedade, ao passo que o homem, apoiados por vários segmentos, exerce poder sobre a mulher, mantendo seu status e privilégio. Começa-se a refletir acerca dessa superioridade a partir do século XVIII, compreendendo que "as diferenças de gênero não são biológicas", mas o resultado das bases sociais e culturais que engrandecem o masculino e depreciam o feminino. Associando o homem ao espaço público do trabalho e a mulher ao espaço privado do lar (Costa e Silva, 2002). Nos últimos trinta anos, as mulheres conquistaram mais espaços sociais, mas apesar desses avanços, o movimento de luta pela igualdade ainda não se concretizou, visto que essas diferenças se destacam no cotidiano em todos os âmbitos da sociedade.

Um dos ambientes, onde as representações sobre os papéis de gênero podem ser notadas é a escola, em especial as aulas de Educação Física, onde as práticas corporais colocam em foco e em destaque o corpo, classificando o masculino e o feminino sobre as bases da biologia, tendo valores como virilidade, agilidade e força, associados às habilidades masculinas (Sayão, 2002).

Na escola, enquanto instituição de ensino que promove a educação de meninos e meninas, local onde são vivenciadas situações de gênero, pode ser notado um discurso velado onde as atitudes de protestos de meninas em relação aos meninos sempre são assistidas, o que se constitui num espaço ideal para o conflito e o surgimento de debates que levem à reflexão sobre as questões de gênero, baseado em atitudes co-educativas. Quando se pensa em uma educação integral deve-se levar em consideração questões de gênero e estética desse corpo generificado, que realiza e percebe múltiplas possibilidades de intervenção na realidade.

No convívio de sua prática, e Educação Física desperta processos culturais que levam meninos e meninas à representação de papéis próprios, diferenciados, idealizados para cada sexo. Essa identidade interiorizada que se manifesta através dessas representações, constitui um empecilho na aprendizagem, pois são ações carregadas de preconceitos e estereótipos impostos pela vida em sociedade, que resultam em determinar e estabelecer atividades motoras que podem ser desenvolvidas por homens ou mulheres: "(...) em nossa sociedade a corporiedade e o movimento são extremamente impregnados por uma padronização que é orientada em normas de conduta e representação social" (Saraiva, 2002, p.80). Estes processos culturais estereotipados quanto ao gênero, dificultam a interação dos alunos e alunas na resolução de problemas, na manifestação de atitudes solidárias que se tornam inviáveis na maioria das vezes, e na participação ativa de todos nas aulas práticas.

Educação física escolar e co-educação

Na escola são formatados padrões de conduta que devem ser seguidos. São estabelecidos papéis diferenciados para o sexo masculino e para o feminino. Esse comportamento, fundamentado na educação tradicional, perde força com os movimentos feministas, que lentamente foram acontecendo nos grandes centros urbanos. Surge então, dentro da escola, uma postura educativa que procura misturar meninos e meninas, para desenvolverem em conjunto, atividades esportivas. Essa atitude da escola mista adotada por alguns professores de Educação Física, não mudou a forma de representação social, nem os pensamentos construídos em um pilar de concepções culturais, presentes em nossas vidas.

Na escola mista, na realidade "a meta foi educar as meninas ao modelo masculino" (Costa, Silva, 2002, p. 45). O modelo de escola mista, não levou em consideração a diversidade, não respeitou as características femininas, em função da falta de condições pedagógicas, promovendo a exclusão das meninas, atendendo as necessidades masculinas.

A Co-Educação considera a igualdade de oportunidades entre os gêneros, diferenciando-se da escola mista, que não possui tal preocupação (Costa, Silva, 2002, p 48). A escola mista vem sendo criticada por muitos autores, que denunciam a super valorização do modelo masculino e aponta como solução nesses espaços, aulas co-educativas.

A Co-Educação vislumbra integrar meninos e meninas, dando-lhes oportunidade de trocar experiências, através de suas diferentes concepções de representação de acordo com o sexo que possuem, sem discriminação, preocupando-se em desconstruir os estereótipos impostos pela sociedade, respeitando as diferenças e com atenção à construção de novos conceitos.

A relação genérica instalada dentro das instituições de ensino, são produtos inconscientes das ações educacionais dos docentes, que sustentam essa posição devido a sua própria formação. No entanto, a Co-Educação reconhece as diferenças e busca a igualdade como meta mais importante. Para Altmann (1999, p. 64), "São inúmeros os conflitos e as dificuldades dos educadores no enfrentamento das questões de gênero presentes na cultura escolar, especialmente nas aulas de educação física, pois se trata de valores e normas que se transformam muito lentamente".

Na ótica co-educativa, as atividades planejadas pelo(a) professor(a), devem ser trabalhadas através do diálogo prévio com os alunos antes de sua aplicação prática, levando-os a compreenderem que os movimentos corporais não possuem sexo e que o fato de executá-los não fará com que se tornem homens efeminados e nem mulheres masculinizadas. Assim, aulas co-educativas na escola proporcionam um ambiente "pessoalmente enriquecedor e socialmente integrador" (Costa & Silva, p. 50).

Resultados parciais

A pré-análise dos dados representados pela aplicação do questionário e da observação participante nos permite afirmar que os motivos que contribuem a auto-exclusão feminina nas aulas, apontados com mais recorrência são: 1) o espaço físico pequeno da quadra para realizar as atividades proposta pelas professoras; 2) a falta de criatividade dos professores que só propõem atividades repetitivas que não despertam o interesse das alunas; 3) a roupa adotada nas aulas, que tende a marcar o corpo deixando as alunas envergonhadas; 4) a ausência de um vestiário para que possam trocar de roupa e tomar um banho ao término da aula; e 5) a invasão dos alunos de outras turmas que expõem suas opiniões traduzidas através de chacotas e gozações quando elas erram.

Quanto às sugestões apresentadas pelas alunas, para que as aulas de Educação Física despertem o seu interesse, encontramos: a) aplicação de atividades diversificadas, tais como: alongamento, danças da atualidade, atletismo, capoeira, natação, handebol e musculação; b) a melhoria nas instalações da quadra e do pátio; c) a participação do professor(a) em quadra, interagindo com o grupo e apresentado regras e técnicas; d) ginástica para as meninas; e) vestiário onde possam se trocar para as aulas e tomar banho ao seu término; f) que o uniforme seja opcional e que possam fazer as aulas de calça jeans para protegerem a sua forma física de exposição aos meninos.

Considerações finais

A Educação Física ministrada na escola é vazia de significados para o grupo em investigação, com atividades repetitivas, que não despertam o interesse e a motivação das aulas. As meninas no ensino médio tendem a sentir vergonha das modificações que ocorrem em seu corpo, tais como o biótipo magro ou obeso, atribuindo a culpa de sua não participação às calças de ginástica e à presença masculina na quadra. Por serem mais seletivas do que os meninos, as alunas tendem a se sentir mal pela falta de locais devidamente limpos, apropriados para trocarem de roupa e tomar banho.

Para viabilizar uma Educação Física que desperte o interesse nas aulas, é necessário identificar as possibilidades de atividades desenvolvidas nas aulas que sejam motivantes às alunas; compreender os fatores culturais e biológicos que contribuem para as modificações no corpo e no comportamento das alunas, além de problematizar questões de gênero entre alunos e alunas, através de uma postura pedagógica co-educativa, para que estas diferenças sejam interpretadas como culturais e não naturais, pelo corpo discente da escola. Desta forma, a Educação Física Escolar tornar-se-á mais inclusiva para ambos os sexos.

Obs: A autora, Elisângela Borges de Andrade (elisbandrade@bol.com.br), é acadêmica da UNISUAM e neste trabalho foi orientada pelo prof. Dr. Fabiano Pries Devide do LEEFEL/UNISUAM-RJ.

Referências bibliográficas

  • Altmann, H. Exclusão nos esportes sob um enfoque de gênero. Motus Corporis. Rio de Janeiro. v. 9, n. 1, p. 9-20, 2002.
  • Bardin, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1995.
  • Gil, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. Atlas: São Paulo, 1995.
  • Louro, G. L. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
  • Moscovisi, S. Representações Sociais: investigações em Psicologia Social. Petrópolis: Vozes, 2003.
  • Saraiva, M.do C. Co-educação Física e Esportes: quando a diferença é mito. Ijuí: Unijuí, 1999.
  • Saraiva, M. do C. Por que investigar as questões de gênero no âmbito da Educação Física, Esporte e Lazer? Motrivivência. Florianópolis, ano XIII, n. 19, p. 79-85, 2002.
  • Mazzotti, A. J. & GEWANDSZNJDER, F. O método das pesquisas sociais e naturais. Pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pinheira, 1998.
  • Sayão, D. T. Por que investigar as questões de gênero no âmbito da e Educação Física, esporte e lazer? Motrivivência. Florianópolis, ano XIII, n. 19, p 87 -95. 2002.
  • Costa, M. R. F. & Silva, R. G. A Educação Física e a co-educação ou diferença? Ciências do Esporte. Campinas, v. 23,n. 2. P. 7-212,. 2002.
  • Souza, E. S. & Haltmann, H. Meninos e meninas: Expectativas corporais na educação física escolar. Caderno Cedes. Campinas, Ano XIX, n. 48, p 52 - 68, 1999.