Integra

Introdução

O presente trabalho objetiva iniciar algumas discussões a respeito das representações sociais do lazer expressas por estudantes do Ensino Médio (EM), na perspectiva de Moscovici (2003). Para tal, apresentamos alguns resultados de um estudo exploratório realizado com 66 estudantes do Ensino Médio de duas escolas públicas do Rio de Janeiro: uma da Rede Federal e outra da Rede Estadual de Ensino. Esse esforço de investigação busca, sobretudo, refletir sobre as seguintes questões: como estes estudantes definem o lazer?

Que tipo de práticas de lazer são realizadas por eles? Que relações podemos estabelecer entre o lazer e o espaço de interação intra-escolar?

Inicialmente, destacamos a concepção de lazer que orienta nossas reflexões, ressaltando sua complexidade e importância no campo da Educação Física escolar; em seguida apresentamos e discutimos as representações dos estudantes sobre o tema em tela e tecemos algumas considerações finais que indicam o espaço das aulas de Educação Física como um lócus privilegiado para a reflexão sobre as (im)possibilidades de lazer na sociedade atual.

Conceituando o lazer

O ser humano é um ser em permanente construção. Busca constantemente, através do trabalho, algo que satisfaça suas necessidades sejam individuais, sejam coletivas. Ele cria suas próprias condições de existência no mundo e inventa soluções para os problemas que enfrenta em sua vida cotidiana. Neste movimento, cria, também, novas necessidades que devem ser satisfeitas através deste mesmo trabalho. Nesta perspectiva,

"o trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência esta não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e cuja mortalidade não é compensada por este último. O trabalho produz um mundo <<artificial>> de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo se destine a sobreviver e transcender todas as vidas individuais" (ARENDT, 2001, p.15.).

Em muitos casos, o trabalho é visto como uma obrigação, um fardo, tempo e espaço de desprazer, tortura, "esforço rotineiro e repetitivo, sem liberdade, de resultado consumível e incômodo inevitável" (ALBORNOZ, 2002, p.9). Nesta acepção, é representado em oposição ao lazer, tornando imperiosa a necessidade de um tempo e um espaço em que o homem possa sentir-se livre de suas obrigações e dedicar-se a outras atividades que lhe dão prazer e que não envolvem, supostamente, o pensar e o criar com objetivos definidos. Em outras palavras, quando o trabalho é representado como obrigação e o lazer como simples necessidade (física, psíquica, social), o primeiro tende a ser entendido como o espaço e o tempo de pensar e produzir e o segundo como o espaço e o tempo de sentir e praticar algo que proporcione ao sujeito algum tipo de prazer, em essência, ligado ao mundo sensível. Neste sentido, a oposição trabalho-lazer origina um outro tipo de oposição também muito conhecida: aquela entre o pensar e o sentir.

Cabe-nos, entretanto, redimensionarmos tanto a idéia de trabalho - enquanto sinônimo de fardo - como a idéia de lazer - enquanto análoga à simples prática, destituída de juízos de valor ou livre do compromisso com um pensar mais amplo acerca dos grandes problemas sócio-político-ideológicos. É através do trabalho que o homem cria a sua própria História e é graças a ele que se pode pensar em Lazer. Numa perspectiva dialética, só há sentido em pensar o lazer se consideramos o trabalho dentro de seu contexto social e cultural.

Assim, trabalho e lazer necessitam ser investigados em seu contexto vivo, que se projeta no tempo e no espaço. Numa perspectiva crítica, é preciso, pois, reconhecer o conteúdo do texto que descreve o que é o lazer para os diferentes sujeitos e os valores que o corporificam; refletir sobre como as práticas de lazer se estruturam em cada grupo social e desvelar os diferentes sentidos atribuídos pelos diferentes atores. Se faz necessário, portanto, pensar que espaços de lazer são esses, oferecidos para a grande maioria da população brasileira e, sobretudo, em que nível se encontra a reflexão sobre o que lhes é oferecido, nos diferentes contextos.

De maneira ampla, o que vemos objetivamente são, de um lado, espaços de lazer destinados à elite intelectual e econômica, onde os menos favorecidos têm pouco ou nenhum acesso, seja por motivos econômicos, culturais, seja pela falta de uma cultura organizacional e política que atenda o interesse dos diferentes grupos ou mesmo pela passividade com que os produtos da indústria cultural e de lazer são consumidos pelos diferentes expectadores. De outro, vemos crescer, a cada dia, a oferta de programas de incentivo ao esporte e ao lazer cujos destinatários são as classes menos favorecidas, numa tentativa política e ideológica de ampliar as possibilidades de melhoria da qualidade de vida dessas pessoas. Mas que parâmetros definem e estabelecem as práticas de lazer que contribuem para uma vida melhor para as populações menos favorecidas?

No primeiro caso, o lazer pode funcionar como uma forma de compensar a agitação do mundo do trabalho, fugir da rotina, libertar-se das agruras provenientes do mundo do trabalho. No segundo, dependendo da forma como é ofertado e, sobretudo, da maneira como é consumido, pode, também, servir como argumento que legitima a hegemonia da classe dominante em nossa sociedade. Em ambos os casos, é premente a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre a consciência de classe, com vistas à construção de bases para uma transformação das relações sociais estabelecidas na e pela escola, principalmente quando o assunto é o que fazer no tempo livre destinado ao lazer, porque participar de tais atividades e que tipo de benefícios estas podem oferecer ao indivíduo e à coletividade da qual faz parte. Assim, se, por um lado, o lazer é

"um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode integrar-se à vontade, seja para repouso, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ,ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada (...) após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares ou sociais" (DUMAZEDIER, 1976, p.34).

Este mesmo lazer pode significar mais do que uma simples prática, pois devendo ser contextualizado enquanto uma manifestação humana que envolve os sentidos e o pensamento. Nesta perspectiva, o lazer não deve ser considerado
"apenas como atividade (...) com determinadas características de tempo ("livre"ou "disponível"), e de atitude (possibilidade de adesão, prazer propiciado e condições de descanso, divertimento e desenvolvimento pessoal e social), de modo não isolado nessa ou naquela atividade, mas relacionado com as outras esferas de atuação humana (Trabalho, Escola, Família, etc.), nos seus três gêneros (praticar, assistir, conhecer), nos seus vários conteúdos (artísticos, físico-esportivos, sociais, manuais, sociais, intelectuais e turísticos), e nos seus três níveis (elementar, caracterizado pelo conformismo, médio, caracterizado pela criticidade, e superior, caracterizado pela criatividade)"(MARCELINO, 2006, p.6).

Ao considerarmos o lazer nesta perspectiva ampliada, desfrutar do tempo livre pode representar, sobretudo, melhores condições de acesso e utilização consciente dos bens culturais. Cabe ressaltar que nos momentos de lazer, da prática de atividades que dão prazer - no âmbito do campo sensível - se constroem conhecimentos, são travadas lutas políticas e ideológicas e se abre a possibilidade de "elaborar a própria concepção do mundo consciente e criticamente, e portanto, em conexão com esse trabalho próprio do cérebro, de escolher a própria esfera de atividade, de participar ativamente na produção da história do mundo, de ser guia de si mesmo" (GRAMSCI, 1966, apud GRUPPI, 1978, p.67).

Voltemos nossa atenção para o espaço escolar, em particular em duas escolas da rede pública do Rio de Janeiro, a fim refletir sobre as representações sociais (RS) do lazer sob o ponto de vista dos estudantes do EM.

A representação social do lazer no ensino médio: Algumas pistas

A Teoria das Representações Sociais (TRS) é um campo de estudo que visa compreender o processo de construção do conhecimento a partir da lógica do senso comum, enquanto um tipo de construção própria que permite que grupos específicos, em situações e contextos históricos e sociais específicos possam lidar com problemas de seu tempo. Esse conhecimento é formado e transformado na interação entre os sujeitos e os objetos de conhecimento, formando-os e transformando-os reciprocamente através da história (MOSCOVICI, 2003).

Para compreender a natureza, a dinâmica e a estrutura das RS é preciso reconhecer que estas são mediadas por questões culturais, históricas e sociais. Isto coloca em xeque, por um lado, a idéia de que o indivíduo, por si, constrói as suas representações sobre o mundo isento da influência de outros homens e da comunidade em que vive. E, por outro, a idéia de que o meio social, em si, é o fator determinante para a construção das RS. Neste sentido, para compreender como as RS são construídas precisamos ir além da dicotomia que estabelece uma barreira entre o indivíduo e a sociedade. Recaímos, então, na necessidade de considerar as múltiplas perspectivas e formas de construção social da realidade humana e no caráter histórico-social desta construção. Vale lembrar, nas palavras de JOVCHELOVITCH (2001), que a construção social da realidade "envolve sempre negociações entre sujeitos humanos (...) que determinam aquilo que é real para um grupo social num determinado momento histórico" (p.11). Tal realidade não deve ser subordinada a uma escala de valor construída por quem quer que seja, mas compreendida enquanto processo, dentro de seu contexto.

Na busca pelas representações sociais do lazer por estudantes do EM, desenvolvemos um questionário com 5 perguntas descritivas que visavam investigar: como estes definem o lazer; o que fazem nas horas de lazer; que fatores impedem a prática de lazer dos respondentes atualmente e, finalmente, se a escola é considerada um espaço de lazer e por que.

O questionário foi respondido por 66 alunos do 3° ano do Ensino Médio de dois colégios públicos do Estado do Rio de Janeiro, um localizado no Município do Rio de Janeiro (Colégio A) e o outro no Município de Belford Roxo (Colégio B). No Colégio A participaram 20 estudantes e no Colégio B participaram 46 estudantes. A média etária dos participantes é de 18 anos, a sua freqüência na escola se dá nos turnos da manhã/tarde, sendo o estudo, predominante em suas atividades diárias, embora o trabalho formal ou informal faça parte da rotina de alguns estudantes. Não foi nossa intenção investigar a rotina de trabalho realizada por eles justificando-se assim o fato de não nos determos neste assunto.

O Colégio A, da Rede Pública Federal, é considerado destaque no âmbito das escolas públicas brasileiras e atende, de uma forma geral, um público de classe média no que se refere ao poder aquisitivo e ao padrão de vida e de consumo, indo além da satisfação das necessidades básicas de sobrevivência e tendo acesso a formas variadas de lazer e entretenimento. O Colégio B, da Rede Pública Estadual, é considerado destaque no âmbito das escolas públicas da Baixada Fluminense e atende a considerada classe média da região, embora, quando comparado aos padrões econômicos do Colégio A, seja considerado uma instituição que atende à classe pobre.

Para efeito de análise dos dados utilizamos a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 1977) classificando-os de acordo com as categorias propostas por MARCELINO (2006): o lazer nos seus três gêneros (praticar, assistir, conhecer), o lazer nos seus vários conteúdos (artísticos, físico-esportivos, sociais, manuais, intelectuais e turísticos), e o lazer nos seus três níveis (elementar, caracterizado pelo conformismo, médio, caracterizado pela criticidade, e superior, caracterizado pela criatividade). Optamos por organizar as respostas em dados percentuais para facilitar a visualização dos mesmos.

No que tange a definição de lazer pelos estudantes, os respondentes do Colégio A manifestaram suas representações apontando para uma concepção de lazer enquanto prática, expressa em 84% das respostas. Para eles lazer é: "é estar à vontade para fazer coisas que me dão prazer"; "é um momento de diversão, onde você se descontrai com seus amigos parentes e vizinhos"; "é a hora que eu faço tudo que eu tenho vontade, sem me preocupar com as responsabilidades e ao lado das pessoas que eu gosto"; "é estar livre de obrigações, se distraindo, fazendo o que gosta tranquilamente sem preocupação." Os outros 16% se referiram ao lazer como objeto de consumo, isto é, o definiram como atividades voltadas para: "ações que me dão prazer de fazer, como: ver TV, sair na night, ir ao maracanã torcer pelo mengão"; "ouvir música, dançar, ver TV"; "escutar música, sair, o momento que você tem para se distrair, se divertir".

Dentre os respondentes do Colégio B, verificamos que 79% apresenta uma definição do lazer também voltada para a prática, dizendo que lazer é: "é tudo de bom, como caminhar, fazer bastante exercícios, como jogar futebol ou um vôlei"; "é ter um momento para praticarmos um esporte e fazer alguma atividade física, para termos contatos com outros"; "é uma diversão com várias atividades que participa quem quer". Apenas 2% dos respondentes falam sobre o lazer como objeto de consumo, definindo-o como: "assistir o filme que gosto, comer e sair para distrair a mente"; "sair, ir a algum lugar diferente, passear, ir ao cinema, assistir um show, isso para mim é lazer"; "me divertir, sair com amigos, ficar em casa, ver um filminho". Do total de respostas fornecidas pelos estudantes do Colégio B 19% não foram classificadas em nenhuma das três categorias ora propostas, considerando que os alunos descrevem o lazer como um conjunto de atividades que fazem parte da rotina diária como atividades ligadas à família, repouso, satisfação das necessidades fisiológicas, ou o conhecido não fazer nada.

Quanto aos vários conteúdos de lazer relatados pelos participantes, 41% dos respondentes do Colégio A, dizem gozar de um lazer voltado para o conteúdo artístico ("vou ao cinema, teatro, a um centro cultural, assisto DVD, ouço música"; "ouço música, vejo TV"; "escuto música, vejo filmes e vou ao cinema"); 15% físico-esportivo ("faço algum esporte que gera diversão, quando é possível jogo futebol"; "pratico mergulho; saio para dançar"); 5% intelectual ("gosto de ler"; "leio livro"); 38% social ("converso com os amigos"; "vou a casa de amigos, saio com amigos"; "saio, vou à praia, ao shopping e vejo os amigos") sendo os conteúdos manual e turístico não representados pelos alunos do referido Colégio.

Para os alunos do Colégio B, 36% descrevem um lazer de conteúdo artístico ("ouço música, assisto DVD"; "desenho, escuto música"; "vejo TV, escuto música"); 23% físico-esportivo ("pratico esportes"; "faço aulas de jazz e balé"; "malho"); 13% intelectual ("procuro ler livros"; "gosto de ler"; "leio jornal"); 26% social ("passear para vários lugares"; "sair com meus amigos"; "faço novas amizades") e, assim como os estudantes do Colégio A os conteúdos manual e turístico não foram representados.

As limitações encontradas para a prática de lazer são, conforme relatam os estudantes do Colégio A, de ordem econômica (7%): "condição financeira"; "economia financeira devido o gasto com curso pré-vestibular"; "quando fico sem dinheiro para sair"; ligadas a questões sociais (20%) como falta de acesso, de oportunidade e de espaços disponíveis: "incompatibilidade nos horários de lazer e os meus"; "falta de local apropriado e distância"; "violência"; relativas a questões pessoais (73%): "falta de tempo, compromissos escolares"; "estudo, trabalho eu tenho essas responsabilidades e deixo o lazer de lado para realizar essas tarefas"; "falta de tempo, faço algumas atividades que consomem todo meu tempo".

Quanto aos estudantes do Colégio B, as limitações mencionadas à prática do lazer não são muito diferentes do outro grupo participante. As questões econômicas foram citadas em 8% das respostas: "condição financeira que nem sempre podemos pagar"; "falta de dinheiro para investir"; "os que existem são caros"; as questões sociais foram mencionadas em 31% dos casos: "falta de estrutura, falta de interesse e de ajuda, a falta de pessoas que se disponham a criar e organizar eventos"; "a precariedade das quadras e campos"; e as questões pessoais em 51% das ocorrências: "cursos que faço a tarde e noite"; "falta de tempo, preguiça"; "escola, trabalho e curso". Vale ressaltar que alguns respondentes do Colégio B (10%) afirmam não ter nada que impeça a prática do lazer: "não existe para mim, todos são bons"; "não tenho motivos nenhum para não praticar.

Os dados obtidos nas categorias gênero e conteúdo, levam-nos a refletir sobre a última classificação proposta por Marcelino, relacionada aos níveis de reflexão sobre o lazer. Nesta concepção, podemos inferir que os estudantes das duas escolas, se encontram em nível elementar, onde o lazer é visto como uma simples prática alienada, em que muitos dos alunos consideram o espaço intra-escolar favorável a prática do lazer, porém voltado para a o consumo e não como um espaço onde se pode pensar, e repensar tais práticas tanto dentro como fora desta instituição.

Como afirmam (45%) dos respondentes do Colégio A, a escola é um espaço favorável ao lazer "porque na escola podemos praticar esportes e outras atividades, que nos ajudam a ficar tranquilos"; "é o local onde encontro com meus amigos, conversamos, rimos, saímos, matamos aula, jogamos buraco, é o melhor lazer"; "porque na maioria das vezes faço o que gosto, como: conversar, jogar e encontrar meus amigos".

Entretanto, nem todos os estudantes concordam com a possibilidade de se fazer lazer na escola; 40% diz a escola não é um espaço destinado o lazer: "pois principalmente no 3ºano deve ser concentrada toda atenção ao vestibular"; "porque não posso fazer o que quero, tenho pouco tempo para conversar e muito pouco espaço para dar minha opinião"; "porque na escola temos preocupações e obrigações".

Para 71% dos alunos do Colégio B o espaço escolar é favorável à prática do lazer: "pois temos amizades, educação física, festas etc"; "tem educação física e recreio"; "porque onde conheço muita gente, faço novas amizades e me distraio bastante". Para os demais alunos (29%), a escola não é um espaço apropriado devido ao fato de que ela é: "um local feito para estudar"; "a escola é um local que a pessoa vai aprender, adquirir conhecimento"; "é um local de ensino, nada mais do que isso, se resume ao essencial".

Considerações finais

Os dados ora relatados apresentam um panorama geral acerca do que os estudantes consultados pensam sobre o lazer. Tais representações se ancoram na tradicional dicotomia entre pensar-fazer, que historicamente desvaloriza a Educação Física enquanto uma área do conhecimento que trabalha numa perspectiva do homem integral e indicam a necessidade de repensarmos as contribuições destas representações para a prática profissional do professor de Educação Física, numa perspectiva mais crítica.

Em ambos os Colégios a definição de lazer nos remete, em sua maioria, à prática, embora seu conteúdo esteja em grande parte voltado para atividades de cunho artístico num sentido de consumo de bens produzidos pela indústria cultural como cinema, música e programas de TV. Chama-nos atenção o fato de que em nenhum dos dois Colégios os estudantes tenham se referido ao lazer enquanto oportunidade de desenvolvimento pessoal e cultural. Este indicativo nos remete a uma questão central para as discussões no campo da Educação Física escolar, que diz respeito a ressignificação do lazer enquanto uma simples prática desinteressada.

No âmbito da sociedade capitalista, pensar as oportunidades de lazer como resultado de conjunturas de classe é fundamental, pois ao nos questionarmos sobre o que fazemos, por que fazemos e como fazemos a liberdade do nosso tempo livre - perdoem-nos a redundância - abrimos espaço para pensarmos o quão cerceada pode ser esta liberdade em determinados espaços e em determinados grupos.

Outro fato que nos chama atenção é que os estudantes mencionam como uma das principais limitações à prática do lazer questões de ordem pessoal em muitos casos ligadas às exigências impostas pela sua principal atividade: a escola. O tempo dedicado ao estudo passa a ser algo em primeiro plano que justifica, pelo menos para esses estudantes, a opção por deixar de lado os prazeres da vida em favor da uma possibilidade idealizada de conquista de um futuro melhor através do estudo, sendo o vestibular colocado como objetivo central, principalmente no Colégio que atende ao público de classe média. Assim, deixar o lazer de lado para se dedicar ao estudo, se justifica, em si, como uma possibilidade de conseguir a ascensão social através do esforço racional em oposição a uma prática de ordem do campo sensível.

Interessante notar que a escola, na visão desses estudantes, é ao mesmo tempo um espaço de liberdade, onde podem por em prática sua sociabilidade, encontrar amigos e, praticar Educação Física - mencionada por vários respondentes como uma das atividades de lazer da/na escola - e por outro lado, o espaço que limita as possibilidades de lazer e o repensar deste último enquanto prática ativa e criativa.

Em outras palavras, se a escola oferece espaços de distração, essa mesma escola limita o pensar acerca desses espaços, na medida em que não problematiza "as relações sócio-políticas e os condicionantes históricos e culturais do esporte e do movimento humano em geral, possibilitando desenvolver, através da integração do pensar e fazer, outras funções como a criativa, a comunicativa, a explorativa, entre outras, do movimento" (MARCELINO, 2006, p.7).

Aprofundar estas e outras questões e problematizá-las junto aos alunos durante as aulas de Educação Física pode ser um caminho privilegiado para ressignificar não só a concepção de lazer, mas também as próprias práticas dentro e fora da escola.

Obs. As autoras, Kátia Regina Xavier da Silva (katiarxsilva@hotmail.com) é da UNIABEU/UFRJ e Daianne Bastos Xavier (daiannexavier@hotmail.com é da UNIABEU

Referências

  • Albornoz, Suzana. O que é trabalho. Coleção Primeiros Passos, nº 171, São Paulo: Brasiliense, 2002
  • Aarendt, Hanna. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
  • Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
  • Dumazedier, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo, Perspectiva, 1976.
  • Gruppi, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
  • Jovchelovitch, Sandra. Representações sociais: saberes sociais e polifasia cognitiva. Educadernos, Série Estudos e Pesquisas, vol.2. Blumenau, Programa de Pós-graduação em Educação da FURB, 2001.
  • Marcelino, Nélson Carvalho. O conceito de lazer nas concepções da educação física escolar - o dito e o não dito. Trabalho apresentado, de forma resumida, no 8º Congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos Países de Língua Portuguesa. Disponível em http://www.unimep.br/facis/gpl/com11_18. acessado em ago/2006.
  • Moscovisi, Serge. Representações sociais - investigações em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.