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O objetivo deste trabalho não é apontar uma solução para o problema da avaliação na educação física escolar, visto que anos e anos de detalhados estudos e minuciosas pesquisas ainda não foram suficientes para se alcançar tal feito, em virtude da sua enorme complexidade. No entanto, vamos discutí-lo sob uma nova perspectiva, a fim de levantar questionamentos e proporcionar reflexões críticas acerca do assunto.

Apresentaremos então, as razões do fracasso da sua aplicação nos dias de hoje, através de uma sucinta análise acerca dos conceitos de avaliar e de um histórico sobre o desenvolvimento "teórico" dos princípios da educação, da educação física e da própria avaliação.

A seguir, demonstraremos os objetivos atuais da avaliação escolar e como, nós professores, podemos avaliar "na prática" os alunos de forma menos injusta, através de experiências individuais de professores durante suas aulas de educação física.

Segundo a frieza do Dicionário Aurélio (1977), avaliação é: 1- O ato ou efeito de avaliar; 2- Valor determinado pelos avaliadores.
"Avaliar é algo que faz parte do nosso dia-a-dia, pois a todo o momento deparamos com uma situação de avaliação: quando somos apresentados a alguém nunca visto anteriormente, naturalmente fazemos uma avaliação desta pessoa; ao nos prepararmos para sair de casa, avaliamos sobre as possibilidades de chover ou não; e assim por diante..." (Barbosa, 1997).

"Avaliar é - cedo ou tarde - criar hierarquias de excelência, em função das quais se decidirá a progressão no curso seguido, a seleção no início do secundário, a orientação para diversos tipos de estudo, a certificação antes da entrada no mercado de trabalho e, freqüentemente, a contratação" (Perrenoud, 1999).

Segundo o mesmo autor, a avaliação inflama necessariamente as paixões, já que estigmatiza a ignorância de alguns para melhor celebrar a excelência de outros.

Segundo Perrenoud (1999), a avaliação surgiu juntamente com as escolas por volta do séc. XVII e se tornou indissociável do ensino de massa que conhecemos, dede o séc. XIX.

Nesta época, apenas a classe dominante tinha acesso as escolas, cujos ensinamentos eram estritamente voltados aos seus interesses políticos e econômicos. Conseqüentemente, as avaliações seguiam os critérios e valores daqueles ensinamentos, que por sua vez seguiam os critérios e valores da classe dominante. Já a classe operária, era excluída dos estudos e da vida pública, portanto, abandonada à própria sorte.

Com a democratização das escolas e a obrigatoriedade do ensino, o acesso foi permitido as diversas camadas da sociedade, porém as rígidas concepções de ensino e de avaliação não se modificaram, continuando a favorecer a classe dominante em detrimento da operária.

"Por muito tempo, as sociedades européias acreditaram não necessitar de muitas pessoas instruídas e se serviam da seleção, portanto da avaliação, para excluir a maior parte dos indivíduos dos estudos aprofundados" (Hutmacher, 1993 apud Perrenoud, 1999).
No séc. XX, a educação nacional e a educação física sofreram profundas transformações, influenciadas pelas correntes filosóficas, políticas, científicas e pedagógicas Européias.

Entre as décadas de 10 e 20, a educação física importou os métodos ginásticos alemão e suecos, e nas décadas de 50 e 60 o método desportivo generalizado. Sofreu também influências da área médica e do governo militar nos anos 70.

Segundo o Ministério da Educação (1998), a partir do decreto no 69.450 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1971, a educação física passou a ser considerada como a "atividade" que, por seus meios, processos e técnicas, desenvolve e aprimora as forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando. No entanto, foi dada uma maior ênfase à aptidão física, tanto na organização das atividades quanto na avaliação.

Uma prova, é que "um dos dispositivos do art. 5o do cap. I deste decreto diz: quanto a composição das turmas, cinqüenta alunos do mesmo sexo, preferencialmente selecionados por nível de aptidão física" (Ministério do Planejamento, 1971 apud Freire, !997).

O objetivo maior não era o desenvolvimento total do aluno, mas sim a descoberta de novos talentos que pudessem representar o país em competições internacionais, visto que um ano antes, o Brasil havia vencido a Copa do Mundo de Futebol.

Nos anos 80, conforme o Ministério da Educação (1998), os efeitos desse modelo começaram a ser contestados: o Brasil não havia se tornado uma potência olímpica e o número de praticantes de atividade física não havia aumentado. O objetivo passou a ser o desenvolvimento psicomotor dos alunos da pré-escola e de 1a a 4a séries em detrimento do esporte de alto rendimento.

Na década de 90, se destacou a normatização do ensino no sentido de uma pedagogia diferenciada, através da nova LDB e dos PCNs.

A Lei Federal no 9.394 de 20/12/96, a nova LDB, mais conhecida como Lei Darcy Ribeiro, "estabelece que a educação física, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (Ministério da Educação, 1998).

Já os PCNS, criados em 1998, defendem um ensino gratuito e de qualidade, que leva em consideração as experiências individuais dos alunos, como também suas diferenças culturais e econômicas para a elaboração dos conteúdos e das avaliações; e que busca formar cidadãos que interfiram de forma crítica e reflexiva na realidade para transformá-la e não apenas para que se integrem ao mercado de trabalho.

Segundo os próprios PCNS (1998), a avaliação é uma ação que ocorre durante todo o processo de ensino-aprendizagem e não apenas em momentos específicos caracterizados como fechamento de grandes etapas de trabalho e que envolve não somente o professor, mas também os alunos, os pais e a comunidade escolar.

Enfim, através de uma breve análise do que ocorreu ao longo do tempo, percebemos que houve uma enorme reformulação da educação acompanhando as transformações político-econômica e cultural da sociedade. Entretanto, essa reformulação se deu somente na teoria.

Percebemos, que as escolas negam essa reformulação "teórica" da educação, utilizando "na prática" uma pedagogia ultrapassada que prepara mal os alunos, e principalmente, utilizando a avaliação de forma seletiva e excludente; promovendo assim reprovações injustas, competições desiguais e desigualdades sociais.

"A democratização do ensino, no sentido amplo, progrediu de modo espetacular (...), todavia a crise dos valores e dos meios, a defesa dos privilégios e a rigidez da instituição escolar autorizam a que se duvide de uma progressão contínua para a pedagogia diferenciada" (Hutmacher, 1993 apud Perrenoud, 1999).

Infelizmente, as escolas não têm um compromisso pelo cumprimento dos princípios e das leis que regem a educação no nosso país; e ao mesmo tempo detêm uma autonomia que lhes garante a liberdade de decisão sobre o que ensinar e como avaliar.

Não só a liberdade de decisão, mas também o poder de imposição sobre os professores, que muitas das vezes, mesmo não concordando com as normas estabelecidas pela instituição de ensino, são obrigados a seguí-las. Como exemplo, podemos citar os instrumentos de avaliação que até hoje são utilizados pelas escolas: provas escritas (conteúdo teórico), testes práticos, testes orais, trabalhos e exercícios de fixação.

O que se nota atualmente, é que as escolas, em sua maioria, não estão muito preocupadas com o desenvolvimento do aluno em relação a sua capacidade crítica e reflexiva, mas sim com a sua aprovação no vestibular e atuação no mercado de trabalho. Além disso, dificultam o seu aprendizado ao transmitir conteúdos distantes de sua realidade e em grande quantidade.

Para cada conteúdo bimestral se aplicam testes e/ou provas para "medir", ou melhor, verificar o nível do aprendizado final dos alunos. Uma avaliação quantitativa baseada na "mensuração do conhecimento", cujos resultados são representados por uma letra (conceito) ou um número (nota). Mas será que esse tipo de avaliação quantitativa tem, realmente, a capacidade de "medir" com exatidão o grau do aprendizado ou o nível do rendimento dos alunos?

Encontramos então um grande, senão o maior, problema da avaliação! Por exemplo: um aluno que possui uma capacidade intelectual boa pode, por algum motivo qualquer, não estar bem no dia da prova, e assim, não obter uma boa nota. Já outro aluno, com capacidade intelectual inferior, pode decorar o conteúdo ou até mesmo "colar" para se obter um resultado maior.

Por fim, toda a turma deve responder questões idênticas e da mesma forma, segundo os mesmos conteúdos.

Quando o resultado dos alunos satisfaz as expectativas do professor e da escola, eles são aprovados; caso contrário, não. Num último momento, os conselhos de classe decidem, também através de avaliações pessoais e às vezes injustas; se o aluno que tem notas apertadas, próximas à média, deve ser aprovado ou reprovado.

"É preciso notar que a finalidade última da avaliação não é - ou não deveria ser - a conscientização do grau de êxito ou fracasso dos alunos na realização dos aprendizados estipulados pelas intenções educativas, mas do grau de êxito ou fracasso do processo educativo no cumprimento das intenções que estão em sua origem" (Coll, 1995).

Se for difícil, para não dizer impossível, avaliar quantitativamente o aprendizado da leitura, da escrita e do cálculo, que dirá quanto ao aprendizado motor, psicomotor, afetivo e social trabalhados dentro da educação física?

Dentro desta perspectiva, nós, professores de educação física podemos fazer uso de uma avaliação menos formal e menos injusta através de uma análise sobre os seguintes aspectos: participação; pontualidade; assiduidade; respeito aos colegas; comportamento; cooperação; uniforme; responsabilidade; e troca de conhecimentos.

Conclusão

Concluímos inicialmente com este trabalho, que há um verdadeiro abismo entre a teoria e a prática da educação e uma barreira intransponível ao redor das escolas, cerceando o direito do aluno de adquirir conhecimentos que o torne cidadão. Cidadão este, consciente da sua importância como indivíduo transformador da realidade em que vive.

Além disso, a maioria das instituições de ensino promove a desigualdade social, através do poder da avaliação e da sua má utilização, a serviço da competição, seleção e exclusão.

A avaliação deve ser encarada não como um "fim", mas como um "meio" do processo de ensino-aprendizagem. Como confirma Freire (1997), não basta medir para avaliar, pois isso não leva em conta os meios que o aluno utiliza para chegar aos resultados, meios esses que são os elementos mais indicativos do progresso de seu conhecimento.

"É importante não homogeneizar a classe. As crianças são diferentes no início e serão diferentes no final do processo educativo. Não adianta querer transformá-las em iguais, segundo padrões estabelecidos. Quem é igual não tem o que trocar; por isso, é necessário conservar-se diferente. As relações, os direitos, as oportunidades, é que têm de ser iguais, não os gestos, os comportamentos, os pensamentos, as opiniões" (Freire, 1997)

Constatamos posteriormente, que a avaliação em educação física se torna ainda mais complexa, pois sabemos que o termo "avaliar" requer umas complexidades tamanhas, que muitas vezes não é mensurável ao tratamos da atividade humana.

Deixaremos os questionamentos a seguir em aberto, para uma maior reflexão sobre o assunto:

ONDE AVALIAR? Na sala de aula ou em quadra?

O QUÊ AVALIAR? A importância da educação física dentro de um contexto social, hábitos saudáveis, habilidades físicas, técnicas desportivas, ou os conhecimentos sobre as regras?

COMO AVALIAR? Através de provas orais e escritas, em relação ao comportamento, ao uniforme, ou o seu desempenho motor, em relação aos seus "acertos" e "erros" em quadra?

PARA QUÊ AVALIAR? Para libertar ou para selecionar? Para unir ou excluir?

QUEM AVALIAR? Educandos ou cidadãos?

Os autores, Erickson dos Santos Souza, Mauricio Barbosa de Paula e Marcio Lannes e Silva são do UNILASALLE - Instituto Superior de Educação La Salle

Referências bibliográficas

  • Barbosa, C. L. D de A. Educação Física Escolar: da alienação a libertação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997;
  • Coll, C. Psicologia e Currículo. SP: Cortez, 1995;
  • Ferreira, A. B. de H. Minidicionário da Língua portuguesa. 1a ed. RJ: Nova Fronteira, 1977;
  • Freire, J.B. Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da educação física. SP:
  • Scipione, 1997;
  • Perrenoud, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas Lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999;
  • Secretaria de  Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: 3o e 4o ciclos do ensino fundamental: introdução aos PCNs. Brasília: MEC/SEF, 1998;
  • Secretaria de  Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação física. Brasília: MEC/SEF, 1998;