Resumo

As Práticas de Movimento Corporal no Tempo Livre (PMCTL) fazem parte das manifestações culturais dos mais diferentes grupos sociais. Como práticas culturais, as PMCTL mudam quanto a forma, produtores, atores e significados, de acordo com as transformações dos contextos sócio-históricos nos quais elas se inserem. Independentemente dessas características, um aspecto que parece não deixar dúvidas é que as PMCTL ocupam um espaço social relevante, já que a maioria dos grupos sociais, com suas diferentes formas e dinâmicas, as têm criado, conservado, transmitido e transformado. Os estudos socioculturais têm se preocupado com esse fenômeno, procurando entender o papel que as PMCTL podem desempenhar no campo cultural, assim como desvendar, entre outros aspectos, de que maneira os sujeitos estabelecem vínculos e constroem significados sobre tais práticas. Tendo como referência esse campo teórico, esta pesquisa buscou compreender os aspectos socioculturais que subjazem ao envolvimento dos sujeitos com as PMCTL. Mais precisamente, pergunta-se: quais são as relações entre as disposições dos indivíduos para o envolvimento com as PMCTL e a localização e a trajetória biográfica dos mesmos no espaço social? Analiticamente, procurou-se sustentação nos trabalhos de Pierre Bourdieu e Bernard Lahire. O primeiro autor subsidiou o estudo da distribuição social das PMCTL no espaço social, enquanto o segundo, na análise das disposições atualizadas nas PMCTL e na interpretação da constituição das mesmas. A investigação constou de três etapas, cada uma orientada por objetivos específicos que, conjugados, procuraram auxiliar na construção das respostas para o problema de pesquisa. Na primeira etapa, descreveu-se a distribuição e o envolvimento com PMCTL da população de Porto Alegre, conforme a posição dos sujeitos (entre 25 e 65 anos, com atividade principal remunerada) no espaço social, estabelecida com base na macroposição de classe. Para tal, foi desenvolvida uma pesquisa survey por questionário (n 1.090). Na segunda fase, os objetivos específicos tiveram como propósito analisar as características do envolvimento com PMCTL de sujeitos com perfis diferenciados de consumos culturais e também conhecer as possíveis relações entre disposições atualizadas no universo das PMCTL e as subjacentes em outras esferas da vida social. Com esse propósito, foram desenvolvidos dois procedimentos metodológicos. Primeiro, com base um levantamento específico sobre as práticas culturais da população de Porto Alegre, através de uma pesquisa survey por entrevista com amostra por cota, com ponderações desproporcionais (n 486): a) a convergência/divergência dos consumos culturais dos sujeitos e o vínculo com o espaço social ocupado; e b) a relação entre o grau de consonância/dissonância de legitimidade das práticas culturais dos sujeitos da amostra e o envolvimento com PMCTL. O segundo processo metodológico teve por objetivo conhecer o significado atribuído às PMCTL por sujeitos localizados em espaços sociais distantes, com perfis de consumos culturais diferentes, e os possíveis vínculos desses significados com práticas culturais no universo do cuidado do corpo e da sociabilidade. Essa parte do estudo consistiu num estudo de casos selecionados. Foram descritos na pesquisa seis casos, analisados em diálogo com outros 17. Os sujeitos que participaram dessa parte da pesquisa foram escolhidos a partir da amostra da segunda etapa, considerando a combinação de macroposição de classe e gênero e envolvimento com PMCTL convergentes e divergentes com as tendências estatísticas do grupo social de referência. Finalmente, na terceira etapa da pesquisa, procurou-se compreender a combinação dos fatores específicos da classe social à qual o sujeito pertence (e/ou pertenceu) e a trajetória biográfica deste em tal universo, na constituição de suas disposições e na relação com o envolvimento em PMCTL. Metodologicamente, nessa fase do estudo, desenvolveram-se dois retratos sociológicos de casos escolhidos da etapa anterior com base nos critérios de convergência/divergência entre o envolvimento dos sujeitos e as tendências identificadas no espaço social a que pertencem e a consonância/dissonância entre suas práticas culturais. O conjunto dos procedimentos desenvolvidos permite afirmar que: a) A classe social condiciona marcadamente o envolvimento com PMCTL, em menor medida também o tipo de prática realizada – o gênero é mais determinante nesse aspecto; b) A renda aparece fortemente associada com o envolvimento com PMCTL e também há uma associação entre maior envolvimento com exercícios físicos e esportes e menor participação no trabalho doméstico; c) A convergência (legítima e pouco legítima) e a dissonância de consumos culturais parecem não se associar de forma consistente com o tipo de PMCTL e o significado atribuído a estas; d) Sujeitos localizados num mesmo espaço social e com perfis culturais similares podem significar as mesmas PMCTL de formas diferentes; e) A prática de exercício físico entre mulheres de classes populares parece estar mais fortemente associada à intervenção sobre problemas manifestos do que a práticas preventivas e/ou de lazer; f) Entre as mulheres das classes sociais mais altas, há maior probabilidade de a prática assumir um caráter preventivo e de lazer; g) Entre os homens, independentemente da classe, o envolvimento com a PMCTL tende a ser orientado pelo lazer (e identificação) e práticas mais terapêuticas/reparadoras do que preventivas/conservativas, ainda que seja mais provável que possa assumir esse caráter entre sujeitos de classe mais alta; h) A prática de exercícios físicos, tanto em homens como mulheres, vincula-se com disposições de cuidado do corpo mais amplas (alimentação, estética), o que não ocorre com a prática de esportes; i) Disposições que subjazem as práticas corporais não são comuns ao conjunto das práticas culturais dos sujeitos; j) As disposições para o envolvimento com PMCTL são construídas nas relações de sociabilidade dos sujeitos, restringidas pelas condições objetivas de vida; e k) As PMCTL parecem ter um peso distintivo muito menor do que outras práticas culturais (música, por exemplo) e, particularmente, não carregam um potencial desclassificador em sua prática, talvez mais na forma ou no contexto da prática.

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