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Ano novo, vida nova.

Essa é a frase que mais costumamos ouvir no mês de janeiro, independente do ano. Ela pode ter diferentes significados, a depender de onde parte a comunicação. Vejo em casa, por exemplo, no que se refere ao ano escolar. Se as crianças foram mal, ficaram de recuperação, sofreram para alcançar o novo estágio ouço a frase profética como se fosse um misto de promessa e desejo: “espero não passar por tudo isso outra vez, então vou começar do começo pra fazer tudo direitinho”. Há também as situações que remetem ao desejo de mudanças profundas que não foram realizadas nos anos anteriores. As mudanças podem se referir à troca de emprego, de casa, de mulher, de profissão ou de vida. O ano novo é prenuncio de que coisas novas podem acontecer quase de forma mágica, afinal, basta olhar para a folhinha ganha na farmácia, no mercado ou no açougue para se ter a certeza que o velho ficou para trás e o novo está adiante, cheio de possibilidades. Ano novo, vida nova.

A linearidade com que nos acostumamos a lidar com o tempo, por conta dos calendários impressos, folhinhas e agora os muitos avisos de tempo que temos das maquininhas digitais – relógios, telefones, computadores – faz com que nos distanciemos daquilo que é próprio do tempo cíclico, ou seja, as passagens inexoráveis sejam as 24 horas diárias, os 7 dias da semana, os 30 dias do mês, os 365 dias do ano, que de 4 em 4 anos (como uma Olimpíada) ganha um dia a mais, reforçando a ideia de ciclo. E assim, mudam as estações do ano e temos uma noção aproximada do que está por vir, seja a primavera ou o inverno, muito embora não tenhamos qualquer noção do que ocorrerá além das flores ou da queda das folhas das árvores.

Tenho predileção por uma música do Renato Russo cujo título manifesta a recorrência e o inesperado do tempo. Seu título é Por enquanto e o início da letra diz o seguinte:

Mudaram as estações, nada mudou
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Tá tudo assim tão diferente
Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber, que o pra sempre, sempre acaba

Pois bem, assim como as estações, as festas de aniversário, de namoro, casamento nosso calendário esportivo também é cíclico, muito embora ele as vezes costume ter mais constância. Vai ver são as mudanças climáticas que também afetam o fazer competitivo. Não tem sido assim com os verões mais chuvosos, os invernos mais secos ou as primaveras mais frias? Pois bem, cada novo ano pode trazer surpresas para espectadores e profissionais do esporte. Calendários mais longos ou concentrados, novos times, atletas, no limite alguns técnicos, mas quase nunca novos dirigentes… Parece que para isso o ciclo é como de alguns cometas decanos ou centenários… mas, esse texto não tem por finalidade se ocupar desse tema.

Esse final de semana teve início o Campeonato Paulista de Futebol. Embora eu não me ocupe de escrever com frequência sobre esse tema, não posso deixar de me manifestar sobre esse fenômeno que mobiliza a vida de milhões de paulistas e brasileiros. Tivemos ontem a primeira rodada do campeonato com Corinthian x Mirassol e hoje teremos São Paulo x Botafogo de Ribeirão Preto. Não vou entrar na discussão do absurdo da falta de transmissão de todos os jogos porque senão gastaria o espaço dedicado a discutir o tema proposto e ainda seriam necessárias muitas outras semanas para não chegar a nenhuma conclusão. Sem contar que essa semana acompanhei de perto as mobilizações contra o projeto de lei nos EUA que buscava regular (ou censurar) as mídias digitais, o chamado SOPA. Digo isso porque, se proibido ou não o fato é que todos os jogos puderam ser acompanhados pela internet, a mesma mídia que nos possibilitou um pouco de liberdade com qualidade na cobertura dos últimos Jogos Pan-americanos, em Guadalajara.

Pois bem. Isso para dizer que os ciclos se repetem. O campeonato começou e quando abri o jornal essa manhã vi lá estampadas inúmeras matérias falando dos jogos de ontem e os de hoje já lançando projeções sobre o final do campeonato. Parei para pensar um pouco no que estava lendo e se de fato era mesmo a primeira rodada do campeonato. Sim, era. Entre surpresa e perplexa li os textos que apresentavam os erros e acertos de técnicos e jogadores, as expectativas sobre o desempenho de atletas, as reclamações pela falta de reforços que garantirão o título desejado há anos, etc. etc. Incrível como as notícias permanecem as mesmas mesmo quando se tem fatos novos.

Por que será que as coisas têm que ser assim?

Fiquei pensando nos tantos fatos que aconteceram nas últimas semanas que poderiam resultar em matérias interessantes para tingir o papel. Histórias de superação de atletas, técnicos e times que iniciam uma temporada sempre com a esperança de que “esse ano será diferente”. Mas, não. A análise do jogo vem carregada as expectativas do que ocorreu no ano passado, tanto para os que ganharam, como para os que perderam. É como se o jogo descrito, comentado e avaliado não fosse o mesmo que vi em tempo real. Foi o primeiro de muitos jogos desse ano, como foi no ano passado, como será no próximo ano.

Oras, se é tudo tão igual, o que muda então?

A resposta é óbvia: a leitura mais próxima possível do que ocorreu no momento. Um cruzamento bem feito, um belo toque na área, uma ótima defesa do goleiro, uma jogada perfeita que levou ao gol. Só isso.

Lembro-me do quanto eu desejava trabalhar com esporte quando estava na faculdade de jornalismo. Lembro também do desgosto de alguns colegas que escolheram essa área pela discriminação sofrida em relação a editorias mais nobres como a economia ou política. Chegava ao esporte aqueles que iam sobrando pelo caminho e isso servia de justificativa para a pobreza que reinava no jornalismo esportivo. Felizmente esse cenário mudou. Vejo jornalistas cada vez mais bem preparados para desempenhar o seu ofício o que conferiu um novo status às editorias esportivas. Mas, a espetacularização do esporte, menos do que sua competitividade tem levado parte do jornalismo esportivo a perder novamente seu rumo, sua identidade. Vejo faltar informação e sobrar “entretenimento”. A se confirmar isso, temo pelo que efetivamente poderemos saber sobre o que se passa para além do resultado de um jogo. Afinal, jornalismo é feito para nos informar, ou isso também teria mudado no último ciclo?

Penso que o jornalismo esportivo poderia ser assim, tão simples quanto as estações do ano. Basta olhar para uma azaleia cor de rosa no mês de setembro e se saberá que é primavera, ou para as quaresmeiras lilases em abril para saber que já é outono ou os ipês amarelos para saber que o inverno está no fim… mas, embora tudo isso seja tão óbvio não há nada mais maravilhoso do que se deparar com alguma dessas belezuras para encher a alma de ânimo pelo efemeridade daquela florada. Só mais uns dias e apenas o marrom do tronco e o verde das folhas persistirão. Mas, assim como é certo o raiar do dia, no ano que vem lá estarão elas para mais um ciclo. Assim como nossos campeonatos.

Por katiarubio
em 22-01-2012, às 17:13

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Comentários

Katia,
O jornalismo esportivo brasileiro escreve para vender jornal. A coisa piora quando quem lê pouco entende do assunto. Por isso é que o faltou ao lateral maior apoio, ao volante melhorar o passe e ao atancante gols ou finalizações perigosas. Escrevendo assim, o conteúdo serve para todos os jogos.
A área que escolheu trabalhar está precisando de “sangue novo” e acho que você pode dar uma bela contribuição para isso.
Abraços,

Valeu Nikos
Tomara mesmo que haja um pouco mais de conteúdo nas notícias que se referem ao esporte.

Por Nikos
em 27-01-2012, às 0:40.

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