Resumo

Considerações iniciais: introdução conceitual ao estudo do movimento humano

Biomecânica é uma disciplina entre as ciências derivadas das ciências naturais, que se ocupa de análises físicas de sistemas biológicos, conseqüentemente, de análises físicas de movimentos do corpo humano. Quando dimensionamos a biomecânica no contexto das ciências derivadas, cujo objetivo é estudar o movimento, devemos lembrar que esta contextualização científica apoia-se em dois fatos fundamentais: a) a biomecânica apresenta claramente definido seu objeto de estudo, definindo assim sua estrutura de base do conhecimento; b) seus resultados de investigações são obtidos através do uso de métodos científicos (AMADIO, 1989).

O corpo humano pode ser definido fisicamente como um complexo sistema de segmentos articulados em equilíbrio estático ou dinâmico, onde o movimento é causado por forças internas atuando fora do eixo articular, provocando deslocamentos angulares dos segmentos, e também por forças externas ao corpo. Em princípio deve-se considerar que a estrutura funcional do sistema biológico passou por um processo organizacional evolutivo de otimização, que se diferencia sensivelmente do caminho de aperfeiçoamento técnico do movimento. Em contraposição a um corpo rígido, a estrutura biológica do corpo humano permite a produção de força através da contração muscular, que transforma o corpo num sistema autônomo e independente. Desta maneira definimos que a ciência que descreve, analisa, e modela os sistemas biológicos é a biomecânica, logo uma ciência de relações altamente interdisciplinares dada a natureza do fenômeno investigado. Assim, a biomecânica do movimento busca explicar como as formas de movimento dos corpos de seres vivos acontece na natureza a partir de indicadores cinemáticos e dinâmicos (ZERNICKE, 1981). Através da biomecânica do esporte e de suas áreas de conhecimento aplicadas podemos analisar as causas e parâmetros relacionados ao movimento esportivo. Considera-se portanto o movimento como o objeto central de estudos, analisando suas causas e efeitos produzidos em relação a otimização do rendimento.

Na área de análise do movimento esportivo, o comportamento da sobrecarga articular e os efeitos dos mecanismos motores no processo de aprendizagem são exemplos de temas, que se relacionam com o diagnóstico da técnica esportiva. Portanto referimonos ainda a uma biomecânica do esporte, que se dedica ao estudo do corpo humano e do movimento esportivo em relação as leis e principios físico-mecânicos incluindo os conhecimentos anatômicos e fisiológicos do corpo humano. No sentido mais amplo de sua aplicação, ainda é tarefa da biomecânica do esporte, a caracterização e otimização das técnicas de movimento através de conhecimentos científicos que delimitam a área de atuação da ciência, que tem no movimento esportivo seu objeto central de estudo.

A biomecânica, pode ser dividida em interna e externa, dada a grande diferença de sua abordagem e aplicação. A biomecânica interna se preocupa com as forças internas, as forças transmitidas pelas estruturas biológicas internas do corpo, tais como forças musculares, forças nos tendões, ligamentos, ossos e cartilagens articulares, entre outras. A determinação das forças internas dos músculos e das articulações representa ainda um problema metodológico não totalmente resolvido na biomecânica, mas seguramente constitue-se a base fundamental para melhor compreensão de critérios para o controle de movimento (CHAO, 1986). A biomecânica externa representa os parâmetros de determinação quantitativa e ou qualitativa referente às mudanças de lugar e posição do corpo humano em movimentos esportivos, com auxílio de medidas descritivas cinemáticas e/ou dinâmicas, portanto aquelas que referem-se às características observáveis exteriormente na estrutura de movimento.

O relacionamento entre os parâmetros estruturais do movimento faz-se presente, na prática, através da real interdependência entre os parâmetros qualitativo e quantitativo, dada a natureza da tarefa de movimento a ser realizada. Assim sendo, encontramos distintos tipos de relacionamento com participação de maior ou menor grau destes parâmetros estruturais para cada tarefa de movimento. Quanto maior a interdependência mais avançado é o processo de especialização e maturidade da técnica de movimento. Muito raramente poderíamos encontrar tarefas de movimento de interesse de estudo onde não existisse interdependência alguma entre estes parâmetros. Portanto, quanto maior a interdependência, tanto maior é a possibilidade de entendermos a estrutura de movimento na sua concepção mais complexa para a análise técnica (AMADIO, LOBO DA COSTA, SACCO, SERRÃO, ARAÚJO, MOCHIZUKI & DUARTE, 1999).

Através da biomecânica e de suas áreas de conhecimento correlatas podemos analisar as causas e efeitos do movimento. Além da biomecânica fazem parte desse campo de estudo e de pesquisa outras importantes disciplinas como a antropometria, a neurofisiologia, a fisiologia, a bioquímica, a ortopedia e traumatologia, a psicologia, a física, a matemática entre outras, caracterizando portanto a biomecânica uma área de natureza interdisciplinar. Para a investigação deste movimento, torna-se necessário, pela complexidade estrutural do mesmo, a aplicação simultânea de métodos de mensuração nas diversas áreas do conhecimento da ciência, a este procedimento denomina-se “Complexa Investigação” do movimento (AMADIO, 1999). No dominio da biomecânica faz parte do campo de pesquisa as seguintes aplicações que caracterizam o estudo do movimento humano:

a) Esporte de alto nível de rendimento: sistematização e otimização do rendimento esportivo, diagnose da técnica de movimento e condição física, redução de sobrecargas excessivas ao aparelho locomotor, regime de treinamento ótimo e relação estímulo-resposta;

b) Esporte escolar e atividades de recreação: estudo da eficiência de processos de aprendizagem, adequação de sistemas e equipamentos com “feedback” pedagógico;

c) Prevenção e reabilitação orientados à saúde: desenvolvimento de métodos, procedimentos e técnicas aplicados à terapia, descrição de padrões “patológicos” e dependências clinicas, adequação e desenvolvimento de equipamentos;

d) Atividades do cotidiano e do trabalho: estudo da postura e da locomoção humana, classificação e sistematização de grupos de movimentos em dependência de estações de trabalho, interface homem, máquina e meio ambiente, eficiência, saúde e segurança nas tarefas da vida diária e do trabalho.

No domínio de estudos relacionados a aspectos da história da análise do movimento humano relacionado à saúde, observa-se que já na antiguidade grega, Homero, Platão, Aristóteles, Hipocrates, caracterizavam o treinamento como meio de defesa da Pátria, e/ou busca da beleza física e a saúde decorrente do almejado equilíbrio entre espírito e corpo e também a busca do êxtase do sangue, designado como alegria de viver e que em nenhum lugar pode ser encontrado de forma tão intensa como na prática do treinamento físico (DIEM, 1964).

As raízes científicas da denominada Ginástica Terapêutica com bases em conhecimentos doutrinários têm origem nas argumentações de Hipocrates e que foram sistematizadas e divulgadas por Galeno e que determinava o sucesso do desempenho estar dependente do rendimento mínimo, ou seja, uma simples caminhada à titulo de passeio não surte efeitos rendidores, (SAURBIER, 1955). Mercurialis, H. e Herodikos von Selymbria (1530-1601) fundamentam a Ginástica Curativa através dos ensinamentos de Platão sobre as bases científicas aplicadas aos cuidados com as enfermidades por meio de exercícios corporais que foram demonstrados através de meios e procedimentos naturais.

NITSCH (1989), apresenta-nos através de modelo temático as dependências de áreas para a estruturação de objetivos orientadores dos exercícios físicos, demonstrando que Rendimento, Saúde e Qualidade de Vida são fatores que interagem nesta orientação que tem no movimento esportivo o dominio central de sua ação. Portanto, através do movimento discutimos importantes fontes de esclarecimento do conceito de Saúde, e desta maneira podemos interpretar algumas características deste movimento à partir da biomecânica. Assim, o movimento humano pode ser conceituado à partir de um sistema de comportamento físico marcado por normas, regras e convenções culturais, cujo sistema assenta suas condições em respostas anátomo-fisiológicas e biomecânicas do corpo. Em contraposição a um corpo rígido, como definido na física do estado sólido, a estrutura biológica do corpo humano permite a produção de forças internas através da contração muscular, que transforma o corpo num sistema autônomo e independente (AMADIO, 1989), entendido inicialmente à partir de extremas simplificações pelo modelo das relações tipo causa-efeito. Deve-se considerar também que a estrutura funcional do sistema biológico humano passou por um processo organizacional evolutivo de otimização, que se diferencia sensivelmente do caminho de aperfeiçoamento técnico do movimento.

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