Resumo

No início dos anos 90, segundo o Instituto de Economia da Unicamp, o gasto salarial mensal de um grande time de futebol brasileiro era de, aproximadamente, US$ 40 mil. Em 1999, esse custo saltou para US$ 800 mil, aumentando 200%. Nesse período, tanto o salário dos principais jogadores, agora milionários, progrediu geometricamente, como a exploração midiática os tornou heróis dessa pátria de chuteiras. Quais os efeitos dessa hiper-exposição futebolística nos meios comunicativos de massa e nos processos constituintes da subjetividade em adolescentes provenientes das camadas populares? Essa é uma pesquisa sobre crenças e representações nos ritos de iniciação ao futebol, a partir da investigação dialética entre sujeito e contexto, necessidade e satisfação, em que toda representação está ancorada, produzindo sentidos. Ao averiguar o processo de identificação com personagens significantes, ídolos e heróis, bem como, ao analisar, em futebol, as representações sociais de futebol em jogadores aspirantes a profissional e a influência sobre suas práticas sociais, procurou-se desvelar os mitos, crenças e representações que norteiam suas carreiras e interferem no processo constitutivo da identidade. Enquanto referência teórica utilizou-se a abordagem identitária como metamorfose de Ciampa (1993, 1999) e das representações sociais de Moscovici (1978, 1984, 1988), Jodelet (1984), Arruda (2002) e Guareschi (1996, 2000), baseadas na análise das práticas discursivas dos sujeitos envolvidos. Como procedimento, realizaram-se entrevistas semi-estruturadas, com 10 atletas das divisões de base de um clube expressivo do nordeste brasileiro, escolhidos aleatoriamente, tendo como critério único de exclusão não pertencerem às categorias júnior e juvenil. Os sujeitos, em fase de iniciação profissional, eram oriundos das classes média e baixa, com idades entre 16 e 18 anos, na maioria negros, grau de escolaridade entre 1° grau incompleto e 2° grau completo e residentes no clube. A partir da análise qualitativa das marcas discursivas recorrentes, baseada no método de associação de idéias (Spink e Guareschi, 1993), emergiram as principais categorias temáticas: infância/iniciação ao futebol, a aprovação dos pais e o depósito maciço de expectativas no futuro profissional: introdução no universo esportivo através do olhar de um outro (pai, parente ou futebolista) reconhecedor da habilidade e potencial do sujeito e a consciência da não vocação para os estudos; socialização e reconhecimento: clube de referência como legitimador do bom jogador; a auto-imagem, percepção de si como jogador; a ideologia, o processo de ancoragem na representação glorificada e idolatrada do jogador de futebol profissional da elite; a objetivação da ilusão nas justificativas de se conciliar o amor à camisa e os interesses financeiros; a legitimação, sentimento de pertença a uma elite, já que, freqüentador de um clube de expressão - representação social de jogadores iniciantes sobre futebol; a alienação, expressa na falta de alternativas profissionais para possível fracasso, não representado e nunca admitido como possibilidade.

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