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Finalidade: Novos Rumos para a Educação Física

Este ensaio tem por finalidade abordar uma prática educativa que foi pesquisada, experimentada e vivenciada com crescimento profissional, que sob diferentes prismas de atuação, sustenta-se numa base científica da Cinesiologia e da Psicomotricidade como um dos recursos e rumos que se podem dar na Educação Física e na sua prática para impulsioná-la, sendo ela destinada a qualquer tipo de clientela.


 A princípio quando defrontei-me com a situação de trabalhar com crianças numa creche, ainda durante minha formação acadêmica, levei aquele impacto! Bastou somente coragem como recurso extra da minha inexperiência, bem como, ousadia por querer buscar compreender o que ainda era desconhecido, ou seja, como estimular crianças entre a faixa etária de quatro meses a quatro anos, para um desenvolvimento sadio, buscando recompensar e ajustar qualquer atraso psicomotor ao mais próximo possível, de um comportamento especificamente dentro de um fator cronológico de fase ou idade, juntando o conhecimento de uma parafernália de tabelas Gestaltianas e afins, ou ainda do que julgamos ser relativamente dito normal para a mesma?
Fortalecendo e investindo na minha formação junto com o trabalho veio a supervisão, que no início parecia (como se fosse) uma justificativa de falta de capacidade e não de um apoio técnico específico na minha área. Mas, com o passar dessas investidas de embasamento técnico na área psicomotora advindo com a supervisão, rompi definitivamente com o preconceito, que sem negação está incutido em todos nós, e torna difícil a aceitação de opiniões, críticas, sugestões bibliográficas para esclarecimento e mesmo de interrogações que ficam no ar para reflexão e tomada de conclusão que só o próprio interessado pode tirar, pois cá prá nós, os "profissionais da Educação Física", em sua grande maioria, são auto-suficientes, isto é, "não cometem erros". Assim, fui assimilando a supervisão como um campo para descobertas, policiamento e autocrítica do trabalho, e principalmente, aprendendo a separar minhas questões pessoais com as de trabalho, que sem dúvida, na experiência anterior, quando trabalhei com turmas de pré-escola, de 1ª a 4ª séries do 1° grau e de 2° grau mudou em muito o meu horizonte profissional atual, que comparando essas duas fases que tive, sem supervisão e com supervisão, mostra-me claramente, que é um dos fatores preponderantes para uma queda na qualidade do ensino, visto que o profissional sem supervisão tende a cair num marasmo pedagógico sem igual.


  O Marasmo Pedagógico


 Antes de conhecer e de até saber que existia uma supervisão, conforme já descrevi e descreverei ainda mais adiante, não posso omitir que passei pela experiência de me incluir nesse marasmo pedagógico, e fica até mais claro agora, rever como agia de modo inteiramente tecnicista, embora jamais admitiria isso em outra época, pois a prática pedagógica que a Educação Física proporciona é muito diferente do "saber pedagógico" que pensamos estar executando. Apesar de filosoficamente falando, sempre fui adepto de um modelo progressista e humanista, mas apesar de adotar uma tendência teórica, posso afirmar que em muitas vezes cometi muitos erros práticos contra o que realmente julgava ser certo, em relação a minha postura. Daí, tiro a conclusão que involuntariamente, inconscientemente e infelizmente acabei por "reproduzir" um modêlo que sou inteiramente contra que é o tecnicismo. Também não significa dizer nem mentir, que fora o trabalho numa Escola, como num clube por exemplo, essa prática seja comum e tenha que ser realmente tecnicista, vista a cobrança por aprendizagens puramente técnicas que vá de encontro com os resultados que se almejam alcançar, como o caso de um treinador de futebol ao dirigir a sua equipe num campeonato, por exemplo. É esse leque de possibilidades de trabalhos variados que confunde o profissional de Educação Física, mas basta dizer que Escola não é clube, logo, tem-se que ter cuidado para não confundir e pôr em risco a sua prática pedagógica.


 Assim, têm-se proliferado um grande número de estudos na área educacional em busca da compreensão para reverter este quadro de marasmo educacional. E, como se isso também não bastasse, pode-se ver nitidamente que as soluções apresentadas pelas autoridades competentes levam a trocas e incorporações entre várias questões, umas pelas outras, como: saúde, educação, merenda escolar, desnutrição, renda familiar, DCM (disfunção cerebral mínima), etc., na falta de uma solução. A verdade é que essas incorporações de responsabilidades e culpas, jogaram num confronto direto, os elementos principais que deveriam contribuir para o sucesso na educação: escola - professor - aluno - conteúdo. Não fosse essa verdade incessante, não estaríamos aqui para discutir sobre "Rumos da Educação Física na Escola". As atribuições dos elementos dessa estrutura básica da educação é válida, porém, é preciso se ter em primeiro plano, que toda essa discussão em torno de tendências, correntes filosóficas ou ideológicas e linhas de trabalho de aprimoramento do processo ensino-aprendizagem só será eficaz quando forem revistas e repensadas o tipo de sociedade instalada que propicia a sua aprioração cultural. O ajustamento do profissional em questão, com qualquer tipo de função que venha a exercer, é passível de erros e várias questões pessoais devem ser trabalhadas, para depois com firmeza, poder trabalhar as questões dos seus alunos, pois de modo geral, percebe-se indiscutivelmente que há uma preocupação também a nível empresarial em diversos segmentos, quer queira ou não a serviço de uma ideologia burguesa, quanto a qualidade da qualificação de funcionários de diversas áreas, visto a queda do rendimento no trabalho. Dessa forma, têm-se investido pesado na área de recursos humanos, destinando orientadores pedagógicos, psicólogos, terapeutas e até professores de educação física para melhora do rendimento e aumento da produção dessa mão-de-obra que mesmo oprimida culturalmente, quando trabalhada na relação social com outros indivíduos produz e gera mais lucro aos seus patrões. Por tudo isso, quero deixar claro que não existe nenhuma fórmula mágica nem filosófica para convencer ninguém de que a supervisão é o caminho para dar um rumo a Educação Física, mas comparando ao processo de investidura empresarial na área de recursos humanos que vem crescendo volumosamente no país, como vimos, para gerar mais riqueza aos empresários e para que seus empregados possam trabalhar mais contentes, é realmente algo não só para se pensar, mas para se experimentar, pois só discurso não basta. É preciso testar, pôr em prática, tirar conclusões e daí analisar os prós e contras.   


  A Busca de um Ideal Educacional


 Procurando contribuições nos mais variados discursos: os filosóficos, os sociológicos, os pedagógicos e os políticos, como uma necessidade emergente para me auxiliar no entendimento paralelo com a Psicomotricidade, internalizei um trecho que para mim vai de encontro com meus ideais e significa o que realmente tento buscar com a educação, resumido segundo Toynbee, in A Sociedade do Futuro, p. 13, que citado por Ângelo Longo, diz que "... o homem deveria viver para amar, compreender e criar. O amor é um valor absoluto, aquele que dá significado à vida humana". Isto destaca-se porque é o próprio conceito explícito que a Educação Física "Nova", mais humana ou "humanista" deve agarrar para si, que na verdade é o próprio reflexo do corpo pelas interpretações sociais em diferentes denotações e conotações que vão formar os valores humanos. E é justamente assim que se da os conflitos de gerações durante os processos de transformações sociais.


  O Papel da Cinesiologia na Descoberta de Atividades


 A partir da observação dos movimentos das crianças, principalmente as de berçário, já que no começo passava mais como pesquisa do que estimulação de exercícios, constatei que existe uma luta incrível de músculos e articulações tentando vencer uma resistência, ou seja, querendo pegar alguma coisa ou alguém, querendo se aproximar ou se afastar de algum lugar ou alguém ou ainda querendo se sustentar em determinada posição, que após a fase dos movimentos puramente reflexos, começa pelos movimentos manipulativos para os motores, num ajustamento de preensão ou de locomoção, acontecendo basicamente numa tentativa de buscar o seu centro de gravidade em relação consigo, com os objetos e com os outros, tentando vencer as resistências e as dificuldades de coordenação e de equilíbrio com o seu corpo. Esse estado de tensão vivido pelo corpo nessa luta é constituído de unidades: o tônus muscular; a organização antagônica e a organização de ossos e articulações. Seguindo o conceito básico conforme diz Marie-Madeleine Béziers que "...uma unidade de coordenação é um conjunto formado pois dois elementos em rotação que se colocam sob tensão ao opor o sentido de suas rotações por meio de músculos agonistas, graças a um dispositivo intermediário de flexão-extensão...", passei a oferecer como estímulo justamente a dificuldade, ou seja, a oposição do movimento de coordenação e de equilíbrio para que as crianças por si próprias pudessem perceber o seu movimento e se auto ajustarem. É lógico que tudo isso é feito dentro de uma forma de troca inteiramente lúdica com a criança e que não pode contrariar os seus desejos e sentimentos. Tem que ser acima de tudo, feito com muita alegria e prazer, tanto para o professor quanto para a criança, com maior ênfase para este último.


  A Supervisão


 No primeiro contato fiquei condicionado a fazer uma supervisão semanal para assumir no trabalho na creche. Após várias semanas de supervisão com dicas para leituras e pesquisas bibliográficas, nosso encontro passou a ser mensal, mantendo as propostas de leitura e pesquisa a nível de desenvolvimento psicomotor. Após vários meses de supervisão, nossos encontros ficaram condicionados a acontecer somente quando eu requisitasse em qualquer momento, fosse numa semana, um mês, um ano, ou seja, somente quando eu precisasse, por alguma dúvida ou mesmo para falar de mim. Atualmente é o que ainda acontece, e apesar de não haver nenhum impedimento para o exercício do trabalho vinculado a supervisão, há hoje, um comprometimento que passa pelo pessoal para o profissional, pois não vejo um trabalho sério e eficaz sem um acompanhamento de supervisão com um profissional da área em questão, ainda sem querer desmerecer os ditos coordenadores que auxiliam os professores nas instituições de ensino, mas que na verdade também são carentes de uma supervisão a nível profissional, assim como os diretores, professores e pessoal de apoio. Esse tipo de comprometimento custa caro, mas vale a pena quando há interesse em se desempenhar um bom trabalho.


  A Psicomotricidade como Elemento Criador


 Com base na Psicomotricidade Relacional, o trabalho se prolifera de modo que a partir das idéias ou assuntos na conversa inicial com as crianças, que nem sempre se dá na rodinha, seja as da creche ou da pré-escola, são encaminhadas para um mundo fantasmático, no qual, durante o seu brincar faz-se inúmeras atividades envolvendo os elementos básicos da psicomotricidade nas aulas como: correr, andar, manipular, saltar, pular, quadrupedar, etc., em que são vencidos os desafios, medos e superadas também as ansiedades. É comum inclusive acontecer uma série de comportamentos diferenciados conforme o estímulo aplicado para diferentes indivíduos. O que faz ressaltar a tese de que cada um deve ser encarado como cada um, indivisível, e sujeito a variadas sensações e descargas emocionais diferenciadas.

 Embarcando nesse mundo da fantasia, em que o desejo da criança está em primeiro plano, vai-se estabelecendo regras, limites e as relações, principalmente através de atividades não-diretivas, variando às vezes, para atividades diretivas tipo circuito psicomotor, porém, tudo de forma lúdica e com colocações de dificuldades para que as crianças desempenhem o papel de solucionar os problemas que surgem para vencer as dificuldades e ao mesmo saber lidar com elas, inclusive e não descartada, a possibilidade de um possível insucesso.


  Relato de uma Experiência em Creche

 
 Dentre as muitas atividades que tivemos, a com um grupo de maternal marcou muito, pois só a minha chegada causava um alvoroço e a turminha logo se dispersava e vinha ao meu encontro me agarrar e me abraçar, ganhando logo em seguida a liberação da tia (recreadora) para ficarem comigo. Surgiram vários personagens, que inclusive eu mesmo incorporava a pedido deles, e para conhecimento, o meu personagem eleito era sempre o malfeitor: lobo mau, raposa, monstro de pedra, monstro de lama, fantasma, etc., mas, o personagem mais requisitado foi o cachorrão, que surgiu num desses jogos imitativos de animais, em que um cachorro iria atravessar uma ponte. Logo, uma criança olhou para mim e gritou: Hi! Um cachorrão!, e todos saíram correndo. O cachorrão passou a figurar junto com o professor que chegava: Olha eu vi o cachorrão! O cachorrão tá vindo! E assim ficou praticamente o resto do ano. O cachorrão perseguia as crianças e era por vezes perseguido, passando por diversos obstáculos e variando expressões corporais juntamente com as crianças. O desejo deles quase sempre era o de matar o cachorrão (adulto castrador), e nas vezes que morri ou fui abatido, também teve quem me socorresse e amparasse, e ainda tinha quem ficava com dó e me defendia quando alguém me atacava. No começo tinha uma ou duas crianças que ficaram com um pouco de medo desse personagem, mas logo foram se acostumando e superando os problemas com a atividade. Tal foi a dimensão desse personagem na instituição, que acabou entrando também na festa de encerramento de fim de ano, cujo tema era o natal.


  Relato de uma Experiência com a Pré-Escola


 Enquanto saía com uma turma de alfabetização, as crianças iam me colocando que gostariam de jogar bola com outra turma que estava no pátio, então, deixei-os fazer a escolha, entre ficar numa atividade comigo e jogar bola. Ficaram apenas três dos quinze alunos comigo e coloquei-os a par de que já havíamos passado por muitos desafios, principalmente os de escalar: como o escorrega, o beiral da janela, uma escada, pedras, etc., sempre marcado por alguns personagens, devido ao fato de terem perdido a motivação e por não ser mais novidade. Questionando-os sobre a aventura de escalar algum lugar que ainda não havíamos feito, surgiu de alguém uma proposta de se escalar a grade da escada. Falei sobre os riscos e principalmente sobre a questão de fazerem tal empreendimento somente comigo. Tal foi a aventura, intitulada de "montanha gelada" que os outros que estavam no futebol, logo abandonaram o jogo e vieram para nossa aventura, inclusive, alguns alunos de outras turmas. De vez em quando passava um adulto abismado levando o maior susto, e quando a voz da interrupção queria afrontar nossa brincadeira, seus olhos também me captavam e aí também relaxavam. Na rodinha final, todos colocaram o que sentiram naquele momento. Serviu também para confirmar a falta de dois meninos que continuaram no futebol e que tiveram que ouvir dos outros o que eles perderam a nível de prazer e mesmo de ouvir uma colocação sobre uma possível explicação para a falta deles: que eles tiveram medo e por isso não foram. Ora, numa atividade como essa, por exemplo, é importante passar-lhes sempre a nossa segurança e depósito de confiança no que eles estão fazendo. A crítica que a turma fez aos dois amiguinhos que não participaram, é um fator marcante da insegurança vivida pelos mesmos no cotidiano, nos quais os adultos são os responsáveis transmissores. É lógico também, que é importante marcar sempre a questão do limite, para que não saiam por aí se arriscando sem medir as conseqüências, inclusive para que os adultos não interfiram na atividade e mostrem-lhes ainda mais suas fragilidades de insegurança e insensatez.

Referências Bibliográficas

Béziers, Marie-Madeleine. A Coordenação Motora. São Paulo, Summus Editorial, 1992.
Campos, Dinah Martins de Souza. Criatividade. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1979.
Freire João Batista. Educação de Corpo Inteiro. 3ª edição, São Paulo, Editora Scipione, 1992.
Gomes, Vera Miranda. Prática Psicomotora na Pré-Escola. São Paulo, Editora Ática S/A, 1987.
Longo, Ângelo. Sociologia. Rio de Janeiro, 3ª edição,
Sprint, 1987.