Integra

Estabelecendo os limites

A Resolução nº 07 de 31 de março de 2004 que institui as Diretrizes Curriculares para os cursos de Educação Física em nível superior de graduação plena, que tem por finalidade orientar os currículos dos cursos de formação das Instituições de Ensino Superior, estabelece duas dimensões de formação denominadas de Licenciatura em Educação Física e Graduação em Educação Física. Estas denominações não são simplesmente uma terminologia, mas configuram-se como referências do que se propõe e se espera atualmente deste profissional.

O tema proposto para esta mesa redonda contempla uma dessas dimensões da formação do profissional de Educação Física da qual me sinto mais à vontade em falar: a Licenciatura. Além de considerar que a licenciatura deveria ser a base da formação do que consideramos ser o profissional desta área, a realidade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), da qual faço parte, é de um curso de Licenciatura. Portanto, minha exposição se fará dentro da discussão atual dos cursos de formação de professores, no caso, de Educação Física. No intuito de tornar a exposição o mais esclarecedora possível, irei dividi-la em três momentos.

Vou iniciar traçando um breve histórico dos principais problemas curriculares e institucionais que afetam a formação do professor no Brasil, para que possamos compreender as legislações atuais como decorrentes de processos e discussões que possuem, por um lado um fio condutor e, por outro, caracterizam algumas rupturas com antigas perspectivas.

Depois buscarei traçar um quadro das mais recentes políticas públicas para a formação do professor colocadas em ação através das legislações pertinentes. Esta parte da exposição terá como base as Resoluções e Pareceres do Conselho Nacional de Educação e os documentos das reuniões da ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação), especialmente o Documento Final do XII Encontro Nacional de agosto de 2004. O objetivo aqui será o de demonstrar as concepções sócio-políticas, econômicas e pedagógicas postas nas formulações de tais legislações.

Após esta parte mais geral tentarei caracterizar a realidade da UFRRJ e a inserção do curso de Licenciatura em Educação Física, enfocando sua estrutura e funcionamento, e o percurso que temos buscado trilhar para tentar reconfigurar as licenciaturas sob nossa responsabilidade e, em particular, a de Educação Física, tentando adequá-las às legislações e, ao mesmo tempo, fazendo releituras que permitam uma intervenção na formação o mais próxima possível de nossa perspectiva teórica.

Breve histórico dos principais entraves institucionais e curriculares dos cursos de formação de professores no Brasil

Os cursos de formação de professores foram criados no Brasil na década de 30 do século XX, sob a fórmula "3+1", ou seja, três anos de curso dispensados às disciplinas específicas e, após o término deste período, mais um ano dedicado às disciplinas de natureza pedagógica. Este formato além de expressar uma grave e histórica dicotomia entre teoria e prática, anuncia uma perspectiva de professor como um profissional que tem em sua formação uma grande quantidade de conhecimentos relacionados à especificidade de sua área científica com um "verniz" pedagógico.

Apesar das reformulações sofridas ao longo das décadas subsequentes, continuamos mantendo sérias dificuldades em organizar e desenvolver um modelo curricular que supere estas dificuldades iniciais. Atualmente a fórmula "3+1" não é mais aplicada na maioria das Instituições de Ensino Superior (IES). Porém, a questão não parece ter sido resolvida, visto que os problemas divulgados por grande parte das Instituições formadoras são de ordem curricular.

Em Instituições sob o modelo administrativo de Depatamentos e Institutos, como é o caso da UFRRJ, os movimentos em torno da reformulação curricular enfrentam um outro agravante. As disciplinas de conteúdo específico ficam a cargo dos Departamentos e/ou Institutos de origem do curso e as de cunho pedagógico sob responsabilidade dos Departamentos e/ou Institutos de Educação, sem que, necessariamente, estas duas instâncias da formação tenham uma articulação curricular e pedagógica.

Este cenário sempre se configurou como bastante pernicioso para a formação do professor. CANDAU, citada por PIMENTA(1995) considera que duas características preocupantes decorrentes dessa história persistem nas habilitações ao Magistério que são a falta de identidade e o esvaziamento de conteúdos. As duas características apontadas pela autora têm relação íntima com o desenho curricular em funcionamento nos cursos de formação de professores.

A ausência de uma proposta curricular direcionada desde o início do curso à formação de professores acaba por não proporcionar ao licenciando a conformação de uma identidade própria. Nas Instituições de Ensino Superior, especialmente nas federais, a estrutura de funcionamento departamental cria um distanciamento e uma enorme dificuldade de relacionamento entre os diversos componentes curriculares que fazem parte da formação e que estão dispersos pelos diversos departamentos e institutos da Universidade. Além disso, as disciplinas oferecidas não estão, em sua maioia, direcionadas apenas aos licenciandos, mas muitas vezes aos bacharéis da mesma área científica, e também, aos demais estudantes de outros cursos que não têm nenhuma relação com a licenciatura.

Se isso por um lado é um elemento positivo do ponto de vista da integração e ampliação das visões de mundo, por outro, a falta de uma estrutura nuclear que aglutine o foco da formação e que mantenha a docência como ponto de integração do licenciado, desencadeia uma grande dificuldade para o aluno estabelecer uma identidade profissional característica do magistério.

Na verdade, a estrutura universitária no modelo departamental possui um órgão, o Colegiado de Curso, que tem por responsabilidade harmonizar os componentes curriculares garantindo sua integração, comportando-se como o eixo articulador para a manutenção da estrutura curricular posta no projeto político-pedagógico do curso. Porém, este órgão tem inúmeras dificuldades para executar sua tarefa, que é de fundamental importância para este modelo. As relações de poder dentro das Instituições que, muitas vezes, criam verdadeiros feudos acadêmicos, a falta de informações suficientes acerca dos diversos cursos existentes na Universidade e a inexistência e/ou falta de participação na elaboração dos projetos político-pedagógicos dos cursos parecem ser os maiores entraves para o bom funcionamento deste órgão.

Por outro lado, os conteúdos desenvolvidos ao longo do curso acabam por não consolidarem-se como significativos para os estudantes, dando uma impressão de conhecimentos soltos, desarticulados, esvaziados de sentido. Os estudantes terminam o curso sem conseguirem ter nem uma formação geral consistente, nem uma sólida formação no campo pedagógico.

Estas duas características - a falta de identidade e o esvaziamento de conteúdos - possuem uma relação de ambigüidade com o fazer pedagógico do professor que, aliadas ao desprestígio histórico do magistério, às condições de trabalho do futuro professor e aos baixos salários, fornecem um cenário alarmante quando pensamos acerca da formação de professores no Brasil. A baixa qualidade na formação reverte-se numa dificuldade crescente em consolidar a profissionalização e, portanto, na organização de movimentos reivindicatórios que possam auxiliar na reestruturação de mudanças no perfil das IES e em seus desenhos curriculares.

Cabe ainda ressaltar um outro aspecto não menos grave deste processo: a desconsideração da pesquisa como fundamental para o processo de reflexão-ação na atividade docente. A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, característica fundamental das Universidades, parece ser descartada quando os cursos são de licenciatura, prejudicando e minimizando a formação dos professores.

A realidade na qual estou inserida, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, vem me demonstrando historicamente que no total de pesquisas na área de iniciação científica poucas são aquelas relacionadas à formação de professores. E as que existem estão, em sua meioria, localizadas no Departamento de Educação e dificilmente naqueles ligados à área científica de especificidade do licenciando. Acredito que esta realidade deva estar presente também em grande parte das Instituições formadoras de professores.

Este breve esboço da situação histórica dos cursos de formação de professores no Brasil tem o objetivo de levantar os principais desafios que estão postos e que necessitam de formulações que possam oferecer subsídios para a sua superação. Cabe alertar, entretanto que não é possível considerar uma homogeneidade em todos as Instituições formadoras. No entanto, os trabalhos apresentados e divulgados nos principais eventos, bem como as publicações da área de educação vêm demonstrando que, apesar das especificidades de cada instituição, grande parte dos problemas aqui registrados fazem parte da realidade da maioria dos cursos de formação de professores no Brasil.

Quadro geral das políticas públicas recentes para a formação de professores

O atual estágio do modelo capitalista mundial vem impondo situações alarmantes de sobrevivência, sobretudo às populações dos países periféricos e semi-periféricos. Com a emergência de sua nova face neoliberal, apesar do aparente paradoxo, vem dando mostras, por um lado de um inegável fôlego, e por outro de um esgotamento de suas possibilidades civilizatórias.

O fenômeno da globalização, por sua vez, vem se encarregando de disseminar a ideologia e a política neoliberal por todos os territórios, impondo ao mundo uma forma única de se organizar econômica e socialmente, independente dos decorrentes processos de marginalização, exclusão e pauperização.

Este sistema prevê uma desregulamentação do Estado que, aliada aos avanços tecnológicos de produtividade e ao modelo de acumulação financeira e não mais somente produtiva, geram um quadro complexo para a compreensão das relações em todos os âmbitos da sociedade.

No que diz respeito ao campo educacional podemos sentir seus impactos nas diversas políticas públicas recentemente implementadas, tanto no Brasil como no mundo. Os organismos de financiamento internacional - FMI, Banco Mundial, BID - vêm ditando, sob forte pressão econômica, políticas que devem ser implementadas nos países devedores constrangendo e atacando a soberania e autonomia das nações. Uma dessas referidas políticas no campo da educação, envolve a discussão acerca da formação de professores.

No Brasil a década de 90 foi exemplar para compreendermos esta situação. A partir da promulgação de Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN) "que englobava uma extensa pauta de dispositivos legais e que muitas vezes passavam ao largo dos movimentos organizados e das entidades científicas e acadêmicas" (ANFOPE, 2004) diversas outras medidas legais passaram a ser implementadas configurando um quadro de profundas mudanças que nos incitam a uma análise para tomada de posicionamento urgente.

Dentre essas medidas podemos destacar:

Promulgação da Resolução 02/97 que estabelece a possibilidade de complementação pedagógica para qualquer portador de diploma em nível superior, que queira atuar na Educação Básica;

Regulamentação dos cursos seqüenciais que concorrem com os cursos de graduação plena;
Implementação de políticas de avaliação com o intuito de controle, obedecendo ao que é ditado pelo padrão capitalista de produção na atualidade: SAEB, ENEM, exame nacional de cursos (provão);

A ênfase no treinamento em serviço (...);

O estabelecimento de Diretrizes Curriculares para formação profissional de nível médio e superior de todas as áreas profissionais;
A implementação de Diretrizes Curriculares para formação de professores da Educação Básica em nível superior (Resolução CNE/CP 01/2002 e Resolução CNE/CP 02/2002) (ANFOPE, 2004).

Apesar de considerar que todas estas legislações têm um forte impacto na formação de professores, interessa-nos para o contexto desta discussão, particularmente as Resoluções CNE/CP 01/2002 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior, curso de licenciatura de graduação plena e CNE/CP 02/2002 que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura de graduação plena de formação de professores da Educação Básica em nível superior.

A primeira questão que deve ser enfocada numa análise de tais Resoluções diz respeito a centralização na idéia de competências. Há que se ter em vista que o termo competências é polissêmico e vem causando inúmeras polêmicas no interior do campo educacional.

Portanto, é necessário, inicialmente, esclarecer algumas questões para que possamos transitar em caminhos mais claros e transparentes.

A idéia de competências posta atualmente nos documentos e legislações oficiais é decorrente de um ideário que tem no mundo empresarial sua origem. Em função do reordenamento e flexibilização do mundo do trabalho e da massiva contração dos empregos, a qualificação profissional para atender aos ditames da produção vem utilizando este termo como privilegiado para definir qualidades do "novo trabalhador". Diversos autores têm se dedicado a explicar e analisar o seu uso. Para compreender esta questão, estarei baseada nos trabalhos de LEITE (1994), SENNETT (2001) e ALANIZ (2002).

A concepção subjacente ao termo competências vem carregada de apelo ao individualismo e ao desenvolvimeno de características comportamentais como a comunicabilidade, a produtividade, a competitividade, a iniciativa e a adaptação a novos valores e situações. Assim, como bem nos alerta ALANIZ (2002) este ideário está centrado na tentativa de estabelecer um "processo de socialização em características comportamentais do indivíduo que possibilitam a adoção e cooptação aos valores empresariais."

Em consonância com estes autores e, ainda, com os documentos e proposições da ANFOPE, considero que a utilização do termo competências tem servido para minimizar, individualizar, instrumentalizar e fragmentar a qualificação profissional, especialmente a dos professores. A Resolução CNE/CP 01 em seu Art. 3º que trata dos princípios norteadores para o exercício profissional coloca textualmente "a competência como concepção nuclear na orientação do curso."

Examinando a orientação do texto a partir da sua própria redação observamos que a idéia de competências, na formulação apresentada e analisada pelos autores referidos, é o eixo articulador da formação docente. Contrariando toda discussão acumulada pelos diversos movimentos organizados da sociedade civil ao longo dos anos, esta formulação traz para o interior da formação docente uma perspectiva comportamental que não auxilia o professor na sua difícil tarefa de atuar no sentido da construção de uma sociedade mais crítica, democrática, participativa e igualitária.

Um outro ponto a ser enfocado nas Resoluções analisadas, especialmente na 01, é a permissão e mesmo o incentivo à criação dos Institutos Superiores de Educação para as IES não universitárias. Longe de desconsiderar o envolvimento e o compromisso dos profissionais lotados nestes espaços, o que se discute é a concepção que está nas entrelinhas do que se espera de um Instituto Superior de Educação.

O ponto de vista aqui defendido é o de que a legislação fragiliza a formação de professores e o próprio Instituto Superior de Educação, quando considera que a pesquisa e a extensão não fazem parte da estrutura e funcionamento destes Institutos. Esta formulação acaba por reafirmar e aprofundar uma concepção antiga e já referida neste texto em sua primeira parte, que trata a formação de professores de forma mais banalizada e menos importante do que a dos bacharéis.

Em termos da carga horária, a Resolução 02 revoga alguns artigos da 01 e estabelece em seu Art. 1º que
A carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de graduação plena, será efetivada mediante a integralização de, no mínimo 2800 horas, nas quais a articulação teoria-prática garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes dimensões dos componentes comuns:

I- 400 horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso;

II- 400 horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da Segunda metade do curso;

III- 1800 horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural;

IV- 200 horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais.

A integralização da carga horária posta pela Resolução em questão oferece, por um lado possibilidades para as Instituições formadoras reconfigurarem seus cursos com uma certa liberdade de ação, e por outro diminuem a carga horária total de 3200 horas para 2800 horas, permitindo esta integralização em 3 anos de curso, novamente desconsiderando as discussões acumuladas.

No que diz respeito ainda a integralização da carga horária o Art. 12º da Resolução 01 em seu § 1º diz que "a prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do restante do curso", e ainda no § 2º considera que "a prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor." Estes dois pontos têm se configurado como fundamentais para a organização dos cursos nas IES.

A alteração curricular que está em curso na UFRRJ, vem se utilizando deste artigo aliado à carga horária disposta pela Resolução 02 como auxiliar para nossos trabalhos internos, bem como o de convencimento dos demais Departamentos, Colegiados e da própria Administração Superior da Instituição, acerca da construção da identidade do magistério a partir do ingresso do estudante na Universidade. Este ponto será explorado na terceira parte do presente texto.

Estas são algumas modificações colocadas pelas legislações atuais que considero as mais importantes e que são basilares nas discussões e formulações que vimos tentando implementar na UFRRJ. Como exposto, elas indicam continuidades, rupturas e cooptações ao modelo capitalista neoliberal.

No entanto, é justo ressaltar a presença, sempre marcante, dos movimentos de resistência dos professores desde o início da elaboração de tais Resoluções até a sua promulgação. O trabalho incansável de algumas entidades representativas dos professores, nomeadamente a ANFOPE, tem contribuido sobremaneira para que estas legislações não sejam impermeáveis, mas permitam uma movimentação que contemple princípios antigos e caros ao movimento organizado dos docentes.

A formação de professores na UFRRJ e a licenciatura em educação física

A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro está localizada no Município de Seropédica que fica a 70 Km da cidade do Rio de Janeiro. Possui um campus de 3200 hectares. Foi criada em 1910 como Escola Nacional de Agronomia e Veterinária ligada ao Ministério da Agricultura. Na década de 40, foi transformada em Universidade Rural do Brasil e instalada em 1948 no campus onde hoje funciona. Após a LDB de 1961 passa para o Ministério da Educação e recebe a denominação Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, sendo criados neste momento dois cursos de Licenciatura (Licenciatura em Ciências Agrícolas e Economia Doméstica) permitindo a pluralidade de áreas de conhecimento e ganhando o status de Universidade.

Desde a sua origem a UFRRJ teve por vocação e interesse as áreas agrárias. O Curso de Licenciatura em Educação Física foi criado em 1976 integrando a 14ª Graduação da Universidade, numa época de expansão e de ampliação do foco científico-acadêmico da Instituição.

Fruto da Reforma Universitária do período militar, a UFRRJ, está organizada sob a estrutura administrativa de Institutos e Departamentos. Possui no total 09 Institutos e 33 Departamentos responsáveis por 20 cursos de graduação, sendo 8 de Licenciatura ( Educação Física, Biologia, Matemática, Física, Química, História, Economia Doméstica e Ciências Agrícolas). Cada Instituto tem um número determinado de Departamentos que compõem a sua área científica. Os cursos de graduação ficam ligados aos Departamentos que oferecem o maior número de disciplinas do seu campo profissional.

O Instituto de Educação da UFRRJ abriga três Departamentos: o Departamento de Psicologia (DPSI), o Departamento de Teoria e Planejamento de Ensino (DTPE) e o Departamento de Educação Física e Desportos (DEFD), ao qual está ligado o Curso de Licenciatura em Educação Física. Uma primeira observação deve ser acentuada: o Curso de Educação Física da UFRRJ, é um dos únicos que está vinculado ao Instituto de Educação.

O DTPE, Departamento no qual estou lotada, é responsável por oferecer à todas as licenciaturas a parte pedagógica, que está dividida em Fundamentos da Educação, Didáticas e as Práticas de Ensino. Como se pode notar, as licenciaturas sobrevivem no interior de um modelo de Universidade que possui uma certa fragmentação, tendo no Colegiado a única possibilidade de articulação política e curricular.

O Colegiado, órgão que tem por responsabilidade integrar os diversos componentes curriculares ao projeto pedagógico do curso, é composto pelo Coordenador do Curso, por um professor representante de cada Departamento no qual os alunos têm disciplinas e por uma representação estudantil. Como já mencionado anteriormente, este órgão tem inúmeras dificuldades em executar sua tarefa, que é das mais importantes para o bom andamento do curso.

Geralmente os Coordenadores dos Cursos fazem grande esforço no sentido de divulgarem o projeto político-pedagógico do Curso, buscando fazer com que as disciplinas ministradas pelos diversos Departamentos sejam adequadas à formação daquele profissional.

Porém, os entraves são enormes. A estrutura departamental favorece a criação de espaços de poder limitados por campo de conhecimento que acabam por gerar inúmeras dificuldades de diálogo. O distanciamento físico e pedagógico dos Institutos e Departamentos é outro problema importante, visto que por ser o maior campus horizontal da América Latina alguns Departamentos distam em até 2 Km. Finalmente, a desinformação sobre o perfil dos profissionais dos diversos cursos nos quais os professores trabalham, configuram um quadro inicial dos principais entraves para o funcionamento dos Colegiados.

Uma outra consideração não menos importante neste cenário é a inexistência de uma política bem definida e estruturada por parte da Instituição no que diz respeito aos projetos político-pedagógicos de todos os seus cursos. Este me parece ser um caminho, em âmbito mais geral, que pode permitir que os professores sejam convencidos de seus papéis quando estão desenvolvendo seus conteúdos junto aos cursos de Graduação.

Em termos das Licenciaturas este problema se agrava, visto a dificuldade histórica destes cursos em consolidar uma identidade própria. Dentre as nossas 8 Licenciaturas, apenas uma (Licenciatura em Ciências Agrícolas) está sob responsabilidade do nosso Departamento, e outra (Educação Física) do nosso Instituto. As demais estão ligadas aos seus Institutos de origem científica, que em sua maioria desenvolvem pesquisas em áreas distantes do campo da formação dos professores. Além disso, algumas das licenciaturas concorrem com os bacharelados do mesmo campo científico, sofrendo, muitas vezes, grande discriminação e não tendo os conteúdos programáticos desenvolvidos de forma articulada com a dimensão pedagógica.

Diante deste quadro e, tendo em vista a discussão e a necessidade da implementação das Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores, no ano de 2002 o DTPE tomou a decisão de tornar-se o órgão impulsionador de uma ampla reforma curricular nas Licenciaturas da Universidade. Em reuniões pedagógicas e no recém criado Fórum das Licenciaturas, que se configurou como estratégia central da proposta em questão, o Departamento elaborou ao final de um ano de trabalho e intensa discussão, um documento final a ser encaminhado aos Colegiados das Licenciaturas.

Este trabalho encontra-se em andamento, já tendo sido aprovado em alguns Colegiados e em negociação em outros. Destaco a dificuldade da modificação em função da significativa mudança que terá que ocorrer em alguns currículos. Nossa perspectiva é a de que no 1º semestre de 2007 os alunos ingressem na Universidade sob a vigência desta proposta político-pedagógica.

O documento elaborado pelo DTPE teve como foco principal a discussão de uma política acadêmico-científica que viesse conformar um estatuto identitário a todas as licenciaturas da Universidade, e como princípio a consideração da docência como base da identidade de todo professor. Ou seja, concordando também com uma importante orientação da ANFOPE, procuramos criar um projeto de identidade das Licenciaturas que responsabilizasse, desde a Administração Superior até os professores de todos os Departamentos que oferecessem disciplinas para estes cursos.

Assim, a criação do Fórum de Licenciaturas, que funcionou durante um período, objetivou a criação de um espaço de discussão no interior da Universidade, levantando os problemas que afetavam os cursos, bem como a busca de soluções compartilhadas que possibilitassem a implementação das mudanças sugeridas.

Formulamos uma proposta de adequação curricular buscando conjugar nossa realidade às orientações legais, atentando para a manutenção de um patamar de qualidade satisfatório. Buscamos enfrentar dois conjuntos de ações: "(1) reajustes na formação pedagógica que se vinha oferecendo; (2) inserção de ações que traduzissem uma nova compreensão da prática de ensino - tanto como disciplina, quanto como momentos ou estágios sucessivos e compartilhados no desenvolvimento da formação profissional, interligando a dimensão prática à dimensão teórica e possibilitando dinamizar atividades de pesquisa e prática pedagógica e tutoria em prática de ensino" (DTPE, 2002).

O primeiro conjunto de ações, teve como proposta final a criação de uma base comum pedagógica a todas as Licenciaturas da Universidade, já que os currículos eram bastante diferenciados. Fundamentando a presença das disciplinas a partir da sua relevância para a compreensão da complexidade do fenômeno educacional, a proposta incluiu, como obrigatórias para todas as Licenciaturas, as disciplinas Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, História da Educação, Estrutura e Funcionamento da Educação Básica, Didática Geral, Didática Específica, Psicologias e as Práticas de Ensino.

Para a Educação Física esta proposta não causou grande impacto, pois seu currículo já contemplava todas as disciplinas, exceto a História da Educação que foi uma criação desta proposição. Para as outras Licenciaturas, no entanto, necessitamos de intensas negociações, visto a exigência de reconfiguração da carga horária total dos cursos com a inclusão destas disciplinas.

O segundo conjunto de ações exigiu da nossa parte um grande esforço teórico para reformulação de uma visão reducionista da prática de ensino para uma perspectiva que a considerasse um campo de "integração màxima entre teoria-prática pedagógica, envolvendo a totalidade das ações pedagógicas do currículo do curso de Licenciatura e da realidade escolar. " Assim, explicitamos nossa compreensão do significado da disciplina Prática de Ensino:

Entendemos que a disciplina Prática de Ensino deva ter uma identidade teórico-prática que possibilite ao licenciando o hábito da reflexão engajada nos processos de ensino que ocorrem nos diversos espaços formativos de nossa realidade educacional determinada por um campo científico-social. Com isso queremos dizer que os espaços formativos estarão sendo determinados pelo Projeto Político-Pedagógico de cada curso, respeitando-se a especificidade do Projeto Curricular do curso, tal qual nos referimos anteriomente (DTPE, 2002).

Para a integralização da carga horária de Prática de Ensino explicitada na Resolução CNE/CP 02, aliada ao Art.12º da Resolução CNE/CP 01 que prevê que a prática deve estar presente na formação desde o primeiro período do curso, formulamos a seguinte proposta expressa no Documento (DTPE,2002):

90 horas em crédito disciplinar (nas disciplinas de Prática de Ensino)
210 horas em atividades de:

Pesquisa e Prática Pedagógica - 105 horas

Tutoria Discente em Prática de Ensino - 105 horas

As 100 horas restantes devem ser integralizadas em atividades desenvolvidas nas cargas horárias das disciplinas de formação específica, ou por outra forma indicada pelo Colegiado de Curso, desde que atenda às orientações da Resolução CNE/CP 01/2002.

A Pesquisa e Prática Pedagógica ficou compreendida como sendo um conjunto de atividades, com carga horária própria, a serem cumpridas pelos licenciandos dentro das disciplinas de Fundamentos da Educação (História, Sociologia e Filosofia da Educaçao e Estrutura e Funcionamento da Educação Básica) e as Didáticas (Geral e Específica), que congregassem ações relacionadas ao campo de atuação profissional do futuro professor. Buscamos assim, comprometer os professores da área de fundamentos da educação a desenvolverem seu conteúdo programático levando em conta a articulação com o campo de atuação do professor, auxiliando o aluno na construção de sua identidade profissional.

Foram elaboradas atividades de Prática e Pesquisa Pedagógica, a serem postas em ação por cada disciplina no intuito de integralizar a carga horária de Prática de Ensino. Compõem este grupo de atividades levantamentos bibliográficos, levantamentos de temas relacionados à realidade histórica e atual da instituição escolar, leituras e fichamentos de bibliografias recomendadas, visitas em grupos às escolas, coleta de dados e análises acerca dos dispositivos legais educacionais, análise crítica da prática pedagógica e dos materiais curriculares oficiais, entre outras.

A Tutoria Discente em Prática de Ensino foi inspirada em duas experiências ocorridas na Instituição por professores de outros Departamentos. A idéia foi expandir essas experiências, institucionalizando-as e fazendo com que se tornassem parte da carga horária de formação do licenciando. Como o próprio nome explicita, ela se propõe a ser uma atividade realizada por alunos de períodos mais avançados que teriam o compromisso de dispensar uma carga horária para o atendimento e acompanhamento de disciplinas/turmas, sob orientação do professor da disciplina fora do horário de aula.

Assim, o aluno-tutor poderá escolher a disciplina que ele se sentir em condições de atuar, desde que o prefessor se dispuser a orientá-lo. O aluno-tutor poderá ainda atender os estudantes do bacharelado, quando se tratar de disciplinas comuns aos dois cursos. Esta carga horária será registrada pelo Coordenador de Prática de Ensino.

Por fim, as 100 horas colocadas à disposição para os demais componentes curriculares, visa envolver os outros Departamentos com a construção da identidade do professor, tarefa que consideramos a mais árdua de toda proposta.

Após elaborada esta proposta de reformulação, procuramos discutir e traçar estratégias de convencimento no diversos Colegiados de Curso, visando criar um compromisso institucional com a formação de professores. Em alguns colegiados tivemos aceitação e em outros se exigiu uma negociação mais demorada. Estas situações decorrem de uma multiplicidade de compreensões sobre a formação e do papel da Universidade e dos Departamentos.

Há que se ter em vista que a tramitação de uma reformulação curricular no interior das Universidades necessita cumprir um caminho legal longo, devendo ser discutido e aprovado em várias instâncias que incluem os Colegiados de Curso, os Conselhos e Câmaras Superiores para depois ser referendado pelo Reitor.

Na Educação Física, como já mencionado, o processo de aceitação e aprovação da proposta foi bastante rápido e fácil. No entanto, isto não caracteriza uma compreensão e um compromisso explícito com a Licenciatura por parte da totalidade do DEFD. Avalio que esta aceitação decorreu do fato de não causar grande impacto na carga horária e pela orientação e compromisso dos professores membros do Colegiado que não reflete a totalidade de concepções do referido Departamento.

Como nas demais Licenciaturas, as resistências a um currículo voltado para a formação de professores também faz parte da realidade da Educação Física, notadamente através, do que conhecemos por currículo oculto. Os conteúdos programáticos das disciplinas sob responsabilidade do Departamento de origem nem sempre estão orientados à dimensão pedagógica próprias do fazer do professor. Sob um discurso biológico e tecnicista as disciplinas focalizam conteúdos e metodologias que não privilegiam a formação do educador, impondo uma perspectiva de profissional da área da saúde exclusivamente, como forma de valorizar e instituir um falso status ao profissional de Educação Física.

A Resolução CNE/CES nº 7 que institui as Diretrizes Curriculares para os cursos de Educação Física reforçam esta fragmentação ao dicotomizarem a formação do licenciado e do graduado. Concordando com a avaliação divulgada pelo documento do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, entendo ser a Educação Física uma área multidisciplinar que tem na docência a base da identidade de sua intervenção profissional, independente do espaço que esta intervenção se fará.

Portanto, coloco-me inteiramente ao lado dos diversos segmentos de professores que buscam aglutinar esforços na consolidação de um campo profissional que entenda a Educação Física como uma área multidisciplinar de intervenção cuja base é a docência. Na UFRRJ, apesar das resistências de professores e mesmo de alunos, e da inúmeras dificuldades que muitas vezes se traduzem em sentimentos de solidão, venho trabalhando cotidianamente, tanto em sala de aula, quanto nos demais espaços no sentido de defender e fortalecer a Licenciatura. É desta forma que entendo o compromisso dos professores que atualmente cumprem o papel de formar educadores.

Obs. A autora, Ms. Amparo Villa Cupolillo é doutoranda em educação (UFF) e leciona na UFRRJ.

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