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 Escola e educação física


 A Educação Física(EF) se justifica na escola, já que não há outra prática pedagógica que se ocupe da dimensão cultural de que só a educação física trata que é a cultura de movimento, expressa nos jogos, nas danças, nas lutas, nos esportes e nas ginásticas (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Temos que dar nossa contribuição para que nosso aluno possa conhecer, escolher, vivenciar, modificar, recriar e ser capaz de julgar os valores associados às práticas corporais, mais do que apenas praticar sem entendê-la, simplesmente aderindo (ou não) à moda da atividade física, enfim, elaborar uma prática pedagógica cuja função última é formar e educar pessoas para compreender e transformar a realidade, a partir de nossa especificidade.


Educação física e conhecimento


 Não basta dizer que concebemos a EF em nossa escola como prática pedagógica que tem como objeto de estudo a cultura corporal de movimento, é imprescindível definir que tipo de conhecimento queremos construir com nossos alunos.
Não se trata da mera transmissão de práticas da cultura de movimento já produzidas fora da escola, como se elas fossem intocáveis. Trata-se também de transformar essa cultura. Com esta cultura transformada, produzida na escola, a partir de valores escolares, é que a EF poderá intervir na história cultural da sociedade, transpondo os muros da escola(VAGO, 1997).


 São pelo menos duas as possibilidades abertas para a produção dessa cultura, ambas devendo ser realizadas num mesmo movimento(VAGO, 1997). Na primeira, os professores de EF devem se interessar em conhecer e problematizar, partindo do referencial das teorias críticas da educação (LUCKESI, 1992), as práticas corporais que os seres humanos produziram ao longo de sua história cultural: um espaço de conhecer, criticar, experimentar e transformá-las.


 A segunda possibilidade aberta decorre da primeira: a EF pode ser um espaço de criar outras práticas, ainda não inventadas - um novo jogo, uma nova dança, uma nova ginástica, um novo esporte, enfim, uma nova prática produzida com novos valores.


 Currículo da educação física escolar


Apoiados nas diretrizes curriculares nacionais, devemos colocar a EF "na condição de área do conhecimento como as demais, (com) um objeto de estudo e um conhecimento próprio formulado ao redor desse objeto"(SOUZA, 1999). Os conteúdos adotados em nossa escola são os cinco mencionados pelo COLETIVO DE AUTORES (1992), ou seja, os jogos e brincadeiras, as danças, os esportes, as ginásticas e as lutas. Para qualquer um desses conteúdos, prevemos três possibilidades de abordagem, que dão conta da complexidade dos mesmos e possibilitam compreender e transformá-los.

 Abordagens dos Conteúdos da Educação Física,
  a atividade em  si


1. História
2. Aspectos técnicos e táticos
3. Ética e valores na atividade
4. Ludicidade x competição
5. Regras (quando for o caso)
6. Produção de uma cultura escolar de movimento o corpo na atividade
1. Flexibilidade e a atividade
2. Aspectos biológicos e fisiológicos da atividade
3. Doping
4. Avaliação física
5. Lesões
6. Treinamento o aspecto sócio-cultural
1. Lazer e tempo livre
2. Crítica social da atividade
3. Mitos e verdades
4. Mídia
5. A atividade como campo de trabalho
Sendo assim, o currículo de EF que propomos envolve a apreciação dos conteúdos citados, a partir das abordagens acima, e não mais restritos às questões exclusivamente técnicas. Em cada série, propõe-se tematizar pelo menos quatro dos cinco conteúdos da educação física. A seleção das abordagens deve privilegiar a contextualização dos conteúdos em função de sua relevância social, da vivência ou da curiosidade dos nossos alunos, devendo ser feita junto com eles e não previamente determinada, o que abre a possibilidade de desenvolvimentos diferentes até mesmo entre turmas de uma mesma série. Em outras palavras, os conteúdos das séries já estão previamente selecionados, mas não as suas abordagens. Por fim, vale esclarecer que o último bimestre, a partir da 5a série, tem o seu conteúdo e abordagens determinados por projetos de oficinas desenvolvidos pelos próprios alunos, orientados pelos professores e inspiradas nas vivências e discussões dos bimestres anteriores.


Ensino fundamental - 1ª série
UNIDADE
1ª Brincadeiras infantis e Cantigas de roda Vivência e criação de brincadeiras e cantigas conhecidas
2ª Dança Quadrilha: dança/pesquisa sobre os passos

Festival de jogos Pesquisa, vivência, escolha e modificação de jogos e esportes para inclusão no festival: Organização do festival de jogos
Olimpíada: o que é?
4ª Ginástica Acrobacias: salto coragem, rolamentos (GO e judô), parada
Criação de acrobacias
Ensino fundamental - 2ª série
1ª Brinquedos Brinquedos antigos e atuais: origens e comparação
Construção e criação de brinquedos
2ª Dança Dança folclórica e regional: outros estados

Festival de jogos Pesquisa, vivência, escolha e modificação de jogos e esportes para inclusão no festival: Organização do festival de jogos
Olimpíada: o que é?
4ª Ginástica Rítmica e Ginástica Olímpica Ginástica e brincadeiras com materiais e Solo

Ensino fundamental - 3ª série
1ª Sucata Pesquisa, construção e utilização de brinquedos com sucata
2ª Danças de Minas Dança folclórica e regional mineira
3ª Festival de jogos Pesquisa, vivência, escolha e modificação de jogos e esportes para inclusão no festival: Organização do festival de jogos
Olimpíada: o que é?
4ª Lutas Brincadeiras de luta: cabo de guerra, queda de braço, briga de galo Capoeira, judô, karatê, jiu-jitsu
Ensino fundamental - 4ª série
1ª Brincadeiras de rua antigas e modernas Pesquisa, vivência e criação de brincadeiras
2ª Danças do Brasil Samba, forró, quadrilha, capoeira, bumba meu boi, ...
3ª Festival de jogos Pesquisa, vivência, escolha e modificação de jogos e esportes para inclusão no festival: Organização do festival de jogos
Olimpíada: o que é?
4ª Ginástica Atletismo: corridas, saltos e arremessos- oficial x escolar


 Ensino fundamental - 5ª série

2ª Ginástica Olímpica
Brinquedos e sucata Elementos da GO no cotidiano; Solo e saltos c/ mini-tramp
Pesquisa e construção de brinquedos
3a Dança Dança folclórica internacional / Ensaio p/ festival de inverno
4ª Vôlei (As olimpíadas de Sydney como um tema transversal, a partir dos registros da mídia e das questões levantadas pelos alunos) Pesquisa, vivência, escolha e modificação de jogos e esportes para inclusão no festival: Organização do festival de jogos
Olimpíada: o que é? / Vôlei na olimpíada
Derivados do vôlei: pesquisa e criação
5a Oficinas Planejamento de atividades e estudos


 Ensino fundamental - 6ª série

2a Lutas
Jogos de raquete e/ou peteca Lutas: karatê, judô, jiu-jitsu, capoeira
Peteca, badminton, tênis, frescobol, ping-pong, squash,
3ª Danças do Brasil Forró, samba, pagode, capoeira / Ensaio p/ festival de inverno
4ª Basquete (As olimpíadas de Sydney como um tema transversal, a partir dos registros da mídia e das questões levantadas pelos alunos) Pesquisa, vivência, escolha e modificação de jogos e esportes para inclusão no festival:Organização do festival de jogos
Olimpíada: o que é? / Basquete na olimpíada
Jogos derivados do basquete: criação
5a Oficinas Planejamento de atividades e estudos

 Ensino fundamental - 7ª série

2ª Ginástica
Jogos internacionais
A academia de ginástica: para que serve?
(local, aeróbica, musculação e outras)
Futebol americano, touch, cricket, baseball, hóquei, netball, futhandcabeça: vivência e transformação
3ª Dança Valsa e outras danças de salão / Ensaio p/ festival de inverno
4ª Handebol (As olimpíadas de Sydney como um tema transversal, a partir dos registros da mídia e das questões levantadas pelos alunos) Pesquisa, vivência, escolha e modificação de jogos e esportes para inclusão no festival: Organização do festival de jogos
Olimpíada: o que é? / Handebol na olimpíada
Jogos derivados do handebol: pesquisa e criação
5a Oficinas Planejamento de atividades e estudos


 Ensino fundamental -8ª série

2ª Ginástica

Jogos de rua Condicionamento físico no esporte, na dança, na academia, no dia-a-dia
Rouba-bandeira, queimada, futbase, bente-altas, frisbee, pegador, tico-tico fuzilado, garrafão, mãe da rua, finca, pião e Combinação
3ª Dança no mundo Rock, funk, reggae, jazz / Ensaio p/ festival de inverno
4ª Futebol/futsal(As olimpíadas de Sydney como um tema transversal, a partir dos registros da mídia e das questões levantadas pelos alunos) Pesquisa, vivência, escolha e modificação de jogos e esportes para inclusão no festival: Organização do festival de jogos
Olimpíada: o que é? / Futebol/futsal na olimpíada
Jogos derivados do futebol: pesquisa e criação
5a Oficinas Planejamento de atividades e estudos


 Ensino médio - 1ª série

2ª Ginástica
Jogos de raquete e/ou peteca Ginástica de academia e Avaliação física
Peteca, badminton, tênis, frescobol, ping-pong, squash
3ª Dança Dança brasileira: samba, forró, folclórica, axé, frevo
4ª Voleibol e basquete (As olimpíadas de Sydney como um tema transversal) Vôlei e basquete na olimpíada
Organização do festival de jogos
5a Oficinas Planejamento de atividades e estudos


 Ensino médio - 2ª série

2ª Lutas
Jogos e brincadeiras Capoeira, Judô
Derivados dos esportes
3ª Dança Danças internacionais: rock, folclórica, funk, bolero

Handebol e futebol (As olimpíadas de Sydney como um tema transversal) Handebol e futebol/futsal na olimpíada
Organização do festival de jogos
5a Oficinas Planejamento de atividades e estudos

 Ensino médio - 3ª série
1ª Ginástica
Brinquedos e brincadeiras Planejamento da própria atividade física
Brincadeiras e brinquedos: Pesquisa e criação
2ª Atividades expressivas Dança e capoeira
3ª Esportes Coletivos (As olimpíadas de Sydney como um tema transversal) Esporte profissional na olimpíada: Organização do festival de jogos de acordo com a profissão escolhida
4a Oficinas Planejamento de atividades e estudos


Metodologia


 Uma das características mais importantes da vida, em geral, e do movimento humano, em particular, é o seu aspecto lúdico, que segundo HUIZINGA (1996), tem como essência o ousar, correr riscos, suportar a tensão e a incerteza. Nossa visão de mundo e de educação física nos faz acreditar que a permanência do caráter lúdico de nossa disciplina é de fundamental importância para atingirmos nosso objetivo. Enfim, não queremos negar o que há de mais específico na EF que é o movimento, a ludicidade, mas sim dar-lhe sentido e vislumbrar a possibilidade de transformação desta prática social, o que é impossível sem o conhecimento e a reflexão.
É por isso que propomos que toda aula tenha momentos de discussão e de vivência, devendo ambos estar intimamente associados, um remetendo à reflexão sobre o outro, e não apenas dois momentos distintos e sem nexo.


Avaliação


 Seja através dos meios tradicionais, pela produção criativa de textos, teatros, vídeos, páginas na internet ou de novas formas de se movimentar, o que importa é fazer da avaliação um espaço de reflexão sobre o envolvimento do aluno, sobre o sentido da EF escolar e sobre os princípios fundamentais que regem nossa prática (criticidade, criatividade, ludicidade, igualdade).


Conclusão


 Desde que iniciamos o projeto de transformação da EF em nossa escola, muitas dúvidas e algumas certezas tem povoado nossas discussões. As dúvidas se referem principalmente à inadequação de muitas de nossas estratégias metodológicas (às vezes ainda com resquícios de tradicionalismo) a uma visão tão pouco tradicional de EF quanto a de nosso currículo, às possibilidades de integração com as outras disciplinas, à questão ainda polêmica da avaliação, dentre tantas outras questões que nos cercam a cada aula. As certezas são a de que este é um caminho sem volta e a de que nunca estivemos tão realizados profissionalmente, tendo dado início a um processo de ressignificação e valorização de nossa disciplina dentro de nossa escola.


 Obs. O autor Guilherme Carvalho Franco da Silveira é especialista em educação física escolar e professor do curso de graduação em educação física do UNI-BH e do Colégio Santo Antônio/BH, o prof. Joelcio Fernandes Pinto é pós-graduando em educação física escolar e professor do Colégio Santo Antônio/BH e da rede municipal de Belo Horizonte


 Referências bibliográficas


Bracht, Valter. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992
Brasil Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394/96, de 20/12/96.
Coletivo de autores. Metodologia do ensino da educação física. 1992
Huizinga, Johan. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 1996.
Luckesi, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1992.
Souza, Eustáquia Salvadora & VAGO, Tarcísio Mauro. A educação física e as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental. Presença Pedagógica. v. 5, n. 26, mar/abr, 1999.
Vago, Tarcísio Mauro. EF na escola: lugar de práticas corporais lúdicas. Presença Pedagógica, v. 2, n. 10, jul/ago, 1996
____________ A EF nas séries iniciais do 1º grau. Belo Horizonte: UFMG, 1993
____________. Rumos da EF escolar: o que foi, o que é, o que poderia ser. UFMG, 1997. (digit.)