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Depois de 9 anos volto a Academia Olímpica Internacional. Foi então que me dei conta de que essa coisa de ficar contando quantos anos faz que fizemos alguma coisa é sintoma velhice, principalmente se esse período chega perto dos 10 anos, ou uma década como querem os mais precisos.

A AOI é um daqueles lugares onde se ensina e vive a tradição olímpica. Só para se ter uma ideia, Pierre de Coubertin (sim, o pai do Olimpismo em pessoa) deixou em vida, por escrito, o desejo de ter seu coração enterrado aqui após a sua morte. E, lá está ele, repousando dentro da Academia perto das ruínas do estádio, para passar sua eternidade próximo do Olimpo. E para quem quiser saber da história completa Coubertin pediu ainda para que seu corpo fosse enterrado em Lausanne, na Suíça, local onde ele passou os derradeiros anos de sua vida e cidade da sede do Comitê Olímpico Internacional.

Embora a Academia seja uma instituição de caráter internacional e subsidiada pelo COI (parte do dinheiro arrecadado com as transmissões dos Jogos Olímpicos é direcionada a projetos educativos e sociais e a AOI é uma dessas beneficiárias) a crise grega deixa suas marcas indeléveis por aqui também. Os jardins já não têm tantas flores, a grama está alta, a piscina está vazia. Mas, ainda assim aqui estão 30 estudantes vindos de países de vários continentes para mais um seminário de Pós-Graduação, por um período de 30 dias e outros 30 interessados em estudos olímpicos acabaram de chegar para 2 meses intensivos de estudos que lhes dará o primeiro título de mestres em Estudos Olímpicos. Isso porque eles já estiveram juntos por 2 meses antes dos Jogos Olímpicos de Londres, e no primeiro semestre do próximo ano serão os últimos dois meses. Ou seja, aqui se pensa, se escreve e se respira Olimpismo.

A proposta de criação da Academia Olímpica nasceu quando ainda Coubertin era vivo e dela participaram muitos influentes pesquisadores do tema olímpico. Mas, apenas na reunião anual do COI em 1949 ela foi oficialmente aprovada e após onze anos de muitas idas e vindas a Academia foi enfim inaugurada. Começou então em 1961 uma tradição que se mantém viva até hoje: promover em Olímpia discussões sobre o Olimpismo a partir de diferentes perspectivas. Então, além de seminários para pós-graduandos como esse que participo como professora há as chamadas Young Session, destinadas a jovens pesquisadores, estudantes recém-graduados, e outros tantos seminários para educadores, jornalistas, atletas, dirigentes. Seria ótimo que todos aqueles que lidam de alguma forma com essa questão passassem por aqui algum dia para aprender um pouco do que significa tudo isso que debatemos, aplicamos ou estudamos.
Não pensem os mal intencionados que isso é um campo de concentração onde se promove uma lavagem cerebral com o intuito de se reproduzir uma ideologia burguesa cujo objetivo é a promoção de valores aristocráticos ou conservadores, como costuma ser aquilo que envolve a proposta olímpica. Há aqui livres pensadores que trazem para a discussão temas nevrálgicos sobre a organização e a realização dos Jogos Olímpicos, a condição do atleta nessa estrutura, a importância e a necessidade de programas de educação olímpica não apenas nos países sede, mas de forma universalizada. Além disso, os próprios estudantes são responsabilizados por organizar atividades sociais e esportivas durante a permanência aqui cujo objetivo é promover a socialização e a troca de saberes e culturas.

É inegável a abrangência dos temas que envolvem os estudos olímpicos e os estudantes que estão aqui, ao apresentarem seus trabalhos, provam essa diversidade. Todos são obrigados a fazerem uma exposição oral sobre uma pesquisa que está sendo desenvolvida ou já foi realizada e que esteja relacionada ao amplo guarda-chuva dos estudos olímpicos. Esse é um dos momentos em que o tema se mostra universal dentro da especificidade e localidade de cada país, de cada cultura, de cada escola ou linha teórica na qual ele é tratado.
O que me encanta de fato, em tudo isso, é a possibilidade de conhecer e de conviver com gente de diferentes partes do planeta. Como estamos alojados no mesmo espaço a convivência intensa nas aulas, cafés, almoços, jantares e eventos sociais, permite conhecer um pouco mais da cultura, história e memória dos países de origem de todas essas pessoas.

Lembro da primeira vez que estive aqui, em 2003, e da sensação que tive quando nos posicionamos para a foto oficial. Eram aproximadamente 80 pessoas, dos cinco continentes, muitos vestindo seus trajes típicos e buscando de alguma forma contribuir para os temas que nos propúnhamos a discutir. Naquele ano a questão central era a maior participação feminina na prática esportiva.
Fisicamente a Academia mudou muito nesses anos. Um grande incêndio que atingiu a Grécia em 2007 deixou suas marcas por aqui também. O bosque que existia na parte de traz das instalações foi todo incinerado, mas a vida começa a mostrar seus sinais novamente com vários pinheiros, abetos e oliveiras dando a ar de sua graça com um verde fresco, parecendo miolo de alface, prova viva de que para algumas mortes há a possibilidade da vida novamente.

Ao lado da Academia estão as ruínas do que foi o Estádio Olímpico da Antiguidade. Após escavações lá estão a pista, vestígios de várias estatuas representativas de Zeus, Hera, o portal que anunciava aos atletas o marco de entrada nas provas, o pedestal onde se encontravam as estátuas dos que tentaram de alguma forma burlar as regras servindo de exemplo para as novas gerações sobre o que não se deve fazer em uma competição. Isso não mudou nem nos últimos 9 anos, nem nos últimos 20 e tantos séculos. Valores, essa é a questão.

O que mudou então?

Mudou talvez a minha própria percepção do que são os Jogos Olímpicos, o Olimpismo, a educação olímpica, a formação para o entendimento dessas questões, a responsabilidade de participar ativamente em um processo que envolve o meu país e que sou agente ativa nessa construção. Enfim, é bom perceber que as coisas mudam quando também mudamos e que não adianta responsabilizar apenas o tempo por essas transformações. Ele só não é responsável por nada, se não pelo desbotar da tinta das paredes e da cor das fotos, pelo crescimento das árvores que não foram atingidas pelo fogo ou pela ação do sol e da chuva sobre algumas construções de menor qualidade. A mudança é um processo ativo que exige protagonismo, disposição para o enfrentamento, capacidade de reflexão para uma possível inflexão, para a mudança de posição, seja ela física ou intelectual.

Enfim, a passagem por Olímpia em 2012 está me proporcionando isso. Há muito que se fazer para que os Jogos Olímpicos no Rio em 2016 não sejam apenas uma sucessão de competições esportivas. Os Jogos podem ser uma grande oportunidade para desenvolvermos um belo programa de Educação Olímpica com os professores e estudantes de escolas em várias partes do país, como já está sendo feito junto com a Secretária de Educação da cidade de São Paulo. É a oportunidade de participarmos ativamente de um processo que não é apenas de um comitê, mas de todo o país que se mobiliza no momento em que vive talvez o melhor de sua história.

E saibam, eu quero e vou fazer parte disso. Espero que mais gente também pense o mesmo.

Por katiarubio
em 17-09-2012, às 10:17

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Academia Olímpica Internacional; Estudos Olímpicos; Olimpismo

Comentários

Kátia, como é “arrepiante” ler seus texto. Cá estou com lágrimas nos olhos. Obrigada por nos brindar com suas percepções e conhecimento.

Por Maria Alice
em 17-09-2012, às 13:23.

eu tb farei parte!

Por Naty
em 22-09-2012, às 20:51.

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