Resumo

No fim do século XIX e início do século XX chegava ao Brasil, mediante reapropriações e reinterpretações, um novo ideal cujo eixo era a preocupação com a saúde da população, coletiva e individual. Suas propostas residiam na defesa da Saúde e Educação Pública e no ensino de novos hábitos higiênicos. Convencionou-se chamá-lo de “movimento higienista” (SOARES, 1990) ou “movimento sanitarista” (HOCHMAN, 1998). Este movimento tem uma idéia central que é a de valorizar a população como um bem, como capital, como recurso principal da Nação (RABINBACH, 1992). A idéia de que um povo educado e com saúde é a principal riqueza da Nação chega com força a nossos dias e ainda aglomera em torno de si forças que se sentem progressistas. Defenderemos neste artigo o argumento principal de que os princípios e objetivos do movimento, embora com outros nomes para o mesmo, continuaram em voga até o fim do século XX, contrariando a tese habitual de que teriam se encerrado na década de 30 ou 40. Tentaremos demonstrar a hipótese de que o “movimento higienista” do final do século XIX e início do século XX no Brasil é o mesmo “movimento da saúde” da atualidade, com algumas adaptações dadas por mudanças nas condições que, entre outras, provocaram alteração dos objetivos. Assim, por exemplo, desenvolver o hábito de atividade física sistemática continua sendo um objetivo do movimento, hoje mais enfatizado que nos começos e com novas relações, porque as mudanças demográficas, alimentares e de estilo de vida tornaram significativas a doenças cardiovasculares. Em mundos que mudam as condições do agir, a vida de um movimento também depende de sua capacidade de transformação, de adequação. Contudo, o movimento permanece quando seus princípios e valores orientadores continuam presentes sem modificações significativas. Talvez o “movimento higienista” passou por apropriações e re-significações, mas não se esgotou nos anos 30 ou 40, particularmente no caso da realidade brasileira, porque as condições econômicas e sociais e os hábitos da população ainda incidem fortemente sobre sua saúde. A intenção de acompanhar as descontinuidades e continuidades pode dificultar o trabalho historiográfico, mas não impedi-lo. Não partilhamos da tese de que retratar pequenos recortes temporais implique garantia de qualidade nas interpretações de dados dos trabalhos historiográficos. Muitos historiadores, inclusive os da Escola dos Annales, se utilizaram de trabalhos panorâmicos e de síntese, como por exemplo, Phillipe Ariès, na história da infância e Roger Chatier com a história do livro. Sob a perspectiva da prática da pesquisa, as interpretações demandam um processo em espiral e autocorretivo de relacionamento entre a parte e o todo, entre acontecimentos ou eventos e os estabelecimentos de tendências.

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