Integra

 Historicamente a educação infantil, sob a denominação corrente de pré-escola foi criada para atender aos filhos de mães trabalhadoras, funcionando como um "hotelzinho" de tomar conta de crianças. Posteriormente a ênfase recaiu na preparação da criança para o futuro escolar, frente ao fracasso que no Brasil se verificava nos primeiros anos de escolaridade.
O quadro atual da educação aponta para a necessidade de um ensino de qualidade desde a educação infantil , superando-se as práticas até então muito presentes neste grau de escolarização, classificadas dentro de uma visão romântica e funcionalista da educação.


 Como uma das estratégias utilizadas para a garantia de uma seriedade quanto a efetivação deste grau de ensino, ele passa a ser garantido através da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da Educação nacional. Conforme explicitado no Art. 9º, a referida lei incumbe à União o estabelecimento de diretrizes e competências, obrigando a mesma, através do seu inciso IV a:
          "estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação     infantl, o ensino fundamental, e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;"(p. 7) .


 Kramer (1984), identifica atualmente no Brasil, três tendências configuradas para a educaçõa infantil, , com fins diferenciados, explicitadas pelas seguintes denominações: romântica, cognitiva e crítica e atendendo a fins especiíficos e distintos.
A tendência "romântica" compreende a pré-escola como um jardim de infância, onde a criança é a semente... que brotará e a professora é a jardineira. A tendência "cognitiva",...com base na psicogenética, enfatiza o pensamento infantil no desenvolvimento da inteligência e na autonomia. E a tendência "crítica", que vê a pré-escola como local de trabalho coletivo, "percebendo a condição de cidadão tanto do professor quanto da criança, concebendo à educação o papel de contribuir para a transformação social"(op. cit.,1984, p. 24).


 Esta última, com a qual me identifico, entende a escola como sendo o local privilegiado de acesso ao conhecimento produzido historicamente pela humanidade.
Entendo que para se dar a superação das práticas até então muito presentes neste grau de escolarização, classificadas dentro de uma visão romântica e funcionalista da educação, as ações educativas vivenciadas devem assegurar características lúdicas, prazerosas, sérias e alegres, que envolvam o exercício de uma prática interdisciplinar, para referendar os propósitos de projeto político-pedagógico da escola, que por sua vez, apresenta como eixo curricular a linguagem.
Na intenção de se trabalhar com a Educação Física fundamentada na tendência crítica, é que se desenvolveu o trabalho com os alunos de pré-escolar nesta instituição, seguindo os caminhos traçados por Coletivo de Autores (1992), que elegem como o objeto de estudo da Educação Física a expressão corporal como linguagem.
Buscou-se desenvolver uma reflexão sobre o acervo das formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da História, exteriorizadas pela expressão corporal e sistematizadas nas manifestações da cultura como conteúdos da Educação Física.


 O projeto seguiu o caminho traçado por Coletivo de Autores(1992), onde a prática pedagógica se fundamenta nos pressupostos do paradigma da cultura corporal, entendendo que o processo de conhecimento humano compreende um jogo entre o vivido e o simbólico, o fazer, refletir, se apropriar dos fatos podendo modificá-los.
Concordando com Saviani (1991), acredito que a escola tem a função de garantir o acesso ao conhecimento produzido historicamente pela humanidade, em todos os níveis e graus de ensino.


 Nesta perspectiva, cabe à educação infantil, trabalhar com a diversidade do conhecimento, em suas várias linguagens como a linguagem escrita, a linguagem matemática, a linguagem geográfica, a linguagem artística e a linguagem corporal, todas igualmente importantes para a leitura da realidade enquanto totalidade; além de se configurar como parte do cotidiano da criança , que se apropriam da mesma como forma de expressão.


 Para me centrar nas questões específicas no que diz respeito ao conhecimento tratado por esta área, adotei como objeto de estudo da Educação Física a cultura corporal de movimento, ou seja, a expressão corporal como linguagem.
Esta é tematizada através das manifestações culturais sistematizadas, buscando-se desenvolver uma reflexão sobre o acervo das formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história e desenvolvidas culturalmente, exteriorizadas pela expressão corporal e sistematizadas nas manifestações da cultura corporal como os jogos, as danças, as lutas, a ginástica, o esporte, o malabarismo, a mímica e outros .
O conteúdo denominado de cultura corporal, consiste do acervo historicamente construído e acumulado pela humanidade e "o processo do conhecimento humano compreende um jogo entre o vivenciar e o simbolizar (as vivências), entre o que é sentido e o que é pensado"( DUARTE JR., 1988).


 Ao privilegiar a reflexão sobre a cultura corporal, sem desconsiderar a especificidade prática da disciplina em questão, o objetivo das aulas de Educação Física desenvolvidas foi o de promover a reflexão sobre a cultura corporal humana, refinando a expressão corporal da criança, o seu senso crítico, sua sensibilidade. Estimulamos o aluno à vivência dessa linguagem, permitindo a utilização dos recursos expressivos de que dispõe para comunicar-se e conhecer-se a si mesmo e ao mundo, explorando-o de forma crítica e interagindo com ele reflexivamente.


 Na fase de escolarização da pré-escola, a criança encontra-se no momento da "experiência sensível ", onde prevalecem as referências sensoriais na sua relação com o conhecimento, cabendo ao professor, a partir do conhecimento do aluno, auxiliar o processo de identificação e organização dos dados da realidade. O aluno neste período possui uma visão sincrética, desorganizada da realidade, dando um salto qualitativo quando inicia a categorização, a classificação e a associação dos objetos, estendendo esta fase até aproximadamente a 3a série, de acordo com Coletivo de Autores(1992).


 A atividade corporal é uma atividade vital nesta idade. Nos seus jogos a criança utiliza de todas as suas potencialidades expressivas- quando não for reprimida- como por exemplo, nas brincadeiras de faz de conta onde ela vive o personagem intensamente, em dramatizações, enquanto ladrão com passos leves e silenciosos, ou ao aproximar-se, sem ruído, do colega escondido. Uma educação que desconsidere a importância da expressão corporal como uma linguagem imprescindível para a compreensão do real, acaba por "atrofiar o pensamento simbólico das crianças", além de limitar, em muito as possibilidades de vivência e apropriação corporal e portanto, social.


 Em todo o processo foi considerado o potencial expressivo da criança procurando estimular a reelaboração do real através do imaginário. Um ponto de referência adotado foi a escolha de se trabalhe sem muita demonstração nesta fase, pois os sinais são arbitrários, convencionais. Ao se trabalhar a partir do conhecimento das crianças e considerando o potencial criador e expressivo humano, as respostas serão tantas quanto forem as crianças, pois cada um tem sua forma de ser e de se colocar no mundo. Ao se trabalhar com a diversidade e as possibilidades do andar, por exemplo, os andares surgidos serão infinitos, abrindo espaço inclusive, para o resgate e exploração da historicidade do andar humano, além de seu uso social, discussão dos meios atuais de andar (no sentido de transportar), e o acesso seletivo aos meios de transporte atuais...


 Outro ponto considerado fundamental durante todo o projeto foi o enriqueimento das experiências dos alunos, procurando sempre ir além do universo de conhecimento dos mesmos, pois o trabalho expressivo do aluno é produto de sua relação com o mundo. Assim, tornou-se importante o estímulo à criação do grupo, privilegiando a leitura e as releituras em relação as expressões dos alunos, sem desconsiderar suas sutilezas. Para que isso ocorra, deve-se garantir o exercício da imaginação e o contato com diferentes formas de representação, estimulando-os a procurar ou ampliar suas possibilidades expressivas diferentes das habituais.
Este projeto permanece na escola ampliando sua perspectiva no sentido de integrar as outras áreas do conhecimento no saber expressivo corporal e vice-versa, além de possibilitar o exercício da práxis pedagógica de forma consciente e intencional.


 Torna-se urgente, então, o resgate do corpo na escola, a valorização da expressão corporal como linguagem, devendo, ser considerada como fundamental como os demais conhecimentos, neste e em todos os períodos de escolarização; e não relegada a segundo plano ou suprimida do contexto escolar, como historicamente acontece. Deve-se trabalhar com a expressão corporal em suas manifestações sócio-culturais, garantindo o espaço da criatividade e da criticidade do aluno, um agir lúdico e solidário, a historicidade dos conteúdos tratados... para que se efetive um projeto pedagógico comprometido com uma sociedade melhor, mais justa e humana, considerando nossos alunos como sujeitos históricos, prontos a intervirem no processo de construção e transformação do seu tempo.

 Referências Bibliográficas

Coletivo de autores, (1992). Metodologia do ensino da Educação Física. Petrópolis, Vozes.
Duarte Jr., João Francisco, (1988). Por que Arte - educação? 5 ed., Campinas, Papirus.
Kramer, Sônia, (1984). A política da Pré - escola no Brasil: a arte do disfarce. 2 ed. Rio de Janeiro, Achiamé.
Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial,23 de dezembro de 1996.
Saviani, Demerval, (1991). Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 2 ed., são Paulo, Cortez.