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INTRODUÇÃO

A chegada do professor de educação física na escola é uma explosão de alegria, as crianças gritam e pulam de felicidade e uma pergunta sempre aparece na boca de um aluno "hoje vai ter aula de educação física professor?" essa ansiedade e alegria em alguns momentos contrastam com a tristeza que aparece com a chegada de alguns professores de outras disciplinas. Essa relação de prazer nas aulas de educação física muitas vezes é vista por professores de outras disciplinas como uma coisa descompromissada com o ato de educar sendo um ‘lazer’ para os alunos que se opõem a seriedade de suas aulas vista como "trabalho". O próprio aluno quando sai da sala de aula corre para quadra na procura da aula de educação física que ele tanto esperava naquele dia, como se ele estivesse saindo de uma prisão. É importante salientar que o uso dos termos trabalho e lazer usados aqui são construídos em uma visão de "senso comum" Aranha (2003) formada em uma comparação de valores, sendo o "trabalho superior ao lazer" Elias e Dunning (1985). Muitas vezes pra justificar a monotonia de algumas aulas o professor valoriza sua aula como o "instrumento que levará o aluno para o mercado de trabalho", isso ratificado por instrumentos de avaliação como o vestibular. A partir desse quadro uma pergunta surge: Porque os professores das demais disciplinas vêem a Educação Física como lazer e as suas disciplinas como trabalho?

"O trabalho, de acordo com a tradição, classifica-se a um nível superior, como um dever moral e um fim em si mesmo; o lazer classifica-se a um nível inferior como uma forma de indulgência. Este, aliás, é identificado com freqüência com o prazer ao qual também se atribui uma avaliação negativa na escala de valores nominais das sociedades industriais" (Elias e Dunning 1985).

1. TRABALHO

Uma boa justificativa para falta de prazer em aula é compará-la ao trabalho já que o próprio nome tem suas origens na palavra tripalium (três paus) instrumento utilizado no pescoço de alguns animais para puxar carroças (Aranha, 2006). Carmo (1993) coloca que o trabalho antes de alcançar o significado que tem hoje na sociedade designava atividades estafantes, insalubres e penosas, feitas por pessoas sem posse ou camponeses e que nos dias de hoje se transformou em fonte de alienação impondo horas de serviço repetitivo, automatizando ações. Atos de criatividade e inteligência no ato do trabalho são suprimidos. Mesmo cansados ou insatisfeitos somos levados a acreditar que nossa felicidade está ligada ao trabalho. Mesmo assim o trabalhador cria um laço de afeto com o trabalho.

Lafargue (2003) em seu livro direito a preguiça nos diz que essa relação que o trabalhador criou com o trabalho beira a insanidade trazendo pra si a miséria individual e social absorvendo suas forças vitais.

Eu entendo que na procura de colocar a sua disciplina como algo muito importante os professores a comparem ao trabalho, já que na sociedade capitalista atual os valores confiridos ao trabalho foram ideologicamente camuflados, para muitos o trabalho é a chave ou a habilidade para "vencer na vida" Carmo (1993). Mas eu vejo como um equivoco usar dessa comparação para justificar uma falta de prazer no processo de educar.

A escola historicamente já reproduz as diferenças sociais, autores como Sarup (1986) ou Althunsser (2001) já nos traziam essa característica da escola. Cabe ao professor romper com isso e construir ações (ou aulas) na tentativa de formar sujeitos que consigam entender os conflitos existentes na sociedade e atuar diretamente nela e esse processo pode e deve ser feito com prazer por alunos e professores.

Só justificaria uma comparação de qualquer disciplina com o trabalho se a mesma procurasse à transformação da natureza intencionalmente em uma condição de liberdade humana e interação entre o homem e o meio ambiente, se aproximando do que Sarup (1986 p.143) chamou de capacidade de trabalho.

"Os seres humanos agem sobre a natureza e modificam-lhe as formas de acordo com suas necessidades. Enquanto os outros animais trabalham por instinto, o trabalho humano é consciente, proposital, envolve conceptualização, e temos símbolos, linguagem para isso. Agindo sobre a natureza, portanto, modificamos a nossa própria natureza" (Sarup 1986)

Mas aí ficaria o desafio e a procura de uma aula que contempla-se essas características onde Marx citado por Sarup (1986), coloca como de qualidade, de potencial, vital, transformador e necessário ao homem.

2. LAZER E EDUCAÇÃO FISICA

O lazer é um fenômeno social construído no embate entre classes, surge na luta do trabalhador e de conquistas vindas do proletariado na urgência de melhores condições de trabalho. Uma delas é a diminuição da carga horária de trabalho com conseqüência um aumento do tempo livre. Melo e Alves Junior (2003) Confirmam isso e atentam para o lazer como fenômeno que não foi criado de forma pacífica, inocente, ingênuo ou dissociado de outros momentos da vida: "o moderno fenômeno do lazer foi gerado de uma clara tensão entre as classes sociais e da continua e complexa de controle/resistência, adequação/subversão".

A sociedade moderna tende a nomear como trabalho qualquer atividade que precise ser valorizada como produtiva e nessa escala de valores que usa o trabalho como adjetivo, a palavra lazer surge de forma pejorativa na sala de professores. Essa afirmação é fruto de um desconhecimento do significado do lazer na sociedade.

Podemos afirmar que o lazer é uma atividade de não trabalho e de tempo livre e encontra-se nele a busca pelo prazer. É importante salientar que prazer e lazer não são a mesmas coisas, Melo e Alves Junior (2003) nos colocam que "Os momentos de Lazer pressupõem a busca pelo prazer, mas que este não é exclusivo dos momentos de lazer." É provável que a relação de prazer estabelecida pelo aluno na aula de educação física através do jogar ou brincar seja o fator que leve os professores de outras disciplinas confundirem a educação física praticada na escola com uma atividade de lazer, isso em uma sociedade formada para o trabalho em que o mesmo para ser valorizado deve ser árduo e cansativo, o prazer é colocado em um nível inferior, nessa lógica "sofrer é nobre e ter prazer acaba indo para um plano inferior "(Elias e Dunning 1985).

3. EDUCAÇÃO FISICA ESCOLAR E OUTRAS DISCIPLINAS.

Essa relação equivocada de professores de outras disciplinas com a educação Física mostra um desconhecimento sobre essa como disciplina escolar que tem um conteúdo historicamente construído e próprio.

"a educação física é uma pratica pedagógica que no âmbito escolar tematiza formas de atividades expressivas corporais como jogo, esporte, dança, ginástica, formas estas que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de cultura corporal" (Coletivos de autores 1992 p50).

Esse equivoco pode estar relacionada com uma visão míope do ato de educar que desconsidera uma aula como uma forma de discutir valores significativos que auxiliem na construção de uma criticidade. Eu entendo que para esses professores, o ato de educar está diretamente relacionado com o conteúdo de suas disciplinas que pode ser um calculo matemático ou uma tabela periódica e nossa sociedade tende a valorizar o que é intelectual e pouco o que é manual em uma construção ideológica Aranha (2003) evidencia isso quando coloca que "... que a ideologia é maneira pela qual são estabelecidas as relações entre teoria e prática, colocando a teoria como superior a prática, porque antecede e ilumina as idéias tornando-se autônomas e são consideradas causa da ação humana (e não o contrário)" assim acabam vendo seu conteúdo como ferramenta de inserção no modo vida capitalista, um retorno objetivo para o aluno, desprezando assim os símbolos que podem estar incutidos em uma aula. O professor impregnado dos valores capitalista (quando eu digo professor me incluo) transforma sua aula (como o trabalho) em uma obrigação moral e o aluno que não acompanha é um preguiçoso que deve ser "punido com notas baixas, já que ele não produziu" Sarup (1986).

É difícil dentro de essa lógica ver em uma disciplina que "brinca" o ato de educar. Mas o prazer e o brincar não podem ser considerados um bem exclusivo da educação física, e eu acredito que o prazer deve estar em qualquer atividade humana, principalmente naquelas que existem na escola, já que educar é lidar com crianças, e elas só vão valorizar qualquer conhecimento se nele ela poder achar uma fonte de deleite.

CONCLUSÃO.

Alguns professores de outras disciplinas vêem a aula de educação física como lazer e sua aula como trabalho, essa comparação e feita por um desconhecimento do fenômeno do lazer na era moderna e pela procura de valorização da sua disciplina em uma escala comparativa de valores entre o trabalho e o lazer incucado ideologicamente na sociedade.

Isso pode estar relacionado com o prazer que existe nas aulas de educação física, já que se divertir (dentro de uma lógica equivocada) não precisa estar ligado ao ato de educar e estudar é "coisa seria" ou por achar que o conteúdo das disciplinas é o mais importante e não a transmissão de valores, cabe aqui um aprofundamento maior e uma pesquisa mais elaborada sobre esse tema na tentativa de clarificar essas questões.

Eu acredito que educar além de ensinar alguns saberes prático é discutir valores e isso pode ser feito com prazer independente da disciplina, e comparar o ato de educar com o trabalho pode facilitar para uma pratica educativa simplista que não irá contribuir significativamente na formação de sujeitos críticos e questionadores.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

  • Aranha, M. Filosofia da educação. 3ed. São Paulo: Moderna, 2003.
  • Althusser, L. Aparelhos ideológicos do estado. 8 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001.
  • Carmo, P. A ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 1992.
  • Coll, C. et Al. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez, 1993.
  • Elias, N; DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1985. Trad. Maria Manuela Almeida e Silva.
  • Lafargue, P. O direito à preguiça. São Paulo: Claridade, 2003.
  • Melo, V; Alves Junior, E. Introdução ao lazer. Barueri: Manole, 2003.
  • Sarup, M. Marxismo e educação; abordagem fenomenológica e marxista da educação. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Trad. Waltensir Dutra.
  • Saviani, D. Escola e Democracia. 27 ed. Campinas: Autores Associados, 1993.