Resumo

Reconhecendo aqui a necessidade de discutir a questão sexista e de gênero enquanto categorias de análises nas aulas de Educação Física, temos como objetivo argumentar o sentido e o significado que as crianças constroem diversos conceitos de acordo com padrões culturais e históricos nos quais são educados. Os dados analisados estão fortemente interligados aos processos crescentes de papéis sexuais enraizados à nossa dimensão simbólica. Apresentamos à luz do multiculturalismo a proposta de introduzir ambos os sexos na cultura sexista ou de gênero, incorporando diferentes ações superadoras.

Integra

INTRODUÇÃO

É sabido dos professores de Educação Física que, nas atividades, por nós empreendidas junto aos alunos, meninos e meninas apresentam desempenho motor distinto. Estas diferenças são por nós percebidas, assimiladas e, por muitas vezes, levadas em consideração, na montagem de nossas aulas , no intuito de manter as distinções sexuais sem levar em conta diferenças individuais. Os desempenhos motores, reproduzidos nas atividades, estão interligados aos processos crescentes de papéis sexuais por estarem enraizados à nossa dimensão simbólica e à construção histórica de valores e significados comuns com os quais definimos o que somos e o que queremos ser. É a partir desse entendimento que a criança constrói e amplia conceitos sobre o gênero. A criança cresce interagindo de acordo com padrões culturais e históricos nos quais foi educada.

Durante a socialização primária os comportamentos começam a se tornar sexualmente tipificados. A questão cultural assume papel importante na construção de estereótipos sexuais. No caso da cultura brasileira, a sociedade patriarcal, dos primórdios da colonização portuguesa, ainda permanece quando se aborda os atributos qualitativos de ambos os sexos. Mesmo a sociedade industrial tendo ampliado os espaços femininos, a participação e o desempenho da mulher tem sido minorados pelo perfil ideologicamente construído do que viria a ser o seu "lugar" na divisão social do trabalho. Neste sentido, tanto a família quanto a escola, reproduzem e reforçam as diferenças sexuais ao criarem, a níveis de competência, as possibilidades para os papéis que cada gênero pode ou deve fazer. O reforçamento da desigualdade, frente às possibilidades "permitidas" aos dois sexos, restringe para a mulher seu espaço de participação em atividades profissionais, culturais e corporais. Este cerceamento de possibilidades, reprodutor de dominação cultural, se dá, não sem produzir violência simbólica que, nas palavras de Bourdieu e Passeron, repetidas por Saviani é: "todo poder que chega a impor significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações força." (Saviani, 1987).

Neste sentido, ao observarmos criticamente a imposição cultural que cerca nossas atitudes educacionais, devemos levar em consideração qual tipo de proposta apresentamos para nossos alunos quanto à abertura de possibilidades de libertação de modelos limitadores do emergir de competências individuais.

EDUCAÇÃO FÍSICA SEXISTA E REPRODUTORA DA DESIGUALDADE ENTRE OS SEXOS

A Educação Física, como disciplina integrante do currículo de nossas escolas, parte de pressupostos que integram objetivos para a formação de cidadãos. Não estamos afastados da proposição cultural que cerca a elaboração curricular. Estamos regulados por normas educacionais e culturalmente adequadas a propósitos socialmente aceitos.

Ao lidarmos com nossos alunos, além de encaixarmos nossos ensinamentos nas normas reguladoras do Estado, reproduzimos as normas culturais que permeiam a nossa sociedade. Nesse sentido, reproduzimos também as desigualdades que, historicamente, sutil, ou forçosamente demonstradas, separam por sexo e classes sociais, as possibilidades dos indivíduos, aos quais ensinamos, de inserção no mercado competitivo da sociedade capitalista na qual vivemos.

Os papéis desempenhados na sociedade obedecem a diferenciações, culturalmente reproduzidas, de acordo com o sexo do indivíduo. Ao homem cabe a independência, à mulher cabe a subordinação. À mulher cabe o privado, ao homem, cabe o público. Quando, em nossas aulas, definimos os critérios que utilizamos para o ato de ensinar, usamos fazê-los munidos de pré-conceitos sobre as possibilidades para atividades físicas de cada sexo. Usualmente, nas aulas de Educação Física, os meninos exercem atividades onde são pedidos movimentos amplos, como futebol, por exemplo. As meninas, no entanto são determinados os movimentos mais restritos, por exemplo, a brincadeira de pular elástico ou de casinha.

Mas, que princípio leva a maioria dos professores de Educação Física a elaborar aulas limitando atividades, aos sexos, e não às escolhas dos alunos ? Esta atitude serve a reprodução de desigualdades superestruturais, ou seja, ideologicamente determinadas, fruto de nossa cultura de padrão patriarcal. È o modelo, ainda, da casa-grande do engenho, com seu senhor e sua família ampliada pelos escravos e clientes. Nessa situação o homem é o senhor e, a mulher, a ele está submetida. Uma Educação Física que distingue atividades masculinas e femininas sob a ótica da limitação, principalmente das competências da mulher, é uma educação que perpetua a desigualdade e não permite a libertação que a atividade educacional deve empreender.

Os papéis sexuais que, culturalmente, cabem a cada sexo, são, em nossa sociedade, determinados ainda sob rigidez. Se menina ou menino deles destoam são punidos tanto pela família, quanto na escola. E, infelizmente, nós, professores, de forma costumaz, reproduzimos esta punição ao reforçarmos, através de atividades diferenciadas, cujo critério é o valor social, as desigualdades entre os sexos.

O corpo, trabalhado nas aulas de Educação Física, é preparado para exercer as atividades culturalmente determinadas para os sexos. A família, por um lado, a escola, por outro lado, reproduzem as desigualdades. Ambas instituições costumam reforçar estereótipos diferenciados de comportamentos sexuais. No caso da Educação Física, as atividades são diferenciadas de acordo com o sexo do aluno. O tratamento diferenciado leva a desempenho motor diferenciado. Enquanto o menino tem maior possibilidade de ampliar suas experiências motoras, através dos movimentos amplos, as meninas, mais contidas, são educadas com vistas a cumprirem seu papel social, o da submissão.

O ensino da Educação Física, que reproduz o modelo, cujo único critério é a tradição histórica e cultural dos papéis dos sexos, cai no risco de promover a desigualdade e criar barreiras à criatividade e ao desenvolvimento de competências individuais que, de forma nenhuma, estão sexualmente pré-determinadas.
Cabe, a nós, percebermos que as diferenças sexuais não devem ser limitações ao crescimento do aluno em suas atividades físicas e cognitivas. Deve-se levar em consideração que, se o fator biológico tem certa importância, ele não é o responsável pelos papéis que a mulher e o homem exercem na sociedade. Existem diferenças biológicas entre os sexos, mas estas diferenças não devem provocar a desigualdade nas conquistas de oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho ou de realização profissional. Uma Educação Física voltada para o gênero e para os anseios dos alunos, preocupada em buscar, nestes suas possibilidades, sem que isso signifique, limitações, traz respostas mais amplas para o enfrentamento da divisão sexual do trabalho ainda imposta pela nossa sociedade com ranço patriarcal.

CONCLUSÕES

Compreendendo a Educação Física como parte integrante do todo educacional, em prol da construção do indivíduo pleno, percebo, que o ensino desta disciplina, além de trabalhar o desempenho físico dos alunos deve colaborar, também para a melhora de seu desempenho cognito e percepção crítica da realidade.

A Educação Física sexista, nestes termos, limita as possibilidades dos alunos de ambos os sexos, pois atribui limitações baseadas em atribuições sexuais culturalmente determinadas e restringe as possibilidades de crescimento em base de igualdade de oportunidades.

BIBLIOGRAFIA

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