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As estimativas sobre os impactos e legados positivos proporcionados pela realização de megaeventos esportivos como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de futebol costumam ser extremamente otimistas. Experiências anteriores revelam que os resultados desse esforço ficam muito aquém das projeções feitas tanto pelos dirigentes esportivos quanto pelas autoridades dos países-sede. "Em geral, as avaliações são muito precárias ou levam em conta condições que dificilmente serão concretizadas", afirma o professor Marcelo Weishaupt Proni, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O docente considera, entretanto, que dependendo da forma como o Mundial de 2014 e as Olimpíadas de 2016 forem organizados e do modo como os seus resultados forem avaliados, os investimentos podem ser legitimados e a própria democracia pode ser fortalecida.

De acordo com o docente, que há 15 anos pesquisa temas que relacionam a economia ao esporte, a realização das duas competições por parte do Brasil pode ser importante para o país criar uma atmosfera de otimismo, o que tende a contribuir para a atração de investimentos e para a geração de emprego e renda. "Grandes eventos como a Copa e as Olímpiadas funcionam como catalisadores. A premissa, entretanto, é que a sociedade estabeleça mecanismos para influenciar na tomada de decisões e exigir a prestação de contas por parte das autoridades. Nesse sentido, a experiência pode se constituir em um importante aprendizado para o país", assinala Proni.

O professor lembra que a ideia de criar formas de acompanhamento da qualidade e da quantidade dos gastos públicos é fundamental para que se evite o que ocorreu por ocasião da organização dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro. Na época, houve pouca discussão e consequentemente pouca transparência em torno da aplicação dos recursos públicos. A consequência foi que o orçamento projetado originalmente para o evento dobrou de tamanho, sendo que o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou uma série de irregularidades nos procedimentos adotados, entre elas o superfaturamento de obras.

Na opinião de Proni, é importante que quatro questões sejam respondidas em relação à promoção tanto da Copa quanto dos Jogos Olímpicos: 1) Quanto custará ao país o privilégio de sediar os eventos?; 2) Como serão divididos tais custos?; 3) Quem vai lucrar com a realização das competições?; 4) Quais os legados desejados e quais os ônus indesejados? Questionado se considera que essas questões têm sido devidamente esclarecidas, o docente diz que algumas medidas positivas têm sido adotadas no sentido de tornar as ações mais transparentes. "Nós temos observado uma preocupação dos meios de comunicação de debater esses pontos. O governo também tem criado comissões em diversas instâncias para fiscalizar os projetos e o uso dos recursos públicos. É claro que as respostas àquelas quatro perguntas são ainda provisórias e terão que ser revisadas várias vezes", analisa.

Acerca dos impactos e legados que os megaeventos esportivos podem proporcionar ao Brasil, Proni considera importe fazer a diferenciação entre ambos. Segundo ele, os primeiros dizem respeito aos efeitos imediatos causados pela preparação e execução das competições. É o caso da geração de emprego, por meio da ativação da construção civil, e do aquecimento do turismo nas proximidades e durante os eventos. Já os legados tendem a ser mais duradouros. "Um aspecto importante a considerar é que os impactos e os legados podem ser positivos ou negativos. Além disso, eles também têm alcance e intensidade diferentes. As Olimpíadas tendem a produzir consequências mais concentradas, principalmente na cidade-sede, no nosso caso o Rio de Janeiro. Já a Copa tem a característica de distribuir os efeitos pelo território nacional. Nesse sentido, considero esta última mais interessante", destaca.

Para o professor do IE, é preciso olhar em retrospectiva para verificar que os legados dessas competições esportivas costumam ficar abaixo do alardeado. "É difícil controlar todas as variáveis envolvidas nesse tipo de iniciativa. Frequentemente, as previsões levam em conta muitas condicionantes. Ou seja, se isso, aquilo e aquilo outro acontecer da forma como se espera, então os resultados serão tais. É preciso ocorrer uma complexa conjugação de fatores para tudo acontecer como o projetado. Na realidade, grandes eventos como estes servem como catalisadores. Por exemplo: quando se estabelece um cronograma para a reforma dos aeroportos, isso acaba sendo importante, visto que as intervenções teriam que ser feitas algum dia. Entretanto, quando se tem um deadline, o horizonte fica mais claro. O outro lado dessa moeda é que obras que têm que ser tocadas em curto espaço de tempo normalmente custam muito mais caro", ressalva Proni.

Os legados, prossegue o professor da Unicamp, têm várias dimensões. Um dos mais enfatizados é o esportivo. Diz-se com frequência que a organização das Olimpíadas, por exemplo, fomenta a prática de esporte no país-sede e deixa para a sua população um valioso complexo esportivo. "A coisa não é bem assim. Para que seja perenizado, esse legado vai depender muito da articulação entre os Jogos e a política de esporte do país. Será que vamos conseguir promover essa coesão e aproveitar de fato o que o evento pode nos proporcionar de melhor? Será que vamos construir novos centros de treinamentos pelo território nacional e fomentar as modalidades que hoje contam com pouco apoio? Ou será que o legado vai ser simplesmente a infraestrutura construída, que por si só não tem capacidade de solidificar a cultura esportiva no país?", indaga Proni.

Historicamente, explica ele, as possíveis heranças deixadas por megaeventos esportivos começaram a ser enfatizadas com mais força a partir dos 90. A razão é justificar os investimentos pesados, notadamente os de origem pública, para viabilizar as competições. Proni afirma que os recursos arregimentados pelo marketing esportivo normalmente custeiam a organização das Olimpíadas ou da Copa. Entretanto, não são suficientes para bancar a infraestrutura que elas demandam. "Por que é necessário fazer toda uma reforma urbana no Rio de Janeiro para que a cidade possa receber os Jogos? Em princípio, não haveria essa necessidade. Ocorre, porém, que o Comitê Olímpico Internacional (COI) exige um padrão muito elevado. Ou seja, é preciso executar uma série de intervenções, que vão da melhoria do transporte ao incremento das comunicações. O mesmo vale para a Copa, mais fortemente em relação aos estádios, que precisam ser construídos ou modernizados. Ao cabo de tudo, os benefícios prometidos pelos eventos concentram-se mais no campo da infraestrutura urbana", considera.

Ademais, reforça Proni, há que se falar também dos possíveis legados negativos que os Jogos e a Copa podem deixar para um país. Um caso emblemático nesse sentido é o de Atenas, que organizou as Olimpíadas de 2004. A cidade havia planejado um montante de gastos, mas o orçamento sofreu grande descontrole. Foi preciso investir muito mais do que o projetado em segurança, por causa do medo de um possível ataque terrorista, potencializado pelos atentados de 11 de Setembro. Para completar, o país, que sempre foi um importante destino turístico, não recebeu o número de visitantes que esperava durante o evento. Ao contrário, muitas pessoas decidiram não viajar à Grécia para evitar um local superlotado e com preços inflacionados. "Tudo isso provocou um impacto negativo nas contas públicas. Vale ressalvar, no entanto, que a crise vivida hoje pela Grécia não está diretamente ligada ao endividamento causado pelas Olimpíadas".

Conforme o docente do IE, muito provavelmente os gastos que serão feitos pelo governo brasileiro para a realização dos dois megaeventos esportivos não serão compensados pelo aumento de arrecadação. "Haverá algum aumento [de arrecadação], mas certamente não o que vem sendo estimado. O maior retorno que pode ser obtido pelo governo, me parece, é no campo político. Ou seja, se o Brasil conseguir organizar bem os dois eventos, isso dará uma visibilidade importante para o país e para as autoridades responsáveis, tanto interna quanto externamente. Afinal, fazer eventos desse porte exige uma complexa capacidade de organização. A África do Sul demonstrou isso em relação à Copa do Mundo de 2010. O país disse ao mundo que era capaz de promover o torneio de forma digna, dentro dos seus limites. Ficaram, claro, alguns estádios que são tidos como elefantes brancos, mas a experiência fez bem àquela sociedade. Se o Brasil conseguir fazer o mesmo, terá passado uma imagem positiva ao mundo. Do contrário, o resultado poderá ser que fiquem em evidência problemas como a incompetência administrativa e a falta de segurança pública. Nesse caso, as pessoas envolvidas com a preparação e a organização dos eventos poderão ser responsabilizadas pelos seus erros", adverte Proni.

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