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Doutor Victor Matsudo. Médico Especialista em Ortopedia e Traumatologia e em Medicina do Esporte. Doutor e Livre-docente em Medicina e atual Diretor Científico do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs). Coordenador Geral do Programa Agita São Paulo da Secretaria de Estado da Saúde. Consultor do Grupo Internacional de Atividade Física para Saúde (International Consultative Group on Active Living) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Vice-presidente e Diretor para América Latina do Conselho Internacional de Ciências do Esporte e Educação Física (ICSSPE/CIEPSS), órgão da Unesco. Editor científico da Revista Brasileira de Ciência e Movimento desde 1987. Editor da Revista Brasileira de Medicina do Esporte, Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde, Revista da APEF de Londrina, Revista Kinesis, Revista Artus, Revista Âmbito de Medicina Esportiva, Revista Paranaense de Educação Física, Revista Movimento, European Physical Education Review e Acta Colombiana de Medicina del Deporte. Membro da American College of Sports Medicine e do American Academy of Kinesiology and Physical Education, da International Society for the Advancement of Kinanthropometry e do Comitê Executivo do International Council for Physical Activity and Fitness Research (ICPAFR).

RAS – Doutor Victor, o senhor se envolveu com Medicina Esportiva, Fisiologia do Esporte, Ortopedia e Medicina Preventiva. Fale um pouco de sua trajetória profissional, dessa sua prática médica anfíbia – curativa e preventiva.

Victor Matsudo – Estudei Medicina na Santa Casa de São Paulo e fiz um semestre do internato na área de Medicina do Esporte na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Voltei ao Brasil, formei-me e voltei aos Estados Unidos. Minha residência Médica realizei também na Santa Casa. Acabei estagiando em Toronto, no Canadá, na University of California, Los Angeles (UCLA), em Berkeley e em Oklahoma nas áreas de Saúde Pública, Ortopedia, Medicina do Esporte e Fisiologia do Esporte. Quem me incentivou muito a fazer esse intercâmbio foi o Professor José Hungria Filho, do Departamento de Ortopedia da Santa Casa de São Paulo. Tenho que reconhecer e agradecer todo o apoio. Ele entendia que devíamos buscar no exterior os conhecimentos mais avançados em Medicina e trazê-los ao Brasil... Isso foi em 1973. Voltando ao Brasil, fiz especialização em Medicina do Esporte na Universidade de São Paulo (USP). Fiz as disciplinas do doutorado na Faculdade de Medicina da Santa Casa e obtive título de livre-docência na Universidade Gama Filho (UGF), no Rio de Janeiro. Há pelo menos 15 anos não exerço atividades cirúrgicas, dedicando-me ao consultório de ortopedia, às atividades didáticas na Santa Casa de São Paulo, aos Programas de Promoção da Saúde como o Agita São Paulo, à Rede da Atividade Física das Américas, ao Agita Mundo Network e evidentemente ao Celafiscs.

RAS – O que é o Celafiscs?

VM – É uma história um pouco longa... Começou com um grupo de jovens de São Caetano do Sul nos anos 1960, o Tijucussu Clube... Mas, resumindo... São Caetano sempre teve muita tradição em esportes amadores, em esportes estudantis. Esse grupo de jovens articulou a criação da Olimpíada Colegial, em pleno 1968, que teve grande repercussão. Tanto que o evento passou a fazer parte do Calendário Oficial da Secretaria de Estado de Turismo, trazendo um governador de Estado (Laudo Natel) pela primeira vez em visita oficial ao município para a cerimônia de abertura da Olimpíada. Nos anos seguintes, os eventos esportivos e a prática de esportes nas escolas tomou corpo e não demorou muito para que se detectasse a necessidade de um órgão que avaliasse o efeito dos programas de treinamento propostos pelas escolas nas crianças e adolescentes de uma forma mais científica. Surge, então, em 1974, o Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs), com o objetivo de avaliar os resultados das práticas deportivas daqui (São Caetano) e de estabelecer padrões de aptidão e de atividade física brasileiros, pois até então todos os parâmetros eram norte-americanos. Um dado que quero destacar é que o Celafiscs surgiu como órgão do Departamento de Esportes da Prefeitura Municipal, com ampla autonomia técnica... Um centro de pesquisas desvinculado da universidade e dos Governos Estadual e Federal na época do regime militar. Outro dado que quero lembrar é o centro de pesquisas fora das capitais – São Paulo, Rio, Brasília, Belo Horizonte... independente tecnicamente. E que deu e vem dando expressiva contribuição à prática desportiva... Já ganhou vários prêmios... Como o Grande Prêmio Internacional de Medicina Esportiva dos Jogos Olímpicos de Barcelona, em1992, e o Grande Prêmio do Príncipe Faisal da Federação Internacional de Educação Física (Fiep), em 1996. Mais recentemente, ganhou, no México, o Prêmio do Instituto Carlos Slim, de Instituição Excepcional, em função do trabalho de promoção da saúde realizado na América Latina. O CELAFISCS é a base do Agita São Paulo...

RAS – Então, fale um pouco do Agita São Paulo... Quais os objetivos, como o iniciou e como ele está evoluindo...

VM – Em 1994, numa reunião docente na Santa Casa de São Paulo, o Doutor José da Silva Guedes, da Medicina Social, comentando a montagem da equipe de governo de Mario Covas como governador do Estado, convidou-me para lançar um programa de promoção da saúde baseado no combate ao sedentarismo e na mudança de atitudes, com grande abrangência e de baixo custo... Trouxe a demanda para o CELAFISCS, onde estudamos os modelos existentes à época, e fomos formatando o que vem a ser hoje o Agita São Paulo cuja mensagem básica é “Faça pelo menos 30 minutos de atividade física por dia”, na maior parte dos dias da semana, de intensidade moderada, de forma contínua ou acumulada. O programa tinha e tem dois objetivos: aumentar o nível de conhecimentos sobre os benefícios da atividade física para a saúde dos indivíduos e elevar o nível de atividade física da população. O programa aponta para três grupos populacionais prioritários: escolares, trabalhadores e idosos. Pelo diagnóstico feito inicialmente, detectamos que 70% da população do Estado de São Paulo em 1994 era sedentária; hoje, esse número é inferior a 50%. Em 1997, foi lançado o Agita São Paulo e, dado o sucesso alcançado em 1999, foi lançado o Agita Brasil pelo ministro Serra, no governo de Fernando Henrique Cardoso. No início dos anos 2000, o programa expandiu-se para outros países... Só para dar alguns exemplos: Muevete Bogotá, Amover-se Argentina, para a Costa Rica, países do Caribe, sendo criada a Rede de Atividades Físicas das Américas, coordenada pelo CELAFISCS e eu sendo o coordenador dessa rede. O programa foi tomando grandes proporções... Em 2002, no dia 7 de abril, no Dia Mundial da Saúde, a Organização Mundial de Saúde (OMS) promoveu o dia Agita Mundo – Move for Health e a Diretora Geral da OMS, Doutora Gro Brundtland, veio fazer o lançamento mundial do evento na cidade de São Paulo. Em 2003, o programa Agita Brasil foi suspenso para reavaliação, isso no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2007, quando da comemoração dos dez anos do Agita São Paulo, junto do governador Alckmin, o prefeito José Serra e o secretário Doutor Barradas, estava presente o ministro da Saúde, Doutor José Gomes Temporão, que inclusive participou da caminhada. O ministro estava lançando o Programa Nacional de Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, que visa estimular e apoiar técnica e financeiramente projetos de municípios empenhados no desenvolvimento de atividades físicas. Atualmente, já é algo em torno de 400 municípios, sendo 72 no Estado de São Paulo, e muitos deles ligados ao Agita São Paulo. Agora, estamos construindo o Agita Mundo Network, que já envolve 72 países nos 5 continentes.

RAS – Quem Avalia o Agita São Paulo?

VM – A adesão de municípios e entidades é uma indicação do sucesso do programa... Temos algumas avaliações... O Centers for Disease Control and Prevention (CDC de Atlanta) fez uma avaliação e concluiu tratar-se de um programa Cost Saving, ou seja, um programa que devolve todo o investimento e ainda dá lucro. A cada ano, 520 mil pessoas deixam de ser sedentárias em São Paulo, proporcionando ao Sistema Único de Saúde (SUS) a economia de 310 milhões de dólares por ano, de acordo com o Banco Mundial, graças às morbidades prevenidas... No site do CELAFISCS (http://www.celafiscs. institucional.ws/) estão vários trabalhos nesse sentido.

RAS – Como respondem as entidades médicas?

VM – Bem, a Associação Paulista de Medicina (APM) tem nos dado total apoio desde a gestão do José Luiz Amaral, que é um incentivador do Agita, assim como o Jorge Cury... A Associação Brasileira de Promoção da Saúde (ABPS) é parceira de primeira hora; participo dela, atualmente, como vice-presidente e estamos construindo uma agenda comum muito rica. Várias outras associações médicas, como a Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) e outras, apoiam-nos bastante, como a própria Associação Médica Brasileira (AMB).

RAS – Quanto ao modelo de Gestão, vocês seguem algum?

VM – Não sei se você conhece, mas trabalhamos com um modelo ecológico denominado Gestão Móbile, proposto por Sallis e Owen em 1997, para a promoção da atividade física, que envolve fatores pessoais, do ambiente social e físico: natural ou construído. Esse modelo tem sido considerado como um dos mais eficientes, pois não se centra apenas na pessoa, mas também aborda outros determinantes. Há um artigo que publicamos na revista Diagnóstico e Tratamento da APM em que detalhamos esse modelo.

RAS – Vivemos num tempo em que a obesidade e as doenças derivadas do sedentarismo assumem grandes proporções. Como resolver ou, pelo menos, começar a enfrentar essa situação? A formação médica atual, bem como a dos demais profissionais da área da Saúde está adequada aos novos tempos?

VM – A prática médica cada vez mais caminha para um tecnicismo... É mais fácil prescrever um remédio ou fazer uma cirurgia bariátrica para resolver a obesidade... Precisamos inverter essa lógica... Precisamos construir saúde... dietas adequadas, exercícios físicos e combate ao sedentarismo... Menos controles remotos e mais caminhadas. Nos últimos sete anos, só para você ter uma ideia, triplicaram os gastos com medicamentos do SUS, no Ministério da Saúde. Foi de 1,4 para 4,6 bilhões de reais. Triplicaram os níveis de saúde? Eu pergunto: onde vamos parar? Os valores pagos pelo procedimento para angioplastia aumentaram em 420% nos últimos sete anos, para uma inflação oficial no período de menos de 40%

RAS – Como o senhor avalia o atual estágio de implantação do SUS, 22 anos após sua inserção como política pública na Constituição Federal de 1988?

VM – O SUS é um sistema muito bom em sua concepção teórica. É a melhor resposta que um Estado pode oferecer ao seu povo... Assistência universal e integral... Agora, estamos em fase de construção desse sistema, com todas as dificuldades políticas, financeiras e principalmente das grandes diferenças sociais e culturais e de estilos de vida existentes no Brasil.

RAS – E quanto aos planos de saúde? Eles têm forte repercussão na mídia, embora cubram 50 milhões de brasileiros frente a outros 140 milhões que têm no SUS sua única oportunidade de atendimento. Nessa área todos reclamam. As operadoras, os médicos, os hospitais e os usuários. Parece que ninguém está satisfeito com a situação atual, entretanto não se desamarra o setor. Qual sua opinião sobre essa situação que afeta esse importante segmento de assistência à saúde?

VM – É muito recente a preocupação com a promoção da saúde e com a prevenção, por parte dos convênios... A revista Circulation publicou um artigo em 2004 mostrando que a sobrevida média em um grupo de pacientes com stent coronariano foi três vezes menor que a de um grupo controle submetido apenas a medicação e a um programa de atividades físicas regulares...

RAS – Na área da Medicina assistencial curativa temos muitos problemas, tanto pelo lado do SUS como das operadoras de saúde...

VM – Como médico, posso pedir uma “ressonância” e prescrever um “stent” ou um “marca-passo” para algum paciente que ele será encaminhado, mas se eu prescrever “atividade física”, “sessões de ginástica” ou “musculação” dificilmente ele conseguirá atendimento tanto no SUS como pelos convênios.

RAS – Você está propondo (desculpe o trocadilho) os programas “musculasus” ou “malhasus” ?

VM – Não, Ivomar... Proponho o Agita São Paulo... Ou, melhor ainda, o Agita SUS... Usar espaços livres, espaços das Unidades Básicas de Saúde (UBSs)... Isso dispensa locais fechados e não depende de academias nem sempre acessíveis sob aspecto físico e de localização e também financeiro... Precisamos somente de espaços livres nos bairros, nas praças, nos condomínios... Espaços públicos e, principalmente, incentivo e orientação... Precisamos mudar o comportamento e o estilo de vida das pessoas...

RAS – Os principais enfoques da Medicina Preventiva direcionamse para a promoção, proteção da saúde e para a prevenção de agravos e doenças. Em sua opinião, como estamos caminhando nesse sentido?

VM – Há algum tempo venho trabalhando na difusão do que chamo de “construção da saúde”. Isso significa atuar em três vertentes: atividade física, alimentação adequada e saúde mental. Entendo que é a partir desse tripé se que constrói saúde. Nesse sentido, vejo o Programa de Saúde da Família (PSF) como um local importante para a difusão dessas ideias. A penetração e a extensão do PSF permitem levá-las aos locais mais distantes do país. Aqui em São Caetano do Sul fizemos parceria com algumas equipes do PSF para um trabalho de pesquisa e detectamos que as mulheres frequentadoras dos grupos de atividade física e as que faziam exercício regularmente, quando comparadas com as sedentárias, de mesma faixa etária e patologia, reduziram em mais de 50% a ingestão de medicamentos.

RAS – Deixe uma mensagem final.

VM – Nessa perspectiva de construção da saúde, precisamos cada vez mais mostrar os perigos do sedentarismo e atuar para a mudança no comportamento e no estilo de vida das pessoas... A partir daí, construiremos saúde... 

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