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Não fosse uma pandemia gerada pelo covid-19 hoje seria dia de escrever sobre a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, das primeiras medalhas conquistadas e de lamentos por aqueles que tinham tudo para chegar, mas que por fatalidade ou irresponsabilidade permaneceram em suas casas assistindo à busca da realização de sonhos alheios. 

Celebração quadrienal, aguardada por muitos como o ápice de uma carreira, os Jogos Olímpicos de Tóquio são a prova maior do impacto gerado por uma doença implacável. Foi mais veloz do que qualquer corredor ou nadador de 100 metros. Foi mais forte do que os melhores halterofilistas. Mais ágil do que os melhores atacantes das modalidades coletivas. E mais implacável do que qualquer árbitro diante de uma falta. O orthocoronavirinae foi capaz daquilo que nem Jimmy Carter conseguiu em 1980, nos Jogos Olímpicos de Moscou, nem Konstantin Chernenko, em 1984, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, ou seja, impedir a realização dos Jogos Olímpicos.

E se estou aqui a escrever sobre isso é porque a celebração se tornou um lamento. Tanto por aqueles que não podem competir como por quem não poderá mais uma vez se permitir fascinar pela habilidade singular, sobre-humana, de quem compete. 

Por isso o desejo de ir para Pasárgada, onde Manuel Bandeira se disse amigo do rei. Lá, além da aventura de tal modo inconsequente seria possível fazer ginástica, andar de bicicleta, montar burro brabo, subir em pau-de-sebo e tomar banhos de mar, certamente sem a necessidade do uso de máscara ou álcool em gel. Em se podendo tudo isso os atletas estariam executando seus planejamentos de treino e estariam próximos do pico desejado para a competição olímpica. 

Mas, o que de fato conseguimos, foi uma autorização para que um grupo de atletas desembarcasse em Portugal para de lá pudessem recomeçar uma vida próxima daquilo que existia antes de março passado. A hospitalidade lusitana afirma o lirismo do fado tropical que vaticinou nosso destino de nos tornar a imensa metrópole europeia. É sempre bom lembrar que nossos patrícios passaram com rigor pela necessária quarentena, cumpriram as normas de isolamento e distanciamento e se tornaram um dos países com o menor número de mortos pelo vírus. 

E uma vez mais a canção explica. “E se a sentença se anuncia bruta. Mais que depressa a mão cega executa. Pois que senão o coração perdoa.” Na falta da execução, sobrou perda, assombro, vazio.

Não haverá Jogos Olímpicos em 2020. E meu querido amigo Raoni Machado passará suas noites em claro, não para assistir competições, mas para preparar as aulas que agora são remotas até que o assombro da contaminação permita que seus estudantes voltem a se sentar às dezenas para discutir e compreender os textos sobre os Jogos da Antiguidade. 

Não haverá Jogos Olímpicos em 2020. E eu não verei o entusiasmo insano de Rovilson Freitas que em 2016 saia voluntariamente de São Paulo para ensaiar e depois se apresentar na cerimonia de abertura. Não bastasse isso ainda transformou sua paixão em uma dissertação em TI.

Não haverá Jogos Olímpicos em 2020. E não verei a correria de Natália Quintílio e Maria Alice Zimmermann falando sobre ideias e valores olímpicos em escolas públicas, ensinando uma utopia secular a crianças que também acreditam ser possível mudar o mundo.

Não haverá Tóquio 2020. Mas ainda assim afirmo. Como em Pasárgada, quando eu estiver triste, mas triste de não ter jeito, lá sou amiga do rei.