Integra

             Também concorre ao aperfeiçoamento das características psicológicas, emocionais e éticas de todas as idades e de cada um dos sexos. Nada esquece na motricidade humana, sob o ponto de vista biológico, funcional e do anseio inapagável de transcendência. Pretende dar, de facto, ao praticante força, velocidade, “endurance”, resistência, coordenação e… saudáveis hábitos de vida. Não se limita a concorrer ao surgimento de “bestas esplêndidas”, ou mesmo animais racionais com impecável coordenação neuromotora. É mais ambicioso: quer ser um fator de transformação das estruturas sociais e políticas, porque rejeita um Desporto centrado unicamente no êxito e portanto onde tudo vale, principalmente a corrupção; porque se afasta do “panem et circenses” das turbas massificadas e alienadas; porque exige regras precisas, igualdade de oportunidades e quer ser um meio de o Homem se exercitar na construção de um mundo mais justo e mais fraterno.

               Este é o Desporto em que mais acredito. Conserva intacta a função biomédica da prática desportiva. Mas acredita firmemente que tem, igualmente, uma função profundamente educativa, na e para além da Escola, por outras palavras: que se situa na esfera da responsabilidade social. E, porque se situa na esfera da responsabilidade social, acredita no espetáculo desportivo, sem o bramido convulso de um clubismo ou de um regionalismo cegos, sem corrupção, sem violência, sem ódio, embora cultivando convictamente a capacidade de esforço, de bravura, de sacrifício, em prol de um ideal que procure responder às cinco grandes interrogações que iniciam o livro O Princípio Esperança, de Ernst Bloch: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Que esperamos? O que nos espera?... No espetáculo desportivo deve ressoar, ressuscitar o idealismo competitivo de todos os que lutam por um mundo, sem o império de um economicismo que já se confunde com a globalização.

               Este é o Desporto em que mais acredito. Pode não ostentar, em gestos orantes, os melhores jogadores e atletas do mundo; pode não ter a forma corporal de uma epopeia; pode não ter por si estádios monumentais, ginásios e centros de treino com as últimas invenções da tecnologia; pode não ser notícia nas primeiras páginas dos jornais, ou nas redes sociais, ou na rádio, ou na televisão – mas tudo considera instrumental, em relação ao ser humano. Tudo! Sem esquecer o treino e a competição e a medicina e a psicologia do Desporto. Jean-Paul Sartre chegou a escrever que “o inferno são os outros”. O Desporto, em que mais acredito, como um dos aspetos da motricidade humana, ensina, ao contrário do “pai” do existencialismo francês, que o Inferno é a ausência dos outros e que o outro não é uma coisa, entre as coisas, mas sujeito, com a sageza e a força suficientes, para questionar o poder e levantar problemas e escolher objetivos e tomar consciência de si mesmo, como criador.     

               Este é o Desporto em que mais acredito. Não se limita ao estudo e à prática das aptidões físicas, das qualidades físicas, das habilidades físicas, dos desempenhos unicamente físicos. E sabe que o conhecimento, como a obra de arte, não se resume a um reflexo da realidade, à descoberta de um sentido que já existisse escondido nas coisas, mas ao ato de atribuir um sentido às próprias coisas. Daí, o sentido que ouso dar, hoje, dia 18 de Maio de 2019, à 37ª. vitória do Benfica no Nacional de Futebol da Primeira Divisão: que do desporto de alto nível nasça um homem novo com estas duas características inalienáveis: um militante da revolta contra todas as alienações (com forte componente da desconstrução propugnada por Derrida); um poeta da criação de um mundo diferente, onde o conhecimento-emancipação se concretize num mundo em vias de emancipar-se. E que também a Quarta Revolução Industrial não se esgote na tecnologia e no digital, mas que assuma, sem receio, aqueles valores, sem os quais impossível se torna viver humanamente.

               O desporto que reproduz e multiplica as taras da sociedade capitalista (amplamente visíveis também no Capitalismo de Estado, mascarado de Socialismo, que por aí sobrevive e vegeta e… oprime) ainda não se converteu num humanismo planetário, respeitador do vínculo indissolúvel entre a unidade e a diversidade humanas. O seu crescimento vem acompanhado de novas corrupções, da sede imparável do lucro, da incompreensão do outro, do mais exacerbado individualismo. O desenvolvimento (desportivo e não só) que oferecemos aos povos subdesenvolvidos tornou-se no nosso maior problema. Sociedades fundadas sobre o mercado e a concorrência resultam inevitavelmente em fragmentação, em atomização. O Desporto em que mais acredito apela às capacidades criativas da humanidade, para que do seu exercício desponte uma outra História que deve ser imediatamente pensada, porque ainda está por nascer