Resumo

A Educação Física (EF) escolar no Brasil passa por um momento bastante delicado. Situações como a diminuição de carga horária dessa disciplina nas escolas e a sua baixa presença no planejamento curricular nacional para o Ensino Médio, são indícios que a sociedade atribui pouca importância a esse componente curricular no ambiente escolar. Colabora para isso o fato de que mesmo com o aumento do número de professores atuando com práticas inovadoras nos últimos anos, o modo tradicional – centrado em poucas modalidades esportivas – e os casos de abandono docente ainda são maioria nas aulas da EF brasileira. Frente a isso, pesquisadores que assumem um posicionamento propositivo, para além de criticar as atuações dos professores nas escolas, têm apontado a formação continuada como uma possibilidade de mudança. No entanto, o formato da maioria das formações para os docentes de EF apresenta características de carga horária reduzida, poucos encontros e desconsideração pelos saberes e interesses dos professores. A partir desse diagnóstico, chega-se ao entendimento que passa a ser fundamental o investimento público em formação continuada de longo prazo baseada em estudos colaborativos com os professores. Tendo esse contexto como referência, esta pesquisa se centra na seguinte questão: de que modo um processo de formação continuada de longa duração, pautado nos pressupostos de uma EF renovada, pode contribuir para uma mudança na concepção de ensino de professores na qual o direito a aprender a pluralidade dos temas da cultura corporal de movimento seja central? Especificamente, buscou-se: compreender os conceitos e sentidos que orientam os docentes no processo de ensino na EF escolar; verificar a ocorrência – ou não – de uma mudança nas concepções dos professores em relação aos processos de ensino em decorrência de uma formação continuada oferecida; identificar os fatores que possibilitam a mudança na concepção de ensino dos professores; analisar como o formato e a condução da formação continuada, na lógica de uma experiência colaborativa, potencializa o processo de mudança de concepção. Para tanto, operou-se metodologicamente com a realização de uma investigação de abordagem qualitativa, caracterizada como uma pesquisa documental com a utilização de dados secundários como técnica de levantamento/aquisição de informações. Mais precisamente, foram analisados os seguintes documentos: materiais didático-pedagógicos produzidos por professores, anotações realizadas por docentes, imagens, transcrições das falas dos professores, um questionário com questões abertas, entrevistas com os participantes, anotações de um acadêmico-bolsista que acompanhou os encontros. Todos estes materiais são de propriedade da 36ª Coordenadoria Regional de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, responsável por uma formação continuada que contou com a participação regular de 15 professores de EF, em 26 encontros de estudos realizados de novembro de 2015 a agosto de 2018. A análise dos documentos permite afirmar que: a) os professores possuem concepções prévias, enraizadas ao longo de sua vida profissional, que freiam o processo de mudança de concepção; b) à medida que o sentido da EF na escola não é claro para os docentes, eles não têm certeza sobre o que ensinar. Consequentemente, optam por abordar alguns esportes com os quais sentem-se mais à vontade; c) os professores se mostram incomodados com essa forma de atuação uma vez que não conseguem oportunizar aos alunos a aprendizagem acerca da pluralidade de temas da cultura corporal de movimento; d) ao tomarem contato com temas que desconheciam, os docentes passaram a suspeitar de suas concepções e de suas atuações nas aulas. Em consequência, emergiu um estado de angústia que diminuía ou aumentava de acordo com o que fazia sentido para eles; e) todos os participantes da formação continuada alteraram suas concepções de ensino sobre a EF escolar, contudo em níveis distintos. A partir da ideia de gradualidade, constatou-se que não houve um momento único gerador de mudança, ao contrário, vários fatores influenciaram a constituição de novos saberes, sendo os principais: o direito dos alunos aprender a pluralidade de temas da cultura corporal de movimento, a experimentação corporal dos temas estudados e a construção coletiva de uma proposta curricular para a EF em âmbito regional; f) o formato e a condução da formação continuada pelo viés dos estudos colaborativos, considerando as opiniões dos professores e incentivando sua participação ativa, foram fundamentais para as transformações nas formas de compreender a EF escolar.

Acessar Arquivo