Integra

Dentro da nossa sociedade busca-se um embasamento cientifico para que as diferenças anatômicas entre mulheres e homens sejam justificadas, não somente no que diz respeito a características físicas, mas também cognitivas e emocionais. Nesse ínterim, os termos sexo e gênero são muitas vezes utilizados com o mesmo sentido, proporcionando considerável confusão teórica. O sexo, entretanto, pode ser considerado como uma referência para as categorias de masculino e feminino, sob o aspecto biológico, enquanto gênero refere-se à soma das características psicossociais consideradas apropriadas aos membros de cada grupo sexual. A ênfase no gênero e não no sexo, vem sendo defendida por diversos autores ao considerar que o termo gênero se refere aos significados e atribuições que a sociedade dá ao conceito de homem e mulher. Já o sexo se refere ao aspecto biológico de ser masculino ou feminino.

Antes de iniciar a discussão sobre a teoria da identidade de gênero, é interessante um esforço para uma melhor compreensão dos termos utilizados no presente estudo. O sexo, pode ser considerado como uma referência para as categorias de masculino e feminino, sob o aspecto biológico, enquanto gênero refere-se à soma das características psicossociais consideradas apropriadas aos membros de cada grupo sexual (D’AMORIM, 1989; DEAUX, 1985; KATZ, 1984; LENNEY, 1991).

A ênfase no gênero e não no sexo, vem sendo defendida por diversos autores, como Lott (1997), ao considerar que o termo gênero se refere a significados e atribuições que a sociedade dá ao conceito de homem e mulher, enquanto que sexo se refere ao aspecto biológico de ser masculino ou feminino, dividindo, assim, todas as espécies animais em dois grupos com base num critério estrutural relacionado a capacidades e funções reprodutivas.

A partir da década de 50, os fundamentos biológicos da rígida divisão de papéis entre os sexos passaram a ser questionados pelos cientistas sociais. Esses, movidos pelas pressões do movimento feminista (ZAFARIK, 2002) e das evidências colhidas em diferentes sociedades, atestando que os homens tinham condições de realizar tarefas femininas e vice-versa (LEIBOWITZ, 1997), passaram a endossar o argumento de que ao invés do sexo, deveria ser considerado o gênero. A lógica é que o sexo permite a classificação do indivíduo a partir de uma ótica biológica, enquanto que o gênero permitira uma análise a partir de uma perspectiva psicológica, uma vez que refere-se à soma das características psicossociais consideradas apropriadas a cada sexo.

Muitos autores consideram os termos masculinidade e feminilidade com um sentido aparentemente óbvio, sem a necessidade de definição. Entretanto, conforme foi considerado no presente estudo, uma característica é qualificada como masculina se for julgada, de acordo com o contexto social, ser mais típica dos homens do que das mulheres. Da mesma forma, uma característica é qualificada como feminina se julgada, de acordo com o contexto social, ser mais típica das mulheres do que dos homens. A atenção ao contexto social se faz importante porque a cultura delimita o significado de masculino e feminino e define padrões de papel de gênero (YODER; KAHN, 2003).

Tendo em vista a forte associação dos termos masculinidade e feminilidade com o aspecto biológico, tem havido um interesse em substituí-los. Assim, o termo instrumentalidade tem sido freqüentemente utilizado em substituição ao termo masculinidade, referindo-se a qualidades orientadas para metas, como independência, capacidade de decisão e habilidades de liderança, entre outras, mais tipicamente encontradas nos homens. O termo expressividade, por sua vez, é freqüentemente empregado em substituição ao termo feminilidade, referindo-se a qualidades orientadas para o relacionamento interpessoal, como bondade, sensibilidade e submissão, entre outras, mais tipicamente encontradas nas mulheres (SPENCE, 1984).

O gênero refere-se à construção cultural das características masculinas e femininas. A feminilidade e a masculinidade são aprendidas culturalmente, mas a idéia que temos do masculino e do feminino pode variar de cultura a cultura, e também historicamente. O gênero é uma categorização vivida e imposta que leva à identificação de determinadas pessoas considerando-as enquanto pertencentes a um conjunto homogêneo. O gênero é um construto sociocultural que normaliza os comportamentos esperados por parte de homens e de mulheres. A diferença do sexo, que é dado, o gênero é construído, implica a definição de uma identidade com maior ou menor consciência sobre dela. O gênero também conceitua como o sexo é encarado e vivido numa dada cultura.

De acordo com Mauss o corpo aprende e é cada socie¬dade específica, em seus diferentes momentos históri-cos e com sua experiência acumulada que o ensina. E, no que ensina o corpo, nele se expressa: no andar, dor¬mir, dançar, nadar, nos gestos, postura das mãos, no jeito de olhar. Diz Mauss: os polinésios nadam diferen¬temente de nós. E mesmo entre nós, diz Mauss que, se em sua geração se ensinava a nadar de olhos fechados e antes de se ensinar a mergulhar se ensinava, a nadar, os da geração atual aprendem a nadar de olhos abertos, inibindo os medos, familiarizando-se com a água. (Kofes, 1985).

O corpo é expressão da cultura, portanto cada cultura vai expressar diferentes corpos, porque se expressa diferentemente enquanto cultura. A nossa sociedade atual que é capitalista, sendo assim, há uma grande ênfase no consumismo, com isso os corpos são tratados como produtos, homens e mulheres têm que gastar fortunas para manter seus corpos "bonitos" e muitas vezes até para se arrumar um emprego precisa ter boa aparência e os indivíduos que fogem dessa perspectiva acabam sendo excluídos sofrendo muitos preconceitos.

Participantes

Participaram do estudo 45 estudantes do curso de Educação Física da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro com idade variando de 18 a 45 anos (média de 22,18 anos), sendo 27 homens e 18 mulheres.

Material e métodos

No presente estudo foi utilizado um questionário de auto-resposta no qual eram solicitadas informações sobre idade, sexo, estatura e peso.

Para a avaliação da identidade de gênero foi utilizado o PAQ, adaptado por Ferreira (2003) com 16 itens em formato de diferencial semântico que devem ser julgados em uma escala que varia de 0 a 4, de acordo com o grau de adequação do sujeito.

Esses itens se subdividem em duas escalas: oito itens relacionam-se a uma escala de masculinidade positiva (M+) e oito a uma escala de feminilidade positiva (F+). A escala de masculinidade é constituída por itens referentes a traços instrumentais, considerados mais típicos do homem que da mulher, sendo socialmente desejáveis para ambos os sexos. A escala de feminilidade se compõe de itens relacionados a traços expressivos, considerados mais típicos da mulher que do homem, sendo socialmente desejáveis para ambos os sexos

Procedimentos

Os participantes foram contatados na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, sendo solicitado que participassem da pesquisa, sem, contudo, haver obrigatoriedade de preenchimento do questionário. Foi informado no ato do preenchimento que as respostas seriam utilizadas para fins exclusivos do presente estudo e que seria garantido total anonimato. Os questionários foram, então, distribuídos de forma coletiva.

Para análise dos dados foi usado o programa estatístico Bioestat 4.0

Resultados e discussão

Primeiramente realizou-se uma análise descritiva dos dados obtendo-se a média, mediana e o desvio padrão dos escores obtidos nas escalas. Os resultados encontram-se na Tabela 1.

Média Mediana Desvio Padrão
Estatura 175.04 cm 173 cm 10.86
Peso 69.870 kg 70 kg 13.515
Masculinidade 3.26 3.25 0.541
Feminilidade 3.53 3.62 0.729
Tabela 1 - Análise descritiva

A análise dos dados continuou com a utilização do teste de Correlação Linear de Pearson encontrando uma correlação positiva significativa entre masculinidade e estatura (r = 0,295; p = 0,49), masculinidade e feminilidade (r = 0.595; p = 0,000), somente entre homens entre masculinidade e peso (r = 0,435; p = 0,023) e somente entre as mulheres entre masculinidade e estatura (r = 0,571; p = 0,013). Por outro lado foi encontrada uma correlação negativa entre feminilidade e Estatura (r = - 0,339; p = 0,023).

Os resultados da tabela 1 evidenciam que tanto os homens quanto as mulheres que possuem uma maior estatura apresentam um maior grau de masculinidade e isso pode resultado de preconceitos que esses indivíduos sofrem dentro da nossa sociedade que exige muito da questão corporal e muitas vezes não respeita a questão biológica e nem cultural do individuo.

Essas idéias são reforçadas por Bordo (1997, p. 20), ao afirmar que "por meio da organização e da regulamentação de nossas vidas, nossos corpos são treinados, moldados e marcados pelo cunho das formas históricas predominantes de individualidade, desejo, masculinidade e feminilidade".

Na linha de pensamento de Geertz de que o homem não é ser qualquer homem, mas uma espécie particular de homem, é possível discutir o corpo como uma construção cultural, já que cada sociedade se expressa diferentemente por meio de corpos diferente. No corpo estão inscritos todas as regras, todas as normas e todos os valores de uma sociedade especifica, por ser ele o meio de contato primário do individuo com o ambiente que o cerca mesmo antes de a criança andar ou falar ela já traz no corpo alguns comportamentos sociais, como o sorrir para determinadas brincadeiras, a forma de dormir, a necessidade de um certo tempo de sono, a postura no colo. (Daolio, 1995)

A mediana foi então utilizada para dividir a amostra em dois subgrupos em relação à masculinidade (baixa masculinidade e alta masculinidade) e em relação à feminilidade (baixa feminilidade e alta feminilidade), conforme se situavam abaixo ou acima da mediana nas duas variáveis.

Só entre as mulheres Só entre os homens Nos dois grupos
Masculinidade Alta   52.9 61.9 57.9
Masculinidade Baixa  47.1 38.1 42.1
Feminilidade Alta  55.6 55.6 55.6
Feminilidade Baixa  44.4 44.4 44.4
Tabela 2 - Porcentagem da masculinidade alta e baixa e da feminilidade alta e baixa.

Conclusão

As conclusões do presente estudo apontam à necessidade de maiores investigações da forma pela qual o estereótipo de gênero afeta os indivíduos dentro da nossa sociedade e os preconceitos que isso acarreta.

Há também uma maior necessidade de estudos de como a cultura de cada sociedade pode influenciar a identidade de gênero dos indivíduos. No entanto, sugere-se que os dados sejam ampliados em seu alcance para que as evidencias possam ser generalizadas para outros cursos da UFRuralRJ, além da Educação Física, contribuindo, assim, para o melhor entendimento das variáveis em questão.

Obs. Os autores Sérgio Henrique Almeida da Silva Junior (sergio.edfisica@bol.com.br), Jeimes Nogueira de Castro, Herald Chalegre Batista e Carlos Antonio da Conceição são alunos de educação física da UFRRJ e o prof Marcos Aguiar de Souza (maguiarsouza@uol.com.br) é Vice-Diretor do Instituto de Educação da UFRRJ

Bibliografia

  • Bordo, Susan R. "O corpo e a reprodução da feminilidade: Uma apropriação feminista de Foucault". In: JACAR, Alison e BORDO, Suzan, R. Gênero, corpo e conhecimento. Trad. Britta Lemos de Freitas. Rio de Janeiro: Record e Roda dos Tempos, 1997, pp. 19-41. (Coleção Gênero, v. 1)
  • D’amorin, M. A.. Papel de gênero e atitudes acerca da sexualidade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 5, p. 71-83, 1989.
  • Daolio. Jocimar. Da Cultura do Corpo. Campinas, SP. Papirus. 1995
  • Deaux, K. From individual differences to social categories: Analysis of a decade research on gender. American Psychologist, v. 39, p. 105-116, 1985
  • Ferreira, M. C. Questionário Estendido de Atributos Pessoais (EPAQ): uma medida de traços masculinos e femininos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 3 n. 1, 52-61, 1993.
  • Katz, P. A. (1986) . Gender identity: Development and consequences. Em R. D. Ashmore ; F. K. Del Boca (Orgs.) . The social psychology of male-female relation: a critical analysis of central concepts. New York: Academic Press.
  • Kofes, S. "E sobre o corpo, não é o próprio corpo que fala? Ou o discurso desse corpo sobre o qual se fala". In: BRUHNS, H. T. (org). Conversando sobre o corpo. Campinas, Papirus, 1985.
  • Leibowitz, L. Perspectives on the evolution of sex differences. In BRETTEL, C.B. ; SARGENT, C. F. (Eds.), Gender in cross-cultural perspective (2nd ed.) (pp. 6-14). Upper Sadle River, N. J.: Prentice Hall, 1997.
  • Lenney, E. Sex Roles: The measurement of masculinity, femininity, and androgyny. In: John P. Robinson, Phillip R. Shaver e Lawrence S. Wrightman (Orgs.). Measures of personality and social psychological attitude. New York: Academic Press, 1991.
  • Lott, B. The personal and Social Correlates of a Gender Difference Ideology. Journal of Social Issues, v. 53 n. 2, p. 279-298, 1997.
  • Pereiro, Xerardo. ANTROPOLOGIA DO GÊNERO. Antropologia Cultural.
  • Spence, J. T. Masculinity, femininity and gender-related traits: a conceptual Analysis and critique of current research. In: B. A. Maher (Ed.). Progress in Experimental Research, New York: Academic Press, 1984.
  • Zafarik, L. Theorizing Feminist Transformation in Higher Education. Teacher College Record, v. 104 n. 2, p. 1718-1759, 2002.