Integra

Amigos:
Como escrevi no penúltimo texto, pretendo utilizar este espaço para explorar (com a ajuda de vocês, espero) algumas reflexões que tenho feito sobre temas que, em minha opinião, deverão balizar os debates sobre a gestão do lazer no presente-futuro. Naquela ocasião comecei por um tema que me ajudou na elaboração da minha apresentação numa mesa-redonda no XV Congresso de Ciências do Desporto e Educação Física dos Países da Língua Portuguesa: “A morte do lazer idealizado para a vivência do “mercolazer’”. Numa linha complementar, se a ludicidade é a essência do lazer, ao sobrevalorizar o entretenimento, quase toda vivência nessa dimensão humana se transforma em espetáculo.
Para ilustrar esse fato, compartilho com vocês uma das experiências mais esdrúxulas vividas nesse campo enquanto fazia o doutorado nos Estados Unidos (1984-88), a qual serviu, inclusive, de “inspiração” para uma aula inaugural, logo no início do mestrado em Estudos do Lazer na Unicamp.
Naquela ocasião, li no jornal de State College (cidade onde fica a Penn State University), que no sábado seguinte, numa cidade próxima, haveria uma competição “sui generis” para potencializar a doação de livros para Biblioteca Pública local: Corrida de Minhocas! Peguei toda família e lá fomos.
Para minha surpresa, aos poucos vi chegar ao local pessoas das mais variadas idades, cada qual trazendo uma latinha. Observei também na área externa da biblioteca várias mesinhas quadradas revestidas com uma toalha plástica lisa. Mais ao fundo, uma unidade móvel de som de uma rádio da cidade, que anunciava o inusitado evento.
As inscrições foram feitas com antecedência e, no local, foi realizado o sorteio para competição em grupos de quatro pessoas. Como em toda competição, uma ou outra pessoa tinha até “torcida uniformizada”!
Minha surpresa maior começou quando os “árbitros” se dirigiram às mesas, cada qual levando um saquinho com húmus, que era colocado na parte central da mesa. No canto de cada mesa havia uma demarcação que fui descobrir, em seguida, que era a “linha de partida” das minhocas…
Ao sinal, cada “competidor” colocava sua minhoca no local apropriado e, portando uma embalagem de spray contendo água, “preparava o terreno” para que aqueles anelídeos, da classe oligoqueta e da ordem haplotaxida, deslizassem com maior desenvoltura. Ganhava aquela que chegava ao monte de húmus em primeiro lugar! A partir daí, em “dupla eliminatória”, o campeonato se desenrolava…
Não bastasse essa inusitada competição, havia um locutor que irradiava as “corridas” de maneira animada, com direito a “comentaristas de campo” (ou de mesa…), que entrevistava os participantes em grande emoção, para os vencedores e enorme decepção, aos perdedores, quando por excesso de água no caminho e para aquelas minhocas “mais robustas”, escorregavam e não conseguiam chegar ao seu intento.
Amigos, “o céu é o limite” quando desejamos “espetacularizar” até mesmo o insólito!
Abraços
Bramante
Em tempo: a organização conseguiu arrecadar um volume recorde de livros naquela manhã!

Por Bramante
em 18-05-2014, às 0:09

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Comentários

Excelente, Bramante!

Pena que algumas gerações não conheceram o terreno baldio, o chão de terra, banhos de mar (ou em rios) todos os dias, pescarias artesanais em cima das pedras, pegar baratinhas da praia, minhocas na areia, revolver detritos em latões do marcado de peixe em busca das melhores iscas para pegar siris – guelras frescas e sanguinolentas -, mergulhar e pegar mexilhões grudados à pedra, tantas outras coisas mais. Fora da praia, em terrenos repletos de mato, “colhíamos” vez por outra besouros, gafanhotos e joaninhas. Com os dois primeiros, realizámos fantásticas competições com uma caixa de fósforo ou outro artefato amarrado com linha de cafifa ao seu dorso… Só faltaram mesmo as minhocas nesses páreos que nos encantavam. Em compensação, existiam aquelas que retirávamos debaixo das pedras em praia próxima (em frente ao Cristo Redentor, em Niterói) e competíamos para ver quem retirava a maior delas, sem quebra-las, antes de levá-las aos anzóis para a pesca de cocorocas e canhanhas.
Publiquei um livro – Villa Pereira Carneiro (400 pág.)- em que retrato parte da história de um bairro de Niterói no período 1920-1970, onde nasci (1939) e me criei. Está repleto de brincadeiras de época. Quem sabe poderíamos recriá-las com alguma dose de imaginação, arte e criatividade! Este livro está esgotado, mas pretendo reeditá-lo em muito breve e vou enviar-lhe um exemplar.

Enquanto isto, divirta-se como se fora criança! Abraços.

Por Roberto Pimentel
em 18-05-2014, às 17:51.

Meu caro Prof. Roberto, o que você relatou com muita riqueza se aproxima muito da visão idealizada do lazer nos dias de hoje, a qual, à sua época, a ludicidade era o elemento fundamental (a gratuidade no ato de brincar, entre outros elementos). Foi um bom exemplo que você deu para contrastar com o meu exemplo que “adaptaram” a natureza ao livre entreter…

Por Antonio Carlos Bramante
em 18-05-2014, às 18:05.

Bramante, agradeço sua atenção e incentivo. Para que outros percebam essa conduta, recomendo a utilização da simplicidade e gratuidade, especialmente em bolsões menos favorecidos. A criatividade dos participantes deve ser incentivada na construção de suas brincadeiras, pois além de se divertirem, estarão dando vazão à sua imaginação. Em suma, Aprendendo a Viver com autonomia. Em suma: Percebo, Sonho e Realizo. O adulto é um simples assistente e facilitador das tarefas. Em uma fase mais adiante, incentiva-os a criar (inventar) os próprios jogos e suas regras… Creio que Piaget e alguns outros companheiros gostariam de estar por perto e esboçar um leve sorriso!
Até breve.

Por Roberto Pimentel
em 19-05-2014, às 7:14.

Prezado Bramante,
Ainda sobre o tema, ocorreu-me uma ideia (atenção, não existem ideias burras!) a ser aplicada em tais encontros: um professor (de artes?), tipo daqueles de priscas eras dos bancos da escola primária que ensinava Trabalhos Manuais (rudimentares, simples); acrescento, ainda, a Professora de Música. Construir oficinas de ensino de pequenos brinquedos, inclusive estimulando a criatividade das crianças (invenção), além de libertarem-se pelos gritos e a música (corais), parece-me uma volta (ida para as crianças) gratificante. Se houver continuidade e divulgação na web tenho certeza que é mais um elemento a considerar. Poderiam trabalhar, inclusive simultaneamente, i.e., laborando e cantando.
Abraço-o.

Por Roberto Pimentel
em 24-05-2014, às 7:53. 

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