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Prática de ensino: Troca permanente

"Trocávamos idéias sobre tudo. Submetíamos nossos trabalhos um ao outro. Juntos reformulávamos nossos valores e descobrimos o mundo."(Fernando Sabino)

A idéia deste trabalho é submete-lo a apreciação do(s) outro(s) na expectativa de deslumbrarmos novos cenários para a nossa prática pedagógica na formação de professores.As denominações prática de ensino e estágio supervisionado, definem, na realidade a mesma natureza, segundo Ferreira(1999), estagiar é um verbo de ação que está relacionado à ação de fazer um estágio: "um aprendizado, exercício, prática"; uma "situação transitória, de preparação"(p.827).

Será que nós, professores, ao iniciarmos nossa prática no ensino superior, conhecemos a(s) realidade(s) do(s) campo(s) de atuação(escolas campo) de nossos alunos(e dos próprios alunos)?

As teorias distanciam-se da prática na medida em que são discutidas em salas de aula(nos cursos superiores) e encontram dificuldades de serem vivenciadas nas escolas campo.

Visto estas hipóteses passaremos a discutir cada uma delas, observando que este estudo pretende contribuir para uma realidade específica de um município do interior do estado, portanto, aqui trataremos de discutir as possibilidades de superação das dificuldades que aparecem neste mesmo município, dentro da realidade da prática de ensino III, que, em nosso projeto aparece como intervenção nas aulas de educação física, ou seja, nossos alunos irão praticar a atividade profissional.

Me questiono, a cada momento: o que vem a ser a nossa prática?

As inquietudes por mim apresentadas até aqui vem do contato que mantenho com professores de Educação Física das escolas de ensino fundamental e médio que fazemos nossas intervenções.

Ao ingressarmos no ensino superior, nós, especialistas, mestres e doutores nos distanciamos da prática escolar, nos amparamos em discursos acadêmicos para prepararmos futuros professores para qual escola? É o caminho natural, normalmente sem volta: o professor forma-se a nível de strictu sensu, adquire status social e não mais leciona em escolas de ensino fundamental e médio(nosso campo de estágio). No meu caso específico, desde que comecei a laborar aulas de prática de ensino, confesso que me distanciei das escolas, no sentido de deixar de dar aulas para os níveis fundamental e médio.Este é o espelho de uma realidade nos cursos de formação de professores de educação física, ouso arriscar: em todo o nosso estado. Acredito que fatores de ordem sócio-econômico são os que influenciam boa parte do professorado para que ingressem no ensino superior, onde, por pior que seja a remuneração, não chega nem sequer próximo aos salários pagos nos ensino fundamental e médio, estão muito acima. Além dos interesses profissionais, onde nós, professores com formação em mestrados e doutorados temos a oportunidade de realizar pesquisas e projetos de extensão remunerados.As poucas (e boas) lembranças que trago em minha vasta experiência enquanto professor de ensino fundamental e médio na disciplina Educação Física nas redes públicas e particular (iniciei esta experiência em 1987, são portanto 16 anos de vivências) não me credencia a me sentir integrado às Escolas campo.

As teorias e seu distanciamento do cotidiano escolar

Não que nos caiba aqui continuar lecionando no ensino fundamental para poder dizer que temos conhecimento, mas estar conectado e atualizado no que diz respeito principalmente ao cotidiano escolar. Tarefa não muito fácil, e também pouco compreendida, tanto por nós como pelas escolas campo. Como adentrar em uma instituição com os nossos saberes sem que os nossos colegas(professores de educação física das escolas campo) não se sintam supervisionados, estudados, observados, enfim vigiados? Trata-se de uma reação legitima, sem sombra de dúvidas. Neste aspecto vale lembrar três advertências enumeradas por Sacristán (in Ghedin, 2002,p.81)no texto Tendências investigativas na formação de professores:"A primeira é de que os professores trabalham, enquanto nós fazemos discursos sobre eles. Não falamos sobre a nossa própria prática mas sobre a prática de outros que não podem falar, que não têm capacidade de fazer discursos. Esta situação sociológica, política e epistemológica pode ser uma explicação sobre do que tem sido a investigação sobre professores. A Segunda advertência é de que não é possível falar sobre professores, porque entre minha pessoa e um professor de ensino fundamental há muito poucas semelhanças. Diz-se que fazemos o mesmo tipo de trabalho, mas, na realidade, fazemos coisas muito diferentes, a preços muito diferentes, com status muito distintos, com poderes muito diferentes. Isso quer dizer que o fato de o professor da universidade falar sobre o professor em geral, é algo suspeito. A terceira advertência: quando consultamos os repertórios bibliográficos da produção científica em revistas e catálogos que editam livros sobre nossa especialidade, encontramos o professorado como um dos temas de investigação preferidos."

Portanto, se considerarmos as argumentações até aqui levantadas podemos observar que temos que nos conscientizar da importância de cada um dos elementos da escola campo na formação de nossos alunos. As situações estão sendo discutidas há vários anos, são várias críticas como as apresentadas pelos cadernos CEDES(1981 e 1986), associando o caos nos ensinos de primeiro e segundos graus( hoje , ensino fundamental e médio) à má qualidade da formação docente e à falta de instrumentalização, de competência técnica e política dos professores para atuarem no interior das escolas(Borges, in Vago, 1997,p.144).

O curso de educação física ao discutir a teoria/prática não enfatiza a formação do professor.

A estrutura curricular existente nos cursos de educação física não conseguem dar sua devida contribuição para que nosso corpo discente consiga entender nossa prática(a da educação física) enquanto disciplina com caráter de transformação da realidade. Talvez seja aqui que nos defrontamos com mais um obstáculo: a formação do professor.

A ANFOPE(Associação Nacional pela Formação de Profissionais de Educação) traz, segundo Borges, a seguinte reflexão: "...é preciso assumir uma nova postura na relação teoria e prática, a fim de buscar uma aproximação entre os currículos dos cursos que formam os docentes e a realidade escolar(...)fica claro que, nos currículos, não se pode estabelecer uma relação de justaposição entre teoria e prática, em que uma se sobrepõe à outra. Mas há que se identificar os vínculos necessários entre ambas, a partir do trabalho pedagógico, elemento central da organização curricular e articulador privilegiado da teoria e da prática."(Borges, in Vago, p. 145).

A nossa prática de ensino(disciplina), teoriza e populariza as tendências de educação Física mas exerce pouca ou nenhuma influência na prática cotidiana de nossos professores nas escolas, isto em vista de termos nos preocupado muito em teorizar sobre a Educação Física e não para a Educação Física escolar. Observando a estrutura curricular do curso aqui referenciado, percebo que este mesmo curso discute diversas questões filosóficas, históricas e metodológicas da disciplina, sem no entanto se aprofundar na prática pedagógica e atuação nas escolas. Esta análise se faz necessária para a melhoria na relação existente entre as escolas de formação e as escolas campo, para esclarecer situações de conflitos inerentes ao cotidiano desta fase de formação profissional.

O grupo de alunos(as)aqui estudados

Constituído por 32 alunos que foram inicialmente distribuídos de acordo com a disponibilidade de horário das escolas campo, aí encontramos a nossa primeira grande dificuldade: pouco campo de estágio para muito aluno. Temos como exigência para esta formação, nas normas internas da instituição, a previsão de 90 intervenções(aulas propriamente ditas) semestrais para cada aluno, o que nos daria um total de 2.780 aulas. Como pode-se perceber, meta impossível de ser cumprida. Qual a solução? Dividimos a turma em duplas e trios, o que nos possibilitou a oferta de 56 aulas semanais, distribuídas entre as três escolas-campo. Aqui vemos também um problema de formação: raramente, ou jamais estes alunos irão poder atuar com um companheiro, ou seja, nenhuma instituição(salvo raras exceções) contrata dois profissionais para atuarem em uma mesma turma. Neste caso encontramos uma solução caseira: a cada semana um aluno era o responsável pela execução das aulas. As poucas oportunidades que tivemos em refletir sobre a experiência destes alunos foi significativa para perceber o quanto a sua orientação para a prática profissional está relacionada com as práticas de ações padronizadas da educação física como mundo esportivo, onde as vivências do ensino fundamental e médio passa a ser a sua referência para sua própria atuação profissional.

As escolas campo: Aliadas sim, mas com restrições.

Ao fazermos os primeiros contatos com as escolas, enfatizamos a importância da existência da disciplina e da oportunidade para os nossos alunos, momento este bastante receptivo e, a princípio, muito proveitoso para estabelecermos uma relação de ajuda mútua, onde nós estaríamos oportunizando a escola novas vivências na disciplina de educação física e ao mesmo tempo teríamos o espaço para por em prática a profissionalização de nossos docentes.Mas não é bem assim que acontece. Os entraves são certos, e aconteceram situações que, com certeza nos fizeram crescer, a mim e aos docentes. Relato, a seguir algumas destas situações e suas implicações/caminhos encontrados para solucioná-las:

O planejamento das aulas; a escola apresentava o plano de curso, e, a partir destes nossos alunos planejavam as aulas diariamente.

Problema encontrado: muitas vezes os professores das escolas discordavam das estratégias e forma de nossos alunos em conduzir as aulas, interferindo no processo de errar-refletir-acertar (ou tentativa deste) de maneira ríspida e autoritária, o que ocasionava um clima de tensão permanente. Como não estava presente em todos os momentos, eu, responsável pela supervisão dessas aulas, intermediava o processo de reaproximação desses dois futuros colegas de profissão com argumentações de enaltecer a importância de cada um neste processo, muitas vezes fui compreendido, outras não;

As estruturas organizacionais/administrativas das escolas campo dificultam um maior intercâmbio entre o professor da escola e nossos docentes, tais como: momento de planejamento em conjunto e a não possibilidade de participação de nossos alunos em momentos de conselho de classe. Não foi possível a ruptura com esta estrutura, mas avançamos ao fecharmos o semestre com discussões nas escolas da verdadeira importância da vivência de todos os momentos da escola, e não apenas de aulas de uma determinada disciplina;

A resistência de alguns professores das escolas campo assustam aos nossos alunos, a crítica ao trabalho desenvolvido por estes não são compreendidas como algo a contribuir, mas escutamos frases do tipo: "...mas eu já faço isso a tanto tempo...não são vocês(docentes) que irão modificar a minha prática..." ou " Os alunos gostam é de jogar, não adianta modificar que eles não participam..."

Há, no discurso destes profissionais, o claro entendimento de que as suas práticas não precisam ser modificadas, o que sabemos, é um equívoco, pois estamos em constante mutação. Como contribuição pude estabelecer discussões que vieram provocar reflexões sem no entanto interferir nas "aulas laboradas a tanto tempo..." Acredito que a semente está plantada.Como maior problematização encontrada não poderia deixar de ser: o distanciamento existente entre a teoria e a prática. Planos de aula bem elaborados (academicamente falando), embasamento teórico bem definido, e discurso bem afiado. Na hora da aula, o impasse era quase sempre certo: porque não aconteceu da forma que eu planejei??? As minhas respostas eram quase sempre as mesmas: a realidade idealizada não era a existente.

Como sugestão recomendava uma nova abordagem dos temas propostos e modificações na estratégia de desenvolvimento, inclusive consultando o professor da escola. Aqui cabe ressaltar relatos ocorridos em debates provenientes de encontros em salas de aula, dentre os diversos discursos observa-se: "A realidade é bem diferente professor, na prática, a teoria é outra..."

De toda sorte, este projeto de intervenções idealizado para a nossa realidade tem obtido êxitos e avanços, tem enfrentado constantes desafios, que, no todo atende as expectativas do processo educacional como dinâmico, recheado de idas e vindas como todo processo de relações sociais.

As nossas expectativas

Os saberes evidenciados em nosso contexto vão além de dificuldades e facilidades. Eles estão pautados em compreensão das realidades vivenciadas, refletidas e revivenciadas , num processo constante de ação-reflexão-ação.Acredito que o processo de formação dos alunos do curso de educação física do município de Santa Teresa encontra entraves naturais de todo novo processo, mas tenho a convicção que estes mesmos entraves contribuem para o crescimento de todos os envolvidos no processo. Mais ainda, se faz necessário "integrar os professores de profissão no próprio currículo da formação inicial para o ensino, os quais se tornam, a partir de então, verdadeiros atores da formação dos futuros docentes"(Tardif, 2002, p. 289).

E, "Ensinar os estudantes a aprender(Lawson,1990) deve ser uma das principais preocupações do currículo"(Betti in Gebara, 1992, p. 248.)

Temos a preocupação em estar melhor estruturando, refletindo e orientando o estágio de forma que este seja, de fato, fator primordial na formação dos futuros professores, mas, os desafios a serem enfrentados são muitos e de diversas naturezas. Não poderia deixar de citar a importância que deveria ter na estrutura curricular do curso de Educação Física e nas ações concretas dos colegas de outras disciplinas o estágio.

"Se tanto os professores dos cursos superiores de formação dos futuros docentes como as unidades escolares que vão recebe-los se convencessem da importância do estágio na formação de professores, esse espaço se tornaria um lugar privilegiado na preparação de bons profissionais para a educação escolar."(Lorieri in Pimenta,2004 p. 173)

Referências bibliográficas

  • Esfa, Escola de Ensino Superior São Francisco de Assis. Projeto de Estágio Supervisionado. Santa Teresa-ES, 2003
  • Ferreira, Aurélio Buarque H. Novo Dicionário língua portuguesa. Rio de Janeiro, Nova fronteira, 1999.
  • Ferreira, V.L.C. Prática de educação Física no 1º grau; Modelo de reprodução ou p perspectiva de transformação? São Paulo: IBRASA, 1984.
  • Gebara, Ademir et al. Educação Física e esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas, SP: Papirus, 1992.
  • Ghedin, Evandro & Pimenta Selma Garrido. Professor reflexivo no Brasil: Gênese e crítica de um conceito. São Paulo, Cortez, 2002.
  • Kunz, Elenor. Educação Física: ensino e mudanças. Ijuí: Unijuí ed. , 2001.
  • Pimenta, Selma Garrido. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.
  • Romano, Agnes P. et. al. Notas sobre o encontro nacional de prática de ensino SBPC. Reunião anual, 1983, Belém-PA. São Paulo: Guaru, 1983.
  • Tardif, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petropólis, RJ: Vozes, 2002.
  • Vago, Tarcisio Mauro & Salvador Eustáquia. Trilhas e partilhas: educação física na cultura escolar e nas práticas sociais. Belo Horizonte: Gráfica e editora Cultura, 1997.