Integra

Acabado mais um congresso vivo aquele momento de reflexão obrigatória sobre o que ouvi, falei e o que posso fazer com tudo o que aprendi. Acabei de participar da 11th International Symposium for Olympic Research, em London (Ontario), Canadá. E agora faço hora esperando o momento de embarcar de volta para o Brasil para pegar no batente e tocar a vida adiante.

Diferente de outros congressos que fui esse ano vi aqui muitos argumentos para defender coisas que são, para mim, aparentemente indefensáveis. Alguns por ingenuidade, outros por terem sido educados dentro de um sistema de exploração já naturalizado, o que os leva a acreditar piamente no uso, posse e domínio de alguns valores, que para mim, são universais. Por outro lado também assisti ao relato sobre diferentes formas de resistência à apropriação, negligência ou desconsideração por parte dos grandes realizadores de Jogos Olímpicos, sejam eles de verão ou de inverno, com relação à história, cultura ou tradições dos lugares onde os jogos são e foram realizados.

E é com esse espírito reflexivo que leio a notícia de que o Comitê Olímpico Brasileiro quer (e está trabalhando para isso) impedir que sejam realizadas as tradicionais olimpíadas escolares não só esportivas, mas também as de química, história, física, matemática, onde, diga-se de passagem, muitos estudantes brasileiros brilham com sua criatividade e empenho. E mais uma vez voltamos àquele episódio de janeiro de 2010 quando fui alvo dessa seta envenenada chamada ganância cega que busca tirar proveito não apenas da palavra, mas de tudo que se relaciona aos Jogos Olímpicos, transformando isso que seria um patrimônio da humanidade em um bibelô sofisticado revestido de valores e moralidade.

Digo isso porque aqui em London parei para pensar no uso maquiavélico que está sendo feito do conceito e dos valores olímpicos para justificar esse grande negócio que os Jogos Olímpicos se transformaram.

Do ponto de vista do produto é importante para as águias de rapina cercar tudo o que se refere aos Jogos para poder retirar deles cada centavo que eles possam render. E assim não apenas os cinco anéis custam milhões de alguma coisa, como também querem fazer custar as palavras, um patrimônio da língua portuguesa! Imaginem ter que se pagar para usar a palavra Rio 2016, Jogos Olímpicos, Olimpíada e por aí vai. Mas, é isso mesmo que tentam fazer desde 2010, ano em que essa insanidade começou a rondar o território brasileiro por causa dos Jogos Olímpicos no Rio. Imaginem que em Vancouver no ano de 2009 um cidadão grego que há 30 anos abriu sua lanchonete com o nome de Olímpia, sua cidade natal, foi processado por estar usando um nome sagrado (do ponto de vista do marketing). Parece inacreditável, mas não foi.

E agora assistimos a essa aberração acontecer no Brasil. Não me venham querer convencer com argumentos do direito sobre o que é certo ou errado em relação ao universo olímpico porque eu não apenas li a obras de Pierre de Coubertin, como estudo o Movimento Olímpico e a história olímpica brasileira há anos. E para fazer o contraponto também li Andrew Jennings, Barbara Smit, Jean Marie Brohm, Pierre Bourdieu e outros que analisam a transformação daquilo que era uma utopia pedagógica no maior espetáculo de todos os tempos.

Será que dirigentes, mandatários, marqueteiros, homens de negócio têm ideia de que a caça pode se tornar o caçador? Isso me ocorreu ontem durante a apresentação de um professor inglês sobre o processo de preparação do corpo de voluntários para os Jogos de Londres.

Sabe-se que o trabalho voluntário é uma prática comum na Europa e América do Norte. Isso não só é uma tradição como também conta preciosos pontos em currículos tanto para ingresso na universidade como em futuros trabalhos. Pouco ouço sobre isso ser uma forma de se garantir mão-de-obra barata em um mundo dominado pela exploração. Mas, voltemos aos voluntários e os Jogos Olímpicos.

A questão do voluntariado é tão antiga no movimento olímpico quanto são as próprias competições. Em função do grande número de participantes e de competições era preciso uma estrutura de apoio condizente ao espetáculo e também com a estrutura amadora que cercava o movimento olímpico de então. Foi assim que foram chamados, no princípio, os escoteiros formados pelo lendário Baden Powell. E o entendimento do escotismo se adequava perfeitamente ao movimento olímpico de então. Considerado como um movimento mundial de caráter educacional, apartidário, sem fins lucrativos e fundamentado no voluntariado, o escotismo foi feito como uma luva para uma mão chamada Jogos Olímpicos. Isso porque as semelhanças de valores não param aí. O escotismo tem como proposta o desenvolvimento do jovem por meio de um sistema de valores que prioriza a honra, a prática do trabalho em equipe e que pretende levar o jovem a ser um exemplo de fraternidade, lealdade, altruísmo, responsabilidade, respeito e disciplina. Tudo muito parecido com a proposta olímpica… de antigamente, quando um dos pilares do olimpismo era o amadorismo e os dividendos dos Jogos restringiam-se às medalhas e aos recordes batidos nas competições.

Muito bem. É hora então de colocar o dedo na ferida.

Estima-se que sejam necessários aproximadamente de 30 a 40 mil voluntários para a organização dos Jogos Olímpicos na atualidade. Seguindo, pois a lógica de que tudo que é olímpico hoje é negócio então é hora também de se acabar com a exploração de mão de obra nomeada voluntariado, afinal já não há por aí tantos escoteiros para essa função como nos primórdios olímpicos. Afinal, são muitas horas de dedicação extra Jogos para se falar mais de uma língua, a orientar turistas, carregar equipamentos e estar sempre pronto para ajudar sob sol ou chuva, pagando os custos de deslocamento até o local dos jogos, bem como alojamento do próprio bolso e outras eventuais despesas não contempladas no contrato, em troca de um certificado de agradecimento por serviços prestados “ao olimpismo”, que doravante pode ser proibido de ser publicado no currículo vitae uma vez que essa palavra pode estar protegida por direito de uso.

Vamos então levar essa questão às últimas consequências?

Estaria o Comitê Organizador disposto a encarar uma campanha dessas ou os custos de 30 mil pessoas remuneradas para serem a cara dos Jogos Olímpicos do Rio 2016?

É bom lembrar que o Brasil, diferente da Europa e da América do Norte, não tem tradição de trabalho voluntário. O que o povo brasileiro tem de sobra sim é a solidariedade para socorrer desabrigados de enchentes, de catástrofes de forma geral e nunca falta um prato de comida para quem precisa. Portanto, como costumava se dizer lá casa… devagar com o andor que o santo é de barro.

É bom que os Senhores dos Anéis brasileiros não queiram pagar para ver uma campanha como essa. Porque diferentemente dos Jogos Olímpicos de Pequim onde todos os estudantes universitários foram “convidados” a alistar-se como voluntário aos Jogos, felizmente vivemos no Brasil um momento em que podemos discutir convocações dessa natureza.

E é bom que se lembre também que para se inventar uma tradição é preciso algum sucesso na empreitada pioneira, e infelizmente, os Jogos Pan-americanos não foram o melhor exemplo para essa inauguração.

Por katiarubio
em 21-10-2012, às 18:05

7 comentários. Deixe o seu.

Comentários

Querida Katia,
Acho lamentavel que um orgao como o COB, perca tempo com discussao semantica de uso da palavra OLIMPIADA, isso mesmo semantica, pois a ideia de se apropriar de uma palavra tao universal como esta, passa longe de salvaguardar icones de MKT e vai mais para o despotismo de ser DONO de PALAVRA, que nao os escritores de dicionario mais celebres se apropriaram.
Sobre o tema voluntariado, que me agrada e tenho estudado e vivido, nao sei se a campanha é o caminho, mas o fato de termos Olimpiadas de historia, game, escolar só fomenta a vontade de jovens a participarem de atividades como competidores e colaboradores e isso somente auxiliaria no processo de adesao de VOLUNTARIADO tao necessario a grandes eventos.
Queria que o COB trabalhasse mais para o Esporte e o evento e lanço a Campanha: A OLIMPIADA 2016 é nossa !!!afinal o que vier de bom e ruim dela, ficará para nós. Ela é minha tb. Boa viagem

Por Libia
em 21-10-2012, às 18:34.

Os Jogos dos senhores dos anéis está falido há muito tempo !
Logo mudarão o nome por dinheiriada , onde corre muito dinheiro, muita influência,
muitos interesses paralelos.

Devem estar pensando em criar um jogo concorente ao “Banco Imobiliário”, porém com mais alegria pois deverá ser denominado Olim piada, e o coringa será representado pelo dopping !

Por András
em 21-10-2012, às 19:37.

Perfeita colocação professora. Os atuais gestores dos anéis olímpicos (se é que posso usar este termo) estão comprando uma briga com a população. Até que ponto seremos julgados como infratores ao utilizar tais termos. A exemplo de meu TCC onde as palavras que mais aparecem são Olimpíadas, Olímpicos… estaria eu comprando uma nota ZERO?? É lamentável uma autoridade que está no poder por oprimir as confederações agora restringir o uso de palavras tão puras e que para nós estudiosos dizem muito mais (com certeza) do que para eles. Esperamos que a situação melhore… e logo.

Por Tiago Roloff dos Santos
em 21-10-2012, às 22:54.

É triste, mas infelizmente sempre haverá os ingênuos, dispostos a fazer tudo de graça – e até a pagar para tal, enquanto os cartolas e dirigentes enchem os bolsos de dinheiro.

Por Dimas (Goiânia)
em 22-10-2012, às 13:08.

Professora:
Esta exploração dentro da exploração
tem em nosso conformado país, presentemente, uma
ode a tudo que toma, ao invés de tudo que empresta.
Parabéns por sua acuidade e coragem
Abraços
Airton

Por Airton
em 22-10-2012, às 18:27.

Kátia.

Concordo plenamente com o seu texto. Realizar no Brasil, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, fica muito legal no discurso, e na prática, quanta realmente custará para o povo brasileiro estes eventos, e o que fazer com as “praças esportivas” e o tal do legado. O legado do Pan 2007 pode ser encontrado facilmente no Rio de Janeiro.

Por Gilson F. Cruz
em 22-10-2012, às 19:20.

Estamos vivendo tempos de voluntariado… vendido como solidariedade mas servindo para engordar uns em detrimento de outros!

Por Armando Inocentes
em 27-12-2012, às 12:52.

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