Integra

 Já não é a primeira vez que tenho a oportunidade de participar na avaliação de um evento científico e isso nunca é tarefa das mais fáceis. Deve-se procurar um equilíbrio que possa aliar a rigorosidade necessária para contribuir com a próxima edição do evento, sem desconsiderar o imenso trabalho que muitas vezes mobilizou um grupo de professores durante longo tempo; professores que normalmente lutaram contra as dificuldades somente conhecidas profundamente por quem já participou de alguma forma desse tipo de organização. No caso do EnFEFE, com certeza a equipe organizadora ainda teve que enfrentar todas as adversidades de uma Universidade Pública sucateada, onde muitas vezes as ’forças ocultas’ no interior do próprio coletivo lamentavelmente conspiram pela não realização do evento.


 Nesse evento em especial, minha participação como ’avaliador’ foi ainda mais difícil, pois não fazia parte de uma equipe de avaliação. Isso sem dúvida duplica minha responsabilidade e espero ter alcançado um mínimo de equilíbrio e rigor para cumprir a tarefa que muito me honra e para qual fui convidado.


 Creio que sejam necessárias algumas reflexões introdutórias, ver-se-a depois que não sem sentido. Devemos primeiro refletir sobre o motivo da realização de eventos científicos. Alguns acham que deve ser o momento das soluções e ávidos por respostas prontas invadem os ’cursos práticos’ que concedem verdadeiros modelos de atuação.


 Outros acham que é simplesmente um momento de troca de idéias sem sentido. Gente que não tem o que fazer, simplesmente ficaria reunida para ’falar coisas que sempre são faladas e que nunca tem solução’. Por isso, se negam a participar de eventos dessa natureza.

 
 Mas, um terceiro grupo percebe a necessidade e a importância dos eventos científicos. Pensam-os como espaços de livre discussão e reflexão, de onde podem surgir inúmeras dúvidas e questionamentos, tão salutares aos que se negam a deixar de pensar a cada dia na solução dos problemas que o cotidiano coloca. Costumo comparar os eventos científicos a ’minhocários’. Fundamentalmente tais eventos acabam por distribuir ’minhocas’ e ’caraminholas’, instaurando ainda mais o caos na cabeça dos que assistem. E o caos não tem sentido negativo, mas de renovação das esperanças e da força para a luta. Desse saudável caos pode surgir uma ’ordem temporária’, até que novo caos, quase que instantaneamente, se instaure, em um processo infinito e necessário.


 Mais do que discutir para que servem os eventos científicos, necessitamos também discutir um pouco como anda a realização desses em nossa área de conhecimento. Bem, vai ficando longe o tempo em que existiam poucas opções de participações em congressos e de conhecimento/apresentação/troca de novas idéias. Um levantamento bastante ligeiro, somente no ano de 1997, nos faz lembrar da realização do Simpósio Paulista de Educação Física (Unesp-Rio Claro), de Semanas Acadêmicas (na UFU, UERJ, UFMT, UEM, entre outras), dos importantes eventos eminentemente organizados pelos estudantes (Encontros Regionais, Encontro Nacional, Seminário de Movimento Estudantil e Esporte, entre outros), dos eventos realizados pelas secretarias estaduais do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (como as Jornadas organizadas pelas secretarias do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e da Bahia, entre outras), do Encontro Nacional de Recreação e Lazer, do Simpósio de Educação Física Escolar da USP, do Congresso Mundial da AIESEP, do Encontro Nacional de História do Esporte, Lazer e Educação Física, do Congresso Panamericano de Medicina Desportiva, da possibilidade de participação na Reunião Anual da SBPC e na Reunião Anual da ANPED, sem falar no importante e brilhante Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e no próprio EnFEFE, entre muitos outros.


 Esse avanço provavelmente é fruto de conquistas e avanços obtidos a partir da década de 80, onde claramente ficou colocada a necessidade de repensar/reorientar o papel que a Educação Física ocupava na sociedade brasileira. Também da estruturação da pós-graduações na área, já no final da década de 70. Na verdade, venho defendendo que nossa área tem uma longa ’tradição científica’, desde as pesquisas no interior das faculdades de medicina no século XIX, passando pelos diversos congressos realizados nas décadas de 30-50, até os periódicos já usuais desde a década de 40 (Educação Physica, Revista de Educação Física da EsEFEx, Arquivos da ENEFD, Revista Brasileira de Educação Física, entre outros). Logo, esse número de ’preocupações científicas´ atuais não é de todo surpreendente.


 Com esse avanço denotado, um problema crucial se apresenta: como atender um público crescente, garantindo a qualidade do debate, garantindo a qualidade das apresentações, sem ser por demais restritivo? Será possível abarcar todas as discussões e atender a todas as expectativas com um encontro com grande número de pessoas?


 Penso que as dimensões até agora apresentadas sejam fundamentais para pensarmos o EnFEFE. Que características deve assumir esse evento?


2. O EnFEFE no contexto de uma proposta de organização de congressos para a Educação Física brasileira


 No meu modo de entender, devemos criar uma estrutura nacional de congressos para atender aos mais diversos públicos, de acordo com os mais diversos níveis de discussão, organizando mecanismos que possam apresentar alternativas aos eventos de caráter exclusivamente mercadológico, que hoje proliferam na nossa área.


 Assim, não podemos prescindir de garantir um espaço para os chamados ’eventos de ponta’, onde as discussões sejam as mais avançadas possíveis, com um grande rigor na seleção dos trabalhos a serem apresentados. Obviamente isso não significa restringir a participação. Deve-se procurar ampliá-la ao máximo, mas no que se refere aos trabalhos apresentados, estes devem contemplar uma qualidade não só notável, como das mais notáveis. Mais ainda, essa seleção deve superar a meritocracia dos títulos acadêmicos, bem como os grupos que tentam dominar com exclusividade determinados espaços, escondendo em seu interior suas próprias deficiências. Temos que realmente tornar rígidas as seleções, independente de qualquer fator, sempre procurando garantir espaços para os novos pesquisadores.


 Embora evento de tal natureza seja de grande importância, temos que garantir outros espaços privilegiados para:


 A) apresentação de trabalhos ainda menos elaborados, mas já de qualidade e que apontem importantes reflexões para o futuro.


B) uma possibilidade operacional de ampla participação, já que nem todos podem se deslocar para uma cidade específica onde está acontecendo um congresso nacional. A esses que não podem ir, devemos garantir: acesso às discussões atualizadas; possibilidades de participação no que se refere ao aspecto financeiro (taxas de inscrição, por exemplo); e mesmo que com uma estrutura simples, um evento com uma organização eficaz.


 C) um espaço para articular temáticas regionais específicas.


  Assim, vislumbro o EnFEFE como: a) um encontro simples, mas muito bem organizado; b) um encontro onde os trabalhos ’intermediários’ obtenham espaço (sem restrição aos trabalhos avançados), mas onde não impere uma permissividade na aceitação de qualquer estudo; c) um espaço onde existam condições para o público do Rio de Janeiro participar, tanto no que se refere à dinâmica e ao tempo de duração, quanto no que se refere à taxa de inscrição; d) que tenha como alvo central as necessidades do Rio de Janeiro e de seus professores.


3. Uma avaliação do II EnFEFE


 Depois desse longo intróito, é a partir desses pressupostos que tentarei dar minha contribuição. Dessa forma, tentarei dividir, para efeitos de apresentação, minha avaliação em duas partes: conteúdo/forma e organização.


 A) Organização
No que se refere a estrutura geral, o evento esteve perto da perfeição, com uma simplicidade destacável, até por deixar as pessoas bastante à vontade, e com uma organização operacional e suficiente. Além do que, a hospitalidade e a cordialidade foram constantes entre os membros da comissão organizadora. De fato, o clima geral do evento foi ótimo, possibilitando plenamente o contato e a troca de idéias.


 Cabe destacar a busca da pontualidade para o início das sessões, com exceção da abertura do evento. Temos contudo que chamar a atenção para a dificuldade de controle encontrada pelos coordenadores dos temas livres. Talvez fosse interessante procurar formas de tornar esse controle mais efetivo.
Creio que um problema maior foi a divulgação. Aliás, em geral, essa é uma grande dificuldade nos congressos, o que muitas vezes diminui o número potencial de participantes. Assim, cabe-me sugerir que a comissão organizadora continue buscando alternativas de divulgação, como, por exemplo, a utilização mais efetiva dos recursos da internet, inclusive para a divulgação prévia dos trabalhos aprovados e dos anais.


 Já que estamos falando dos anais, gostaria de destacar esse ponto. A entrega dos anais já no primeiro dia de evento, com palestras e trabalhos publicados na íntegra, em papel e disquete, com uma bela apresentação e organização, é sem dúvida um diferencial importante (e, ainda bem, cada vez mais freqüente) no que se refere aos eventos científicos na nossa área. Aliás, só a cobrança de trabalhos na íntegra já é um grande avanço. Cabe-me sugerir o envio dos anais para bibliotecas e faculdades de Educação Física, bem como sua disponibilização na internet, fazendo uso da estrutura do Centro Esportivo Virtual.


 B) Conteúdo/forma
Inicialmente, é importante ressaltar a importância da opção pela ’Educação Física Escolar’ em um Estado que pouco tem se dedicado a discutir de forma estruturada o assunto, preferindo se empenhar tanto nas ’modas ginásticas’. É fundamental garantir um espaço privilegiado para a discussão desse assunto e penso que a Universidade Federal Fluminense tenha um papel muito importante no Estado do Rio de Janeiro, devendo ocupá-lo efetivamente cada vez mais.


 No que se refere ao EnFEFE, deve-se realmente garantir que as palestras e os temas livres estejam articulados com o assunto e com a temática central (no caso das palestras). Quanto a isso, tirando um ou outro trabalho de difícil classificação, me parece que não houve problemas, entabulando-se realmente uma discussão pertinente. Sugiro que a comissão continue bastante rigorosa com esse ponto.
Falemos um pouco das palestras. Embora os palestrantes tenham sido de grande qualidade, tem sido notória a dificuldade de convidar professores para tal participação no âmbito do Rio de Janeiro. Obviamente que aí está um retrato do próprio estado e das diversas mudanças na estrutura organizacional na Educação Física, onde não se primou pela renovação e/ou onde foram fechados espaços para a nova geração, hoje dispersa por diversos estados do país. Mas, ainda pior do que isso é o desconhecimento dos novos pesquisadores que têm surgido no nosso estado.


 Sugiro que o evento procure convidar novos pesquisadores, obviamente desde que esses tenham um trabalho elaborado e interessante. Por exemplo, cito nominalmente a prof. Neyse Muniz, autora de um dos trabalhos (sua dissertação de mestrado) mais interessantes sobre Educação Física escolar nesse ano. Também achei bastante positivo o convite a um palestrante de outro estado, como foi feito esse ano ao prof. Tarcísio Vago. Sugiro que tal experiência seja adotada como procedimento para os próximos anos.


 Quanto às comunicações livres, a qualidade expressa o atual estágio de nossa área, onde ainda habitam preocupações avançadas/atualizadas com posições já bastante questionadas e/ou pouco embasadas, que não superam antigas perspectivas e/ou apresentam novas reflexões. Cabe destacar o espaço bastante interessante obtido pelos relatos de experiência. Também cabe-me chamar a atenção aos problemas encontrados com a normatização, onde incluo desde a apresentação do resumo até a utilização inadequada das normas da ABNT. Ressalto que não considero isso um fator de menor importância. É importante levar em conta que forma e conteúdo não devem se separar. De qualquer forma, acredito que os trabalhos qualitativamente parecem ter avançado muito, se compararmos ao EnFEFE anterior.


 Quanto à dinâmica, pareceu-me bastante adequada. Palestras com um tempo razoável (e possível, já que sabiamente o evento é realizado em poucos dias) de discussão; tempo suficiente para os temas livres; além de somente duas salas para temas livres, o que garante que o público possa assistir ao menos 50% dos trabalhos aprovados. Isso pode ser um problema se no futuro um número maior de temas livres venha a ser enviado. De qualquer forma, torcemos para que as futuras Comissões Científicas venham a continuar garantindo a qualidade dos trabalhos aprovados.


4. Algumas palavras finais


 O que apontar para o futuro? Ora, tendo a acreditar que o evento esteja trilhando um caminho bastante interessante. Como já ressaltado: simplicidade e organização; rigor sem excludência; foco de resistência aos modismo e discussão de um assunto relevante; espaço próprio para o Rio de Janeiro. Como sugestões: a) a procura de temáticas atraentes e adequadas aos assuntos prementes; b) uma articulação maior com prefeituras municipais.


 Enfim, com grande prazer (não só por ter sido convidado para essa participação, como também por ter sido professor dessa casa e participante da Comissão organizadora/científica do I EnFEFE) encerro aqui minha participação, confessadamente empolgado com os rumos que esse evento pode tomar.


 Agradeço ao convite e espero ter contribuído para que no ano que vem possamos nos rever em um EnFEFE ainda melhor. É realmente bastante difícil a organização de um evento como esse: um evento que navega contra a corrente. É difícil quando muitas vezes a própria Universidade e o Departamento não compreendem profundamente a importância de tal realização. Mas a luta prossegue. A luta nunca cessa. Como nunca cessa nossa crença em uma Universidade pública, gratuita e de qualidade. Uma universidade que consiga quebrar seus muros e realmente ter uma intervenção efetiva na sociedade. Mas não uma intervenção qualquer. Uma intervenção que aponte para uma sociedade mais justa, humana e fraterna. Como diz um ditado turco: ’as noites estão grávidas e ninguém sabe qual será o dia que nascerá’.


 Só por recuperar em nós a esperança de intervir na concepção do ’dia que vai nascer’, só por nos fazer ver que as ’noites ainda estão grávidas’ e a história não terminou, o EnFEFE merece ser louvado e valorizado.


 Nota:


 O autor é doutorando em Educação Física - Universidade Gama Filho