Resumo

O paradigma da inclusão é um tema que vem sendo sistematicamente debatido no âmbito da legislação educacional brasileira desde a década de 1990. Porém, após quase trinta anos de políticas públicas de incentivo à inclusão das pessoas com deficiência nas escolas regulares, ainda nos deparamos com discursos que questionam sua legitimidade. Atualmente, a diretriz política educacional é a da inclusão escolar, muito embora a produção científica referente às experiências escolares, assim como as práticas administrativas e pedagógicas no chão da escola revelem que os valores da integração ainda permeiam o ideário educacional, indicando que há um descompasso entre as políticas públicas e as práticas educacionais. Entendemos que tais contradições, para serem compreendidas, implicam a reflexão sobre o lugar social das chamadas pessoas com deficiência aqui denominadas como pessoas com diferenças funcionais. Lugar social que supõe discussões sobre a produção da anormalidade, de corpos normofuncionais e dos processos educacionais. Por sua vez, a Educação Física tem sido concebida a partir de perspectivas historicamente fundamentadas em princípios elitistas, excludentes, classificatórios e monoculturais. Neira e Nunes (2009) têm discutido sobre o currículo cultural da Educação Física. O objetivo foi acompanhar a produção do currículo em ação de Educação Física, fundamentado nos princípios do currículo cultural do componente, a fim de compreender seus efeitos no processo de inclusão escolar de pessoas com diferenças funcionais em um Centro educacional integrado de jovens e adultos Cieja. O recorte estabelecido foi o da modalidade de Educação de jovens e adultos/as em uma escola da rede pública de ensino do município de São Paulo, em que acompanhamos, por um ano e meio, a professora de Educação Física, a professora da sala de recursos multifuncionais e seus/suas estudantes. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, inspirada na etnografia. A experiência de campo constituiuse a partir da observação participante das aulas de Educação Física, de entrevistas semidirigidas com docentes e de grupo focal com estudantes, sendo todo o material registrado em um diário de campo. Concluímos que o currículo cultural da Educação Física abre possibilidades educacionais junto ao segmento populacional em foco ao reconhecer as diferenças entre os/as estudantes, estabelecendo uma ética das práticas corporais como manifestações da cultura. Foi possível apreender uma experiência de ressignificação das possibilidades de expressão e aprendizagem das pessoas com diferenças funcionais, em um paradigma que rompe com o capacitismo na Educação Física, posto que possibilitou o acolhimento dessa população de uma forma mais justa e alinhada a princípios democráticos. Entretanto, mesmo nesse campo teóricoprático, quando a discussão incide sobre as pessoas com diferenças funcionais, foram percebidos aspectos de ambiguidade, pois, em muitos momentos, há prejuízo de leituras de cunho social e cultural da realidade, com retomada de perspectivas de caráter orgânico. Na produção de conhecimento relativa aos Estudos Culturais, é incipiente o impacto da discussão sobre a produção social das diferenças funcionais, a organização desse grupo como movimento reivindicatório e as suas manifestações culturais. Nesse sentido, as teorias Crip apresentam-se como elementos fundamentais para fazer avançar os estudos comprometidos com a ruptura do ideário normofuncional de corpo.

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