Integra

Introdução

O jogo é expressão universal da vida, expressão de afetos, de fervor, de participação, de efervescência, de êxtase, e como tal sempre esteve presente no contexto educacional, levando educadores a refletir sobre seus significados. Inúmeras teorias, alguns levantamentos históricos e diversas propostas vêm surgindo e nos remetendo à busca da compreensão da relação jogo/educação.

Uma das obras filosóficas mais importantes na abordagem sobre jogo data de 1938, o "Homo Ludens", cujo autor Johan Huizinga, desde 1903 passou a reunir e a interpretar um dos elementos fundamentais da cultura humana: "o instinto do jogo". A tese central desta obra é a de que o jogo é uma realidade originária das noções mais primitivas do homem, sendo dele que nasce a cultura: "Encontramos o jogo na cultura como um elemento dado existente antes da própria cultura, acompanhando-a e marcando-a desde as mais distantes origens até a fase de civilização em que agora nos encontramos" (HUIZINGA, 2004, p.6).

As abordagens do francês Gilles Brougère (1998) também são de grande valia para a compreensão da gama de interpretações do termo e do sentido do jogo. O autor nos sugere que os jogos podem ser diferentes em função da diversidade cultural e da história das nomeações que lhes são dadas, no entanto, frutificam novas idéias enriquecendo o tema ao se defrontar com outras línguas, outras histórias e outras culturas. Isto nos servirá de suporte para abordamos novas formas de compreensão do (des)uso do jogo no contexto educacional. Este autor nos convida a entender como são pensadas, ao longo de séculos, as relações entre jogo e educação destacando que estas oscilam constantemente entre a frivolidade e a seriedade, evidenciando um pensamento paradoxal que nos remete as noções de sério e não-sério e jogo como brincadeira e /ou trabalho.

O pensamento racionalista e, sobretudo o avanço da ciência matemática e a teoria do cálculo de probabilidade, deram relevância ao jogo. Este matematismo do jogo (DUFLO, 1999) se amplia para o centro de estratégias do setor econômico, assim, penetrando em outras instâncias, como na escolar, que vão lhe atribuindo caráter sério por se tratar de atividade intelectual, mas, no entanto, frívolo por proporcionar ganhos fáceis e levar o indivíduo ao vício. Ambigüidade apontada por Gilles Brougère como constitutivo do pensamento moderno no binômio jogo/educação.

Partindo-se deste raciocínio, pode-se compreender a associação que se faz do jogo a tudo o que não é trabalho, utilidade ou seriedade e que acaba por se opor ao que é produtivo ou considerado como tal pela sociedade. Na esteira do pensamento racionalista, o meio escolar passará a considerá-lo atividade intelectual, tendo como ‘carro-chefe’ os jogos de estratégias, como o jogo de xadrez, os jogos de tabuleiros e outros que desenvolvem o raciocínio, mas que também são recreativos e formativos (jogos motores), visto que, por influência de pensadores clássicos (Aristóteles, Tomas de Aquino e Rousseau), o jogo é compreendido como compensador das atividades sérias, remetendo-os para a esfera do lazer, descanso e recreação. Por este viés, o jogo passa a fazer parte do contexto educativo surgindo assim uma infinidade de teorias na tentativa de elucidar suas funções e definições, onde as marcas de frivolidade, recreação e jogo enquanto trabalho vão se edificando.

Johan Huizinga (2004) e Roger Caillois(1990) são autores que, ao tratar da temática jogo na vertente filosófica e sociológica, o consideram como fenômeno cultural, destacando que a fascinação que o jogo exerce nas pessoas, a motivação que o envolve, o que impulsiona um indivíduo a jogar e as fruições dele decorrente, são fatores que não encontram explicações racionais via teorias existentes. A polaridade prazer/trabalho incutida aos jogos foi, ao longo dos séculos, se acentuando no contexto educacional e levando professores a entender estes momentos como distintos, ou de forma enganosa, fazendo com que seus alunos acreditem que estão brincando quando na verdade estão cumprindo tarefas por meio de jogos. Professores passam a utilizar o jogo como atividade, mas com que sentido? Uma das maiores observações que tenho feito é que o tempo do jogo e o tempo das demais atividades, de um modo geral, têm aparecido de forma compartimentalizada no interior da escola, onde a hora de estudar e a hora de brincar têm tempos distintos -hora do dever e hora do lazer- ou, quando não, para estudar de forma prazerosa é preciso brincar, surgindo assim os jogos educativos, que sendo uma tarefa ‘mascarada’ cumpre com sua finalidade de transmissão de um conteúdo. Os sentidos dos jogos passam a ser, segunda esta concepção, divertir os alunos enquanto executam uma atividade programada, ou, enquanto recreação compensá-los das exigências das tarefas escolares. Abre-se espaço, desta forma, para os jogos didáticos e para as atividades de recreação. O caráter sério, não-sério mescla-se de tal forma que se torna difícil apreender quando se está fazendo uso de uma ou outra intenção.

O que está em jogo no jogo

Compreendo que, para além de se atribuir funções e objetivos para o jogo, é preciso interpretá-lo como fenômeno que revela a atitude lúdica do homem. Envolvido por regras, acasos, competição, simulacros e outras tantas instâncias ligadas à razão e a emoção, o jogo faz parte das atividades humanas, principalmente infantis, sendo assim pertencente ao campo educacional. Escola também é espaço/tempo de jogo. O jogo é campo das fruições do homem, tem sentido de evasão do real, permitindo aos jogadores vivenciarem um outro tempo/espaço, fazendo valer a liberdade e a sua criação. Vivido como em um ‘lugar outro’ (Huizinga, 2004), fora da mundanidade, o espaço do jogo assume uma dimensão plena de escape para além da perspectiva de lazer como hora de descanso.

Na concepção de Brougère (1998), o jogo se apóia na realidade para fazer dela outra. É criado um mundo imaginário levado a sério e com investimento de afetos. O jogo é um devaneio para aquém da realidade. O jogo é alimentado pelo desejo que acaba por sua vez, contribuindo no desenvolvimento da criança, educando-a para crescer e preparando-a para realidades futuras. Percebe-se, então, que de um modo geral, o jogo é analisado pelo que ele gera e não por si mesmo. Ao se analisar o jogo é preciso também que se analise o ato de jogar e os entrelugares que ele ocupa, vasculhando-se os subterrâneos do processo educativo

No mundo atual o jogo é marcado pela lógica de que não pactua com a produtividade, é vinculado ao mundo da utopia (Chateau, 1987), mas dialeticamente é ele que permite o escape dessa produtividade cobrada na realidade social, e neste caso, na realidade escolar. Mas, é justamente porque o jogo é escape da realidade que ele se torna educativo, pois, como tal, ele é revelador do ser, dos seus gostos, dos seus modos de agir, de seus sentimentos, seus desejos e seus impulsos. Ele revela a ‘alma humana’

Normalmente o jogo ocupa brechas do cotidiano escolar que se abrem no solo árido do dever, da obrigação. Cria-se desta forma, uma visão dicotômica de lazer/trabalho, prazer/tarefa. Uma fenda que divide, separa espaços-tempos, mas que, no entanto, estão imbricados no humano (homo ludens - homo faber). Superando-se a visão de fenda, que separe e distingue espaços, proponho a noção maffesoliana de "centralidade subterrânea" (Maffesoli,1984), aquilo que existe de fato independentemente do estabelecimento do tempo ou espaço para acontecer. Visão de latência, efervescência, que a qualquer brecha que se mostre oportuna (ou não), brota em alegria, prazer, divertimento. Explode em emoção. O desejo pelo jogo não está separado do que é educação, mas sim encoberto por ela. Muitas propostas de atividades lúdicas na escola sufocam a essência do jogo. Transformando-o em tarefa ele pode deixar de ser desejado, logo lúdico. Esse é o risco que se corre quando se associa jogo à educação: fazer a passagem do homo ludens à homo faber, sem compreender que ambos habitam simultaneamente um mesmo ser, um ser que joga, um ser que trabalha.

Entendo que o jogo é parte da condição ontológica do ser humano, sendo criado pelo homem para atender suas necessidades de ludicidade, lazer e escape como um fenômeno sócio-cultural que atravessa a existência humana em suas práticas cotidianas. O jogo envolve dimensões culturais e imaginárias e por isso possui significados para quem joga. Jogar implica viver e transcender o real, estabelecer relações entre o vivido e o sonhado, o fantasiado e o desejado. Para Huizinga (2004) trata-se de experimentar um ‘lugar outro’, que não nega a realidade, mas que corre em paralelo. O jogo evoca assim, a natureza do homem de experimentação, de liberdade, de criação, de decisão e risco. É isto que impulsiona o homem para o jogo.

Para diferentes autores como Caillois(1990) e Gadamer(1999), por exemplo, o jogo não é uma questão séria, e é por isso que se joga. O que é mero jogo em sua essência, não é sério, mas o ato de jogar possui uma relação de ser própria com o que é sério. O jogador é absorvido pelo jogo e levado a uma seriedade até mesmo sagrada. Gadamer (1999), ao refletir sobre o pensamento humano em vertente filosófica, trata o ato de jogar como uma experiência humana que se justifica pelo seu próprio modo de ser. Para este autor "aquele que joga sabe, ele mesmo, que o jogo é somente jogo, e que se encontra num mundo que é determinado pela seriedade dos fins" (1999,175).

O jogo tem uma natureza própria que engendra o jogador. O prazer, a emoção e o atrativo do movimento do jogo chamam o jogador para um mundo próprio. Assim, o jogo através dos que jogam, ganha representação, correspondendo a um movimento significativo de envolvimento e transcendência. Movimento este que envolve a ordem, a desordem, a incerteza, o caos e reorganizações, no que se aproxima da proposta paradigmática de Morin (1996). Uma proposta de interações entre a ordem e a desordem provocando reorganizações e interações constantes. Quem joga, joga com planos e possibilidades. A liberdade de decidir por uma ou outra jogada, o comprometimento com as regras do jogo, o risco, a competição e a transgressão, são, por exemplo, elementos pertinentes ao jogo e que exercem sobre o jogador uma atração para jogar. Para Caillois, agôn (competição), alea (acaso), mimicry (simulacro) e ilinx (vertigem) são elementos constitutivos do jogo, elementos que o caracterizam como tal. Jogar torna-se uma possibilidade de viver entre prazeres e deveres.

O jogo no plano do não-racional, não-lógico, é evasão da vida real. Para o jogador, a natureza do jogo pode ser transformada e representada em outra coisa que não ela mesma, tornando o tempo/espaço do jogo sagrado para quem joga. O jogo é uma vivência mágica entre a fantasia e a realidade. O jogo em si torna-se o ícone do tempo ordinário, a via de acesso do real para o imaginário, para o lugar sagrado, e quem dele participa religiosamente assume esta dimensão. A participação é o caminho para o transcendente, sendo assim, quando se joga se está reatualizando uma prática ritualizada. O jogo,enquanto sagrado e pelo ritual que ele envolve, necessita se manter vivo. Para viver este escape o jogador entrega-se aos desejos, sonhos, imaginação e crenças entrando prazerosamente num mundo particular, o mundo do jogo. Cabe aos educadores respeitar e compreender este fenômeno, pois, segundo Postic "a relação pedagógica é vivida ininterruptamente nos dois planos, o manifesto e o imaginário, que não coincidem necessariamente" (1993, p.9).

Ligado ao prazer, o jogo só pode ser considerado como dever por quem joga. Jogo imposto não é jogo, é tarefa. Jogo desejado é trabalho, trabalho prazeroso vivido, na maioria das vezes, nas horas de lazer. O professor deve assumir-se como mediador estabelecendo vínculos entre o mundo da escola, o mundo do aluno (real e imaginário) e sua cultura. Se aproximar dos modos de sentir, pensar e agir de seus alunos frente ao jogo é compreender a cultura lúdica infantil como imbricada no processo educativo, cabendo ao professor suscitar a expressão simbólica de seus educandos. Compreendendo e oportunizando a prática de jogos nas escolas abre-se uma via para germinação de prazeres e diferentes fruições humanas.

O jogo e a escola

O jogo é um fenômeno que se concretiza nas práticas escolares e tende a ser negado. A racionalidade nega a importância da imaginação, do simulacro, da desordem, do aleatório e das incertezas e, neste sentido, os jogos se prendem a estas manifestações. Mas até que ponto os jogos são ou não parte do processo de ensino-aprendizagem? Que espaço a imaginação e as manifestações espontâneas ocupam no processo educativo? Estariam estas presas ao lazer? Mas afinal, escola é lugar de lazer? O jogo é um elemento colaborador na formação bio-psico-sócio-cultural dos sujeitos escolares, devendo fazer parte de propostas pedagógica que não o limitem a ferramenta metodológica, mas que o compreendam como fenômeno social e cultural que se encontram na esfera do lazer e, portanto, no âmbito educacional.

Marcellino(1989) aposta numa "Pedagogia da Animação", ou seja, leva em conta uma relação de interdependência entre lazer, escola e processo educativo, proposta esta fundamentada no lúdico ( jogos, festas, brinquedos e brincadeiras). Compreendo, ainda com este autor, o lazer como espaço para manifestação do lúdico, que por sua vez é componente da cultura. O lazer, desta forma, pode ser veículo de educação, visto que é entendido como uma vivência praticada no tempo ‘disponível’ que a escola oferece para tal, ou espaço que muitas vezes os alunos se apropriam, sem ‘autorização’ (espaços subterrâneos na visão maffesoliana) ou ‘conhecimento’ do corpo administrativo ou docente. O lazer perpassa a escola de forma consciente ou não, desejada ou não. Para a criança, principalmente, este tempo ocorre em via paralela do mundo racional e simplificador, ocorre na via do escape, do onírico.

A escola tende a garantir o lúdico, o lazer, na hora do recreio, muito embora para manter a ordem, o esquadrinhamento do tempo e do espaço (Foucault, 2002) esta ‘oferta’ sofra vigilância, não apenas as necessárias a seu próprio desenvolvimento em segurança, mas sobremaneira a vigilância que castra, oprime e reprime manifestações espontâneas e naturais da criança nas horas de lazer, carregadas de sentimentos, simbolismos e significados muitas vezes não vistos pelos sujeitos da escola.

O que vem se verificando é o furto do lúdico na infância (Marcellino, 1989), uma negação temporal e espacial do jogo, da brincadeira, do lazer, em detrimento da produtividade racional, da obrigação. Na tentativa de suprir esse cerceamento, o jogo deve passar a ser aceito no contexto educacional para além de uma atividade meramente recreativa (livre no recreio), formativa (via educação física) ou pedagógica (jogos didáticos). Torna-se necessário pensar no jogo como fenômeno, e como tal pertencente ao campo da educação de forma inter e trans-disciplinar, tendo os educadores responsabilidade social quanto a sua prática. "È preciso que estes professores internalizem os sentidos dos jogos para compreenderem o significado que eles tem para o aluno" ( NHARY, 2005,p.138)

O avanço do conhecimento científico coloca o estudo do lazer sob novas bases epistemológicas, principalmente sociológica, filosófica e psicológica levando a educação, a passos lentos, a acatar o lúdico, o jogo, a brincadeira e o lazer como propostas educativas. O campo da educação física é o que mais se aproxima desta proposta pela sua natureza de ‘cultura corporal’, mas não se limitando a ela.

Diferentes propostas pedagógicas defendem o espaço lúdico na escola, mas surgem de forma acanhada no âmbito da educação, muito embora as Diretrizes Curriculares para os cursos de Pedagogia no Art. 5º inciso VI, já apontem a responsabilidade do professor das séries iniciais da educação fundamental e da educação infantil como partícipe na área de educação física. (MEC, 2006). Nesta esteira o uso do jogo como ferramenta metodológica ganha força e uma corrente de educadores passam a utilizá-lo com fins educativos, ora como recreação, ora no ensino de... (matemática, português, ciências, etc). Sendo assim o jogo entra na escola como mais uma tarefa escolar e é esta relação que deve ser alvo de reflexões, não só de quem estuda e pesquisa a temática jogo, mas principalmente de quem dele se utiliza no espaço educativo.

O jogo para professores em formação

Considerando-se que o vivido no jogo nos leva a um mergulho no seu imaginário, entendo que quando praticado nas escolas, seja nas aulas de educação física, recreação ou nas atividades lúdica do recreio, torna-se um amálgama de sentidos que circula na relação entre os jogadores e que é inerente ao próprio processo de formação humana, portanto também ao processo de aprendizagem. No entanto, esta compreensão tem pouco espaço de discussão entre os educadores, que na grande maioria das vezes remetem o jogo à esfera do não-sério, não-racional, num movimento de afastamento do processo educativo, fruto de um pensamento racional e simplificador que transforma os jogos em atividade de divertimento, ou, quando muito, na tentativa de aproximá-los da educação, surgem mascarados pelo princípio educativo (jogo com o conteúdo de um tema de aula).

Se o lúdico é algo desejado, é lago de impulso do homem ( Huizinga, 2004), será que ao ser imposto e controlado pelo educador ( de educação física ou não), ele assume o caráter de lazer e/o prazer? Não proponho conceber o jogo na escola como viés das metodologias de ensino, nem tampouco acredito que o jogo, enquanto prática pedagógica deva ser controlado ou imposto. Acredito sim, que se o jogo é elemento cultural, provocador de fruições humanas, revelador de sonhos, de modos de pensar, sentir a agir dos sujeitos, deve ser compreendido como atividade educativa que necessita de observação, participação e orientação do educador. O jogo é responsabilidade social de todo professor (FERREIRA, 1995) e cabe a este profissional compreendê-lo como fenômeno, como elemento formador social que "considera o prazer, a alegria, a colaboração, a construção, a reconstrução, a criação , a recriaçõa e o fascínio" (FRANÇA, 2003, p.45). O jogo é por si só, algo bio-psíquico-sócio-cultural. No campo do lazer ele assume essa dimensão que não se afasta da questão educativa. Por outro lado, o jogo não se opõe ao trabalho. Ele é trabalho, empenho, dedicação e fascínio para quem joga. Ao invés de impor o jogo o professor deve motivá-lo, estimular sua prática, acatar propostas e possibilidades de jogá-lo. A partir da experimentação das fruições do jogo no seu processo de formação , o professor poderá passar a ter mais consciência disto.

Cabe ao professor ter olhar estereoscópico e escuta sensível (Maffesoli, 1995) frente as atividades lúdicas , não as limitando à ferramentas metodológicas de suas práticas cotidianas escolares. Com postura mais afetual, na perspectiva de uma pedagogia para a sensibilidade, uma pedagogia da animação (Marcellino, 1987), pode o professor transcender o caráter racional e simplificador imposto pela escola, onde o jogo, na maioria das vezes, associa-se à tarefa, a um dever maquiado por ludicidade. O componente lúdico no homem, principalmente na infância, é essência, não precisa e nem pode assumir outra face que não seja a de prazer, lazer, que não seja a de um esforço desejado, uma entrega real, um mergulho de corpo e alma. Nas profundezas desse mergulho emergem comportamentos, sentimentos, afetos, sonhos, desejos e diferentes outras manifestações que constituem o ‘cimento’ das relações humanas e pedagógicas. Minha proposta privilegia o jogo como lazer, prazer, e trabalho só para quem joga, não dicotomizando estas instância, mas considerando-as imbricadas no próprio processo ensino-aprendizagem, fonte de propostas educativas que, por outro paradigma, avancem da mera racionalidade e considerem o onírico, o afetual e o criativo como possibilidades educativas.

Partindo-se de novas bases paradigmáticas, como a proposta do pensamento complexo de Morin (1996, 2002, 2004) e a sócioantropologia do cotidiano de Maffesoli (1984, 1988, 1995,1998), podemos pensar numa interdependência de jogo-educação que não descarte o lazer como espaço para o jogo, que não descarte o jogo como educativo, mas que, sobretudo o considere campo de fruições humanas.

O jogo na pesquisa realizada

Nas interpretações preliminares da pesquisa realizada no Curso de Pedagogia da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, cujo recorte é este trabalho, os professores em formação, após vivenciarem o jogo em atividades práticas e refletirem sobre ele epistemologicamente durante o curso, consideram e reconhecem o prazer, o lazer e o divertimento como elementos pertencentes ao processo ensino-aprendizagem, mas por outro lado, muitos ainda vêem os jogos como atividades prazerosas que podem motivar o aluno a aprender, logo como atividade formativa. Fruto da visão racional e pragmática que ainda se mantém impregnada em nossos poros, o jogo ainda é visto como um bom aliado das tarefas escolares, necessitando que novas propostas paradigmáticas que o entendam e o apreendam como fenômeno bio-psíquico-sócio-cultutal das manifestações humanas, estabelecendo um novo elo na relação jogoeducação.

Obs. O e-mail da autora é: Taninhary@terra.com.br

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