Integra

Introdução

A espécie humana sempre buscou formas de diversão no seu cotidiano, e isto é tão importante quanto as formas de trabalho, religiosidade, ou constituição familiar. Ainda nos dias atuais convivemos com uma sociedade que enaltece o trabalho, desvalorizando o não-trabalho, e busca controlar os divertimentos populares. Esta prática foi (ou é?) uma forma de dominação e controle de massa exercida pelo próprio Estado (política do "pão e circo"), em nome de uma elite dominante para a manutenção do poder vigente.

Alguns equívocos aconteceram e acontecem em nome do lazer, um deles é pensar que este é menos importante que o trabalho, outro é não conseguir identificar sua relação com a educação e saúde. O lazer não é simplesmente um momento de ócio ou de alienação como gostaria que o fosse a camada dominante de uma sociedade extremamente capitalista como a nossa. Por razões como estas acreditamos que o lazer deveria ser incentivado e discutido em ações educativas dentro e fora da escola.

Neste sentido, abordar as possibilidades de conteúdos da Educação Física Escolar (EFE) que possam ser sistematizados para a construção de uma orientação curricular que dê conta de todo o ensino fundamental, preocupados com a críticidade desenvolvida no dia a dia da escola, torna-se um trabalho de extrema relevância para todos os educadores. Nosso objetivo neste artigo é "identificar e discutir a visão que os professores de educação física têm do tema lazer e como estes abordam este tema em suas aulas". Trabalhamos com pesquisas de campo realizadas em três cidades da região sul fluminense: Volta Redonda, Barra Mansa e Resende.

Ainda quanto à relevância deste tema para a escola, encontramos apoio também nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN - Brasil, 1998) quando se pronunciam a respeito dos critérios para seleção dos conteúdos: "Foram selecionadas práticas da cultura corporal de movimento que têm presença marcante na sociedade brasileira, cuja aprendizagem favorece a ampliação das capacidades de interação sociocultural, o usufruto das possibilidades de lazer, a promoção da saúde pessoal e coletiva".

Para esta pesquisa utilizamos a revisão bibliográfica de autores como Victor Andrade de Melo e Edmundo de Drumond Alves Junior com o livro Introdução ao Estudo do Lazer, onde nos apoiamos para discutir alguns conceitos de lazer; Suraya Darido com seu livro Educação Física na Escola: implicações para a prática pedagógica, onde a autora reserva um espaço para a discussão do lazer enquanto uma das possibilidades da Educação Física na Escola e o livro organizado por Ademir de Marco chamado Educação Física: Cultura e Sociedade que reúne temas das pesquisas e dos debates apresentados no IV Congresso Científico Latino-Americano de Educação Física.

Em seguida, apresentamos a pesquisa de campo onde observamos a prática diária do professor com o tema lazer na Educação Física Escolar. Para um melhor entendimento de nossas intenções dividimos o questionário misto em três blocos onde pudemos identificar claramente quais os dados do professor em particular (homem ou mulher, quanto tempo de formado, quantas horas trabalha por dia etc), quais as características da instituição a qual este está agregado (pública ou particular, tipo de turmas nas aulas de EF, planejamento definido pela instituição ou a cargo do professor etc) e, por último, quais conceitos este professor domina em relação ao tema proposto, que é lazer (conceito, como trabalha, qual o objetivo etc).

A nossa discussão final fica por conta do que se tem feito em nome deste tema, se a prática do professor está voltada a um compromisso com a formação do aluno ou se esta prática é apenas um subterfúgio para justificar o abandono pedagógico. Entendemos que muita coisa se faz em nome do lazer na escola, mas a pergunta que se apresenta é justamente em relação ao objetivo que o professor tem para estas intervenções. Será este um momento privilegiado de discussões, informações e formações ou apenas um motivo para o abandono pedagógico destes alunos?

Para o lazer, um pouco de história

A palavra lazer e os diversos sentidos que carrega estão cada vez mais presentes na fala popular e na vida das pessoas, o que demonstra uma valorização do conceito enquanto possibilidade de vivência. Não significando isso que as pessoas dominem o conceito e as discussões acerca do campo específico deste tema. Convém registrar que há alguns anos atrás nem existia a palavra lazer, embora outras fossem usadas para expressar alguns de seus sentidos como: diversão, jogo, prazer etc.

O lazer é um fenômeno social múltiplo e polissêmico com grande complexidade para discussão de seu significado. Melo (2003) entende que o lazer pressupõe a busca pelo prazer, e este (que pode ser alcançado ou não) é proporcionado pelas atividades de lazer (praticadas em momentos que podem ter várias denominações) e que são atividades culturais em seu sentido amplo, englobando os diversos interesses humanos. Segundo o autor, ainda, "... cultura é uma palavra presente na prática daqueles que trabalham com lazer".

É ponto comum o fato de que o lazer é um fenômeno moderno, surgido com a artificialização do tempo de trabalho típica do modelo de produção fabril desenvolvido a partir da Revolução Industrial. Neste sentido ele tem-se mostrado um campo de tensões, para esta compreensão basta entendermos que o tempo livre maior aparece não como concessão dos donos dos meios de produção, mas sim como conquista das organizações das classes trabalhadoras (MELO, 2003).

O lazer "na" escola

Segundo DARIDO (2005), o que a escola pensa sobre lazer é "nada ou quase nada". O tema não é abordado em discussões pedagógicas nem mesmo com os professores da área de humanas, os alunos não dominam o conceito de lazer e não conseguem relacioná-lo a outros temas como por exemplo o trabalho. Certamente os momentos que mais se aproximam desse comportamento, segundo a visão de alguns, é no recreio ou em festas comemorativas (o dia esportivo ou do folclore são bem característicos). Tanto a autora como MELO (2003) identificaram a estreita relação entre o lazer e o prazer, embora possamos entender a existência de um sem o outro, em qualquer seqüência. Isto nos leva a pensar na existência da escola com prazer no seu cotidiano sem necessitar que tenhamos um momento definido para busca-lo (lazer).

O lazer pode ser uma evolução ou um auxiliador na educação, na saúde, na inclusão social, entre outros fins. Por meio da educação ... "... o lazer relaciona-se diretamente à educação física escolar, que tem como seu mediador o professor que pode, através do mesmo construir valores, respeito, solidariedade, enfim dar todo um aparato par o bem estar daquela comunidade que percebe no lazer uma melhora de vida". (MARCELLINO in DE MARCO, 2006)

Com relação às possibilidades de se trabalhar este tema no cotidiano escolar DARIDO (2003, p. 46) apresenta uma série de ações que podem ser viabilizadas na escola, para inclusão desta temática. A nosso ver todas são perfeitamente cabíveis de estarem no planejamento escolar e se constituem num aporte indispensável se a pretensão for a educação para o lazer (expressão de cunho nosso).

Neste sentido a autora vai além, e coloca a escola como um espaço de lazer, possível, além do horário escolar. "Os próprios alunos poderiam transformar-se em agentes socioculturais, favorecendo a utilização desse espaço como um a mais para a apropriação de vivências de lazer. Apropriar-se da escola pode significar a responsabilidade sobre ela." DARIDO (2003, p. 46)

Estaremos assim, enquanto professores, ampliando a visão de mundo de nossos alunos e contribuindo na construção da autonomia em relação à prática de atividades físicas enquanto possibilidade de saúde e lazer. Não esquecendo outro aspecto importante do lazer, que é a sua facilidade de inclusão, podemos observar que oferece inúmeras possibilidades de se trabalhar um dos pilares da educação, o "aprender a viver juntos" (DELORS, 2003). Entendendo e aceitando as diferenças, sejam elas de cor, sexo, habilidades ou qualquer outra, o jovem estará desenvolvendo a compreensão do outro.

Lazer na educação física escolar: o que dizem os professores?

Trabalhamos com um total de 22 professores de Educação Física das três maiores cidades do sul fluminense: Volta Redonda, Resende e Barra Mansa. A escolha destes professores seguiu apenas o critério de estar atuando no espaço formal, ou seja, a escola. A escolha desta região se deu também porque é onde se situa o Curso de Educação Física do Centro Universitário de Volta Redonda - UniFOA, que há 25 anos forma os profissionais no curso de licenciatura plena em Educação Física.

Nossos entrevistados se dividiram em 54% de homens e 46% de mulheres. Os entrevistados são formados, em sua maioria (41%) há mais de 15 anos e somente 18% deles se formou a menos de 5 anos; o mesmo percentual de 41% dos professores trabalha na EFE por um período maior que estes mesmos15 anos. Ainda em relação ao perfil de nossos entrevistados eles estão trabalhando, na sua maioria absoluta (54%), nas escolas públicas e, apenas 19% estão envolvidos somente com escolas particulares. São professores que trabalham muito. Questionados quanto ao número de aulas ministradas por semana descobrimos que 46% deles trabalham mais de 28 aulas por semana. Poucos são os que trabalham em apenas um turno (23%) e metade deles, exatos 50% trabalha pela manhã e pela tarde. Estes mesmos professores trabalham divididos entre Ensino Fundamental e Médio, da seguinte maneira: 45% no Ensino Fundamental e Médio, 41% no Ensino Fundamental e 14% somente no ensino médio.

Em relação às instituições em que trabalham a pesquisa mostrou que nas aulas de E.F. as turmas são mistas, em sua maioria absoluta num total de 82%, dividindo-se o restante e turmas masculinas (9%) e femininas (9%). Em todas as escolas (100%), onde trabalham nossos entrevistados, existe um planejamento específico para a disciplina de Educação Física. Exatos 86% dos nossos entrevistados utilizam o tema lazer em suas aulas e isto se tornou muito importante para a validação da nossa pesquisa. Esta utilização é por mais de 2 vezes ao mês para 45% dos professores entrevistados e de 2 vezes ao mês para 23%. Estranhamente, no entanto, para 23% do total de entrevistados o lazer não tem lugar definido no planejamento. Aqui podemos entender que este número de professores que utilizam o tema sem planejamento não possui uma proposta pedagógica definida para tal.

Quando questionados sobre como desenvolvem este tema 50% dos entrevistados afirmaram desenvolver este conteúdo com atividades dirigidas (entenda-se aqui por dirigidas: as atividades onde os professores participam ativamente da escolha e do desenvolvimento delas), e apenas 18 % relataram trabalhar com atividades livres, que não sofrem a intervenção do professor.

Na parte do questionário onde pretendemos identificar os conceitos dos professores sobre o tema, eles foram questionados sobre a diferença entre Lazer e Recreação, nas respostas os professores não deixam dúvidas quanto a sua existência (86%). Porém quando questionados sobre qual é esta diferença aparecem vários equívocos entre eles. Alguns procuram diferenciar recreação e lazer apontando a recreação como parte possível do momento ou do espaço do lazer, e este como algo maior. Segundo Victor Melo (2003) ..."... esta dupla denominação persiste até hoje entre nós, em geral sendo o primeiro termo (recreação) empregado para designar o conjunto de atividades e o segundo (lazer) para abordar o fenômeno social."

Precisamos esclarecer que este autor defende que a existência dos termos recreação e lazer escondem uma falsa dicotomia, e que a sua diferença reside apenas no resultado de traduções de textos de origem diferentes. Neste sentido, apenas 13% dos entrevistados concordam com esta posição afirmando não haver diferença alguma entre os dois termos.

Quando questionados sobre como acontecem as aulas com o tema lazer os professores foram vagos, para a maioria (41%) as aulas são trabalhadas com "as atividades propostas pelos alunos" e 9% declarou trabalhar com recreação. Cerca de 14% afirmou trabalhar com atividades culturais, embora estejam em conexão com Melo (2003) quando este afirma que "... as atividades de lazer são atividades culturais, em seu sentido mais amplo...", os professores não avançaram no sentido de definir quais são estas atividades. Isto deixa a resposta em aberto. Estes dados apontam para uma falta de objetivo definido para estas aulas. Neste momento o que acontece é apenas ocupar o tempo da aula com alguma atividade qualquer. O prazer durante as atividades e a participação dos alunos, nas decisões dos planejamentos das aulas de EFE, deve ser uma constante sem, no entanto, deixarmos de caminhar numa direção definida.

Questionados sobre a principal razão para se ter o tema "lazer" como parte do conteúdo de EFE os professores responderam que o momento em que se privilegia o lazer é quando os alunos "descansam" da mesmice (outros se referiram às técnicas) da rotina das aulas de Educação Física. Alguns poucos relacionaram o lazer à possibilidade de expressão dos alunos. Com isto deixam transparecer que suas aulas devem ser realmente maçantes.

Sobre a importância do lazer para o homem do século XXI, a resposta que predominou girou em torno da "qualidade de vida", sem, no entanto, avançarem no conceito deste termo. Resta-nos então, entendermos que existe a possibilidade de se propor uma pesquisa que procure identificar qual o conceito que o professor de EFE tem de qualidade de vida e como este entende que as aulas de Educação Física, pautadas no tema lazer, podem contribui neste sentido. Na seqüência resposta mais relacionada é "para desestressar".

Acreditamos que estas respostas se apóiam em jargões comuns que muitas vezes não são acompanhados do correto conceito da expressão. São apenas respostas, que alguns entendem como politicamente corretas, para serem dadas no devido momento.

Conclusão

É fácil percebermos que o tema lazer deve ser entendido como algo mais que tempo livre, que ociosidade. Ele é a busca pela qualidade de vida, pelo bem estar físico, mental e social. Cabe a escola a função de preparar o seu aluno para que possa fazer as escolhas certas no momento certo. Ao contrário disto o que vemos é a utilização do termo lazer para encobrir a falta de compromisso do professor com a escola e com seu aluno, quando este opta por simplesmente deixar os alunos "soltos" no espaço de aula sem uma proposta que se sustente para aquele momento. Encontramos professores que informaram não estar o tema lazer contemplado no momento de construção de seu planejamento, no entanto este mesmo professor afirma trabalhar com o tema em suas aulas em torno de duas vezes ao mês. Isto denota a pouca importância que estes dão ao tema. Portanto, como estão sendo feitas a aulas de "lazer" não contribuem

substancialmente para a construção do ser autônomo e critico propagado pela educação como seu objetivo e abordado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais da área.

O fato das nomenclaturas recreação e lazer poderem ou não existir, serem ou não utilizadas corretamente segundo os conceitos de um ou de outro autor é secundária perante a pouca importância que os professores estão dando à exploração do tema em questão. Assim sendo entendemos ser necessário que a educação Física Escolar passe a educar para o lazer em termos não somente procedimentais, mas também atitudinais e conceituais. A discussão sobre o tema deve ultrapassar os muros da escola e contemplar também o lazer para a família e a comunidade. Afinal de contas precisamos acabar com a dicotomia existente entre os conteúdos da escola e os da vida. A escola precisa estar aberta a comunidade e contribuir efetivamente para uma sociedade mais justa, harmônica e feliz.

Obs. Os autores fazem parte do Laboratório de Estudos e Pesquisas e Educação Física de Volta Redonda (LEPEF - VR). O coordenador do grupo é o Ms.Silvio Henrique Vilela que também é professor do Curso de Educação Física do Centro Universitário de Volta Redonda - UniFOA. Os pesquisadores Anna Flávia Magalhães Justo, Erike Tarcísio de Carvalho Homem e Thaís Vinciprova Chiesse de Andrade são alunos do CEF-Unifoa.

Bibliografia

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  • Oliveira, José Guilmar Mariz de. Educação Física e o Ensino de 1º Grau: uma abordagem crítica. São Paulo: editora da USP, 1988.