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Documento elaborado pelo Comité Internacio­nal para o Fair Play (CIFP) da UNESCO.
  
Introdução

O esporte de competição pode responder a nume­rosas exigências fisiológicas, psicológicas e sociais do homem. Pode especialmente dar a cada um, qualquer que seja a sua idade e condição, possibili­dade de expansão e um enriquecimento das relações individuais e coletivas.

Pode contribuir, igualmente, de diversas e excelentes maneiras, para melhorar a qualidade de vida.

Sem fair play, no entanto, o esporte perde esse poder em qualquer nível de competição, seja o es­porte amador ou profissional.

Em numerosos países, o crescimento do nível de vida e o aumento do tempo livre estimulam uma par­ticipação crescente no esporte de competição. Ao mesmo tempo, porém, a ameaça contra o fair play aumenta em razão da procura, cada vez mais fre­quente, da vitória a qualquer preço.

Em nossa opinião, o esporte de competição cami­nha para uma crise. Se quiser realizar os seus objeti-vos e desempenhar o seu papel no favorecimento da compreensão internacional, se quiser, a longo prazo, sobreviver, como uma forma válida de atividade hu­mana, é indispensável e urgente estar a serviço, sem­pre renovado, do fair play.

Conceito
Em primeiro lugar é o competidor quem dá o tes­temunho de fair play. Isto exige, no mínimo, que dê provas de um respeito total e constante pela regra escrita, o que lhe será mais fácil se aceitar o objetivo da regra e se reconhecer que, além dessa regra es­crita, existe um espírito dentro do qual se deve prati­car o esporte de competição.

O fair play se manifesta:

pela aceitação, sem discussão, das decisões do árbitro, exceto nos esportes nos quais o regula­mento autoriza um recurso;
pela vontade de jogar para ganhar, objetivo pri­meiro e essencial, e pela firme rejeição em con­seguir a vitória a qualquer preço.

O fair play é uma forma de ser baseada no respeito a si mesmo e que implica:

honestidade, lealdade e atitude firme e digna ante um comportamento desleal;

respeito ao companheiro;

— respeito ao adversário, vitorioso ou vencido, com a consciência de que é o companheiro indispensável, ao qual lhe une a camarada­gem esportiva; respeito ao árbitro e respeito positivo, expresso por um constante esforço de com ele colaborar.

O fair play implica modéstia na vitória, serenidade na derrota e uma generosidade suficiente como para criar relações humanas cordiais e duradouras.

Mas o fair play não é prerrogativa somente do par­ticipante. Treinadores, juízes, espectadores e todos os que estão relacionados com o esporte de competi­ção têm que trazer sua contribuição indispensável e especial, seja diretamente, seja pela influência que podem exercer sobre o competidor.

Ameaças

A ameaça principal que pesa sobre o fair play é a importância excessiva que, em nossos dias, se con­cede à vitória, fonte de prestígio para o participante, para o seu clube ou organização esportiva, para o seu país, e que pode, além disto, trazer vantagens subs­tanciais.

Jogar para ganhar é a essência da competição es­portiva, mas a preocupação excessiva pela vitoria in­cita cada vez mais os participantes a violar os regu­lamentos. Estimulados por multidões excitadas e par­tidárias, discutem e zombam da autoridade do árbi­tro.

Temendo um fracasso, chegam a considerar os adversários como inimigos que devem ser abatidos e, às vezes, com a cumplicidade dos dirigentes e treina­dores. Estes excessos se alimentam da crescente onda de indisciplina e violência que se tem desenca­deado em nosso mundo moderno.

O esporte necessita ser mantido de muitas manei­ras e por numerosas organizações, entre outras pelas autoridades públicas, pelas autoridades locais e pa­trocinadores. Mas sua necessidade essencial, atual-mente, é a salvaguarda do fair play.

Todos os que estão implicados no esporte de competição (partici­pantes, pais educadores, organismos esportivos, trei­nadores e diretores, médicos, árbitros, autoridades públicas, jornalistas e espectadores) têm uma res­ponsabilidade específica na promoção do fair play, e a única esperança para o esporte é que assim o reco­nheçam e ajam de acordo.

Responsabilidades dos participantes

Os participantes têm uma responsabilidade primor­dial na salvaguarda e no desenvolvimento do fair play. Ao lado da contribuição que outros possam tra­zer ao fair play, é o participante quem, em última ins­tância, dá ou não lealdade ao jogo. Antes de mais nada, ele é um exemplo. Por sua constante observa­ção das regras, sua sensibilidade ao espírito de com­petição, seu respeito constante e absoluto ao árbitro, aos companheiros de equipe, aos adversários e aos espectadores, está capacitado para pôr em relevo a significação do fair play.

Ele procura a vitória mas não a deseja por qualquer preço: trama, jogo desleal, ingestão de estimulantes ou outros produtos proibidos pelo regulamento. Não discute a decisão do árbitro, nem incita quem quer que seja, especialmente os espectadores, a fazê-lo.

Aceita a vitória ou a derrota com serenidade e se es­força em todos os momentos. Seja um simples amador ou um consumado cam­peão, todo competidor, seja quem for, tem essas res­ponsabilidades. No entanto, o campeão, procurado pela televisão e adulado pelas multidões entusiastas, pode exercer uma enorme influência.

Esta posição privilegiada pode permitir-lhe, com uma conduta exemplar, persuadir os demais esportistas, em parti­cular os jovens, a que joguem lealmente, como igualmente, seu desprezo pelos regulamentos e sua despreocupação frente aos demais, podem incitar-lhe a não ter em conta quaisquer dessas responsabilida­des.

Os campeões estão submetidos a intensas pressões para ganhar, porque a vitória em tal situação, dá pres­tigio não só ao participante como também ao seu clube, a sua organização esportiva, ao seu país e pode, além disso, ser fonte de benefícios materiais. Justamente porque pode, por seu comportamento e por suas reações, exercer uma influência tão pode­rosa, é que se torna indispensável que o campeão, mais que qualquer outro, pratique o fair play. Esta exigência diz respeito tanto ao amador como ao pro­fissional.

Responsabilidades dos pais

Os pais, como primeiros educadores, podem dar uma contribuição inestimável ao ensino do fair play.

Desde o momento em que a criança, mesmo pe­quena, descobre, através de seus jogos, as primeiras relações sociais, seus pais devem iniciá-las nos prin­cípios de lealdade. O jogo da criança tem numerosos e importantes objetivos, porém sob a vigilância dos pais pode servir, ademais, para fazê-la descobrir e re­conhecer os verdadeiros valores.

Inclusive no que concerne à criança em idade esco­lar, os pais não devem abandonar suas responsabili­dades no que se refere ao fair play. Da mesma ma­neira como se preocupam pela qualidade do ensino académico, devem preocupar-se também com a qua­lidade do ensino da

Educação Física e Esportiva dada pela escola.

Cabe aos pais se assegurarem de que os professo­res de Educação Física e os treinadores não conce­dam menos importância ao comportamento dos jo­vens que à sua habilidade e ao valor de suas marcas. Pode acontecer que os educadores e os treinadores se sintam fortemente tentados a formar equipes vito­riosas e a elevar, assim, o prestígio da escola.

Os pais devem, neste caso se necessário, assegurar-se indi­vidualmente ou através de suas associações na es­cola, de que, na verdade, não está contrariando o fair play.

Responsabilidades dos educadores

Graças ao seu estreito e permanente contato com os jovens em idade de formação, todos os educado­res têm possibilidades especiais para promover o fair play.

Nas primeiras séries da escola de primeiro grau, a classe é o centro de aprendizagem social, e o educa­dor tem uma  poderosa influência. Está em situação de poder ensinar a seus alunos a prática do fair play e, inclusive, pode também levá-los a apreciar a ne­cessidade do mesmo.

Comumente, o aluno deste nível escolar tende a afirmar-se num desprezo egoísta pelos interesses dos demais. Pode resultar-lhe difícil enfrentar a contradi­tória experiência da competição e da cooperação ine­rente à maior parte das atividades lúdicas da infância.

O educador deve ensinar-lhe que o respeito aos de­mais e às regras é o que dá sentido ao jogo e faz com que se tenha maior satisfação. Nas demais séries do primeiro grau e em todo o segundo grau, a crescente importância concedida ao esporte de competição pode ser fonte de novos pro­blemas: o jovem competidor, muito capacitado, nem sempre está preparado para fazer frente à adulação que sua proeza suscita e pode chegar a crer que esta o autoriza a depreciar as exigências do fair play.

O professor de Educação Física pode contribuir de modo muito especial para a promoção do fair play: junto a seus alunos pode, inclusive, reagir imediata­mente durante a competição ante qualquer trans­gressão das regras ou ato repreensível. Assim como a competição no esporte pode provocar a admiração, a falta desta pode suscitar a burla; compete ao profes­sor de Educação Física promover no ginásio ou no campo de esportes uma atmosfera de amistosa tole­rância que crie respeito e consideração para com to­dos.

Talvez a responsabilidade mais importante do pro­fessor de Educação Física seja incentivar os seus alunos a sentirem orgulho de um comportamento disciplinado e generoso; isto, a curto prazo, corres­ponderá a uma maior consideração de si mesmos, assim como de sua escola e, a longo prazo, favore­cerá uma adesão duraroura ao fair play.

Responsabilidades das organizações desportivas

A necessidade de organizar diferentes tipos de competição e a de atender o treinamento e a prepa­ração dos árbitros, dos técnicos e dos competidores, têm levado à criação de organizações esportivas. No transcurso dos anos tem sido constituído um amplo e complexo conjunto de clubes regulamentados por organizações de âmbito regional, nacional e interna­cional para atender a uma demanda de atividade es­portiva que cresce dia a dia.

Essas organizações esportivas, que representam comumente a autoridade soberana, são, por conse­guinte muito poderosas. Seu poder, entretanto, im­plica importantes responsabilidades, incluindo-se o fair play.

As organizações esportivas não são buro­cracias anónimas: seus membros, voluntários, assim como os que recebem um ordenado, são, geralmente, abnegados e desprendidos; têm pelo esporte um inte­resse afetivo, geralmente desenvolvido através de grandes carreiras esportivas e se identificam inevita­velmente com as equipes representativas de suas próprias organizações.

Não devem, portanto, permitir que seu entusiasmo por suas equipes obscureça seu conceito de fair play.O dever das organizações é, pois, definir clara­mente a ética do comportamento esportivo mediante regras e regulamentos, e assegurar-se de que são totalmente respeitados. E seu dever utilizar todos os meios existentes para promover o ideal do fair play e, concretamente, educar os competidores a este res­peito.

Essas organizações são as guardiãs da imagem do esporte e têm uma responsabilidade especial quando se trata de salvaguardar a dignidade do esporte, me­diante o uso prudente, mas positivo, de sua autori­dade. Torna-se indispensável que reajam firmemente contra todo o jogo desleal, toda violência, todo ata­que ao fair play, e que considerem as infrações repe­tidas por membros ou equipes dependentes de sua jurisdição seriamente prejudiciais à reputação da pró­pria organização.

Responsabilidades dos diretores técnicos e treinadores

Sobre os treinadores recaem pesadas responsabili­dades porque o espírito e o comportamento do com­petidor são, amiúde, o fiel reflexo do grau de convic­ção do treinador a respeito do fair play.

O treinador influi poderosamente na formação do caráter do competidor, especialmente do jovem com­petidor, geralmente impressionável. Não se pode evi­tar, assim, que o participante, cuja necessidade de aprendizagem técnica o une diretamente a seu trei­nador, seja influenciado por seu comportamento e seus valores éticos.

Normalmente se tem a ideia de que o treinador só deve preocupar-se com a habilidade e a condição fí­sica do competidor: este é um ponto de vista total­mente erróneo. Tanto no esporte profissional como no amador, sua atitude deve estar presidida pelo fair play e deve esforçar-se, sem descanso, para demons­trar ao competidor como, para ele, o fair play é sinó­nimo de integridade e dignidade.

O treinador, mesmo com o risco de perder uma par­tida ou talvez um campeonato, deve tomar medidas contra qualquer competidor que deliberadamente tente burlar o fair play. Deve, por outra parte, fazer o quanto esteja a seu alcance para proteger o competi­dor das influências que poderiam incitá-lo a violar as regras ou trair, de alguma maneira, ao fair play.

Ele deve também observar todas as normas que regem o esporte, como, por exemplo, aquelas que proíbem o uso de estimulantes e as que se referem à contrata­ção dos jovens competidores.

Uma de suas responsabilidades como treinador é incentivar seu clube para que seja um agente ativo no desenvolvimento do fair play e um órgão de re­pressão contra aqueles que o quebrantaram com seu comportamento.

Não são apenas os treinadores de competidores ou de equipes de alto nível, amadores ou profissionais, que têm de zelar pelo respeito ao fair play, mas é es­pecialmente importante que o façam porque podem atrair a atenção de um grande setor de público. Todos quanto assumem um papel de direção no es­porte de competição devem tratar com empenho de difundir o ideal do fair play.

Responsabilidades dos médicos

A primordial responsabilidade do médico esportivo é a saúde e o bem-estar do competidor, porém algu­mas das decisões que venha a tomar no âmbito mé­dico podem ter também implicações no fair play.

Como todos os que se ocupam do esporte de com­petição, os médicos estão sujeitos a pressões. Levado por uma forte identificação pessoal, seja com um competidor, com o clube, com a organização ou com o país que representa, um médico, apesar do seu có­digo de ética profissional, pode tomar decisões ou agir de maneira não compatível com o interesse do esportista, nem com o fair play.

Numa época em que o uso ilegal de estimulantes, com o intuito de melhorar o recorde esportivo, desenvolve-se a ponto de converter-se em sérios pro­blemas, o médico tem a responsabilidade especial de assegurar o respeito absoluto pelas leis que regem o consumo de produtos químicos e de medicamentos em geral.

Não deve nunca prescrever uma medicação que não tenha sido antes controlada eficazmente quanto à sua inocuidade.

Torna-se especialmente difícil decidir se se deve aconselhar um atleta contundido a retirar-se ou não de uma competição, principalmente quando sua pre­sença ou ausência possa afetar o resultado da com­petição ou mesmo a venda de ingressos.

Mas o fair play ante o adversário e mesmo ante o código médico exige que, ao se tomar uma decisão, ela se baseie unicamente na condição física do competidor.

Responsabilidades dos árbitros

Seja qual for o tipo de competição e ainda que se realize ante um grande público ou um pequeno grupo de espectadores, a missão do árbitro é zelar para que esta se desenvolva respeitando sempre as regras. Neste sentido sua contribuição para a promoção do fair play é única e essencial.

Testemunha e juiz a um só tempo, o árbitro dispõe, como tal, de poderes excepcionais. Mesmo equivo­cada, sua decisão é definitiva e deve sê-lo, pois o propósito é de que sua autoridade não seja discutível. Tais poderes excepcionais, porém, implicam respon­sabilidades.

O árbitro deve esforçar-se em possuir um conheci­mento profundo de todas as regras e regulamentos e saber dar a interpretação mais atualizada das mes­mas. Ele deve manter-se numa condição física que o permita mover-se, com rapidez, naqueles esportes que assim exijam, a fim de observar e de manter um estreito contato com o jogo.

Esta proximidade ime­diata não só lhe dá uma compreensão maior da in­tenção do jogador como, também, aumenta a con­fiança deste no árbitro.

A personalidade do árbitro, tanto quanto suas qua­lidades técnicas, pode ter uma influência decisiva, pois o domínio de si, a bravura, a compreensão e a tenacidade são outras tantas qualidades que contri­buem sobremaneira para o seu bom desempenho. Ele deve estar consciente de que, muitas vezes, uma pala­vra ou um gesto dirigidos aos competidores ou aos espectadores são suficientes para voltar a criar as condições indispensáveis para o desenvolvimento sa­tisfatório e agradável de uma partida.

O papel do árbitro não se limita ao campo esportivo ou ao estádio. Ele aumentará seu crédito, que o re­comendará para competições de nível mais elevado, se tratar de estabelecer, antes e depois de uma par­tida, contatos com os seus participantes: antes, para criar um clima de confiança e de cooperação mútua; depois, para explicar as decisões e chamar a atenção sobre eventuais práticas desleais. Nada obriga o árbi­tro a buscar este contato suplementar, mas graças a ele reforçará sua autoridade e contribuirá, ao mesmo tempo, de forma positiva, para promoção do fair play.

Responsabilidades das autoridades públicas

A crescente participação no esporte de competição tem feito com que as autoridades públicas locais, re­gionais e nacionais sintam-se cada vez mais com­prometidas. Proporcionam ajuda económica, instala­ções, pessoal qualificado mas, têm, também, respon­sabilidades no que se refere a formação do fair play.

Nesse sentido, a formação de professores para o Serviço Público, treinadores, instrutores e animado­res lhes dá possibilidades especiais.

Devem assegurar-se de que, dentro dos programas, o es­porte, como meio de formação dos valores sociais, receba plena consideração e que a necessidade do fair play e sua natureza sejam examinados a fundo.

As autoridades públicas, geralmente responsáveis pelas instalações esportivas, podem, por esse motivo e por diferentes meios, promover o fair play nos pro­gramas de atividades que se desenvolvem nas mes­mas instalações.

Elas podem fazer muito, no âmbito nacional, para promoção do fair play, adotando uma atitude firme em favor do mesmo. Sem deixar de pretender que suas equipes representativas busquem o êxito, deve­rão condenar sem restrição toda prática desleal, si­tuando, assim, o fair play acima de toda ambição de prestigio nacional.

As vezes será necessário moderar os impulsos dessas equipes para evitar que as mes­mas sejam conduzidas ao chauvinismo e a outros ex­cessos, inclusive o desejo de ganhar por qualquer meio.

Responsabilidades dos jornalistas

Os jornalistas que por seus artigos, reportagens pelo rádio e pela televisão, comentários de filmes etc, exercem uma grande influência sobre os valores morais do público e suas opiniões podem oferecer uma contribuição de primeiríssima ordem à promo­ção do fair play.

Devem saber que têm uma missão educativa nada fácil, porque estão submetidos a muitas pressões por parte dos redatores-chefes, diretores e produtores, organizações esportivas e de um certo setor de pú­blico mais inclinado ao sensacionalismo que a reali­dade dos fatos.

O jornalista fracassará em sua missão se apoiar os gostos mais duvidosos com fins comerciais ou se afastar-se da verdade, por pouco que seja, para alcan­çar o favor e a popularidade.

Sua missão será entre­tanto realizada com êxito se constantemente puder dar prova não apenas de competência técnica, de im­parcialidade, de independência, de espírito sadio e de um sólido conhecimento do esporte, mas também de compreensão para a delicada tarefa do árbitro, por exemplo.

Responsabilidades dos espectadores

O esporte de alto nível atrai os espectadores. Com sua presença e seu apoio, animam aos competidores a realizar esforços mais intensos.

Quando os espec­tadores são numerosos, sua influência pode ser muito poderosa e incitar os competidores a orientar sua ação para o melhor interesse do jogo ou para o pior.

Frequentemente os espectadores se identificam com os jogadores de uma determinada equipe e lhes prestam seu apoio; se este apoio for espontâneo e não se exceder, não produzirá qualquer prejuízo e de fato influirá favoravelmente para o êxito da reunião.

Porém, se o apoio for excessivo, se degenerar em chauvinismo local exagerado, em nacionalismo ou em racismo, pode produzir-se um clima de ódio entre espectadores e competidores. Dentro desse clima, competidores, diretores, técnicos e treinadores podem sentir-se impulsionados a buscar a vitória por todos os meios e o árbitro ser submetido a pressões inaceitáveis.

Quando esse apoio chega ao fanatismo, como às vezes ocorre, o esporte adquire um aspecto horrível: a violência se desencadeia no campo e entre o público, causando danos materiais e agressões físi­cas. Em tal ambiente, o respeito e o companheirismo são abalados, destruindo os fins e os benefícios do esporte.

Para controlar os excessos dos espectadores, são indispensáveis certas medidas efetivas que não se li­mitam à simples censura. Isso exige um estudo atento das causas de tal comportamento, pois de algumas têm sua origem no esporte, outras não a têm.

Em al­guns países, por exemplo, os espectadores utilizam as manifestações esportivas para desafiar a ordem e a autoridade, tornando-se uma fonte de vandalismo e de brutalidade que o esporte não pode ignorar, pois que é, antes de tudo, um problema para a sociedade e seu conjunto.

É importante que, a longo prazo, sejam educados os espectadores de modo a que aprendam a desejar e a apreciar a habilidade técnica e a atitude leal dos joga­dores ou das equipes. Terão, assim, uma atitude posi­tiva de apoio em vez de um comportamento negativo: assobios, canções de burla e insultos têm sido fre­quentes nesses últimos anos.

Pais e professores têm um importante papel na educação dos jovens espectadores. Os meios de co­municação e as associações de amigos do esporte, vinculados a clubes ou equipes, também têm uma in­dispensável e importante contribuição a oferecer.

O peso das responsabilidades dos espectadores não deve ser subestimado, em virtude de sua pode­rosa influência, para melhor ou para pior, sobre os competidores e os responsáveis pelo esporte.

Os es­pectadores geralmente se entregam às manifestações esportivas, não apenas para influir nos jogadores, mas também para sua própria recreação.

De qualquer modo essa distração somente logrará sua total pleni­tude se, apoiando aos competidores, sustentar tam­bém o fair play.

Ações positivas

1 — Formação de comités nacionais de fair play.
É indispensável que se crie em cada pais um co­mité nacional de fair play. A iniciativa e o procedi­mento para a formação desse comité, assim como as fontes para seu financiamento, variam de um país para outro.

Em alguns países talvez já exista um Co­mité Nacional cujos objetivos englobem o fair play, porém seja qual for a forma com que tal comité se tenha formado é essencial que trabalhe em estreita colaboração com os organismos esportivos.

A criação de Comités Nacionais de fair play, da res­ponsabilidade da comunidade esportiva de cada país, poderia ser impulsionada por uma eventual interven­ção do Comité Olímpico Internacional (CIO) ante os Comités Olímpicos Nacionais, o Conselho Internacio­nal de Educação Física e Esportes (CIEPS) e o Comité Internacional de Fair Play (CIFP).

O Comité Nacional deverá estabelecer programas para a promoção do fair play, adaptados às condi­ções próprias de cada país. Poderá, por exemplo, es­tudar a possibilidade de lançar uma campanha já existente, tal como o "Esporte para todos", ou po­derá arregimentar um público maior mediante diplo­mas  ou  recompensas atribuídas por  atos de  fair play, dignos de destaque ou pondo em evidência o cru­ciante papel dos árbitros.

2 — Realizações internacionais.
Alguns problemas relativos ao fair play somente podem ser tratados em escala internacional. Em al­guns esportes têm-se produzido e difundido ampla­mente certos ataques contra o fair play, como por exemplo o uso ilegal de estimulantes no sentido de melhorar os resultados ou de impugnar as decisões do árbitro.
Para o bom nome do esporte é importante que se realize, rapidamente, um esforço especial para estirpar tais tendências, com plenas atribuições con­tra aquelas que infringem as normas autorizadas pelo regulamento. Em todos os esportes, o texto das li­cenças ou autorizações para os competidores, trei­nadores e árbitros, deveria fazer uma referência ade­quada às obrigações com respeito ao fair play.
Neste sentido, as organizações esportivas interna­cionais têm um importante papel, sendo também nu­merosos os organismos que poderiam contribuir para a promoção do fair play. Um contato direto com os mesmos se torna indispensável, assim como a arre-gimentação sistemática de pessoas susceptíveis de estabelecer esse contato.

3 — Discussões e debates
Amplas discussões e debates sobre o fair play devem ser estimuladas especialmente nas escolas, li­ceus e organizações para a juventude. Paralelamente, as instituições responsáveis pela formação de educa­dores, de treinadores e dirigentes devem dispensar especial atenção ao tema do fair play em seus pro­gramas de estudo.
As autoridades públicas têm um importante papel a desempenhar nesse sentido, oferecendo seu apoio às reuniões de estudo sobre o fair play. Elas podem, assim, fazer com que a juventude, através desses es­tudos e investigações, aceite a necessidade do fair play, o que se constituirá na contribuição mais impor­tante que poderão oferecer ao esporte. Outros orga­nismos nacionais e internacionais, porém, especial­mente aqueles que têm responsabilidades educativas, devem também participar dessa tarefa.

4 — Meios de comunicação
O esporte, em geral, pode beneficiar-se do inte­resse que a imprensa e os diversos meios de informa­ção lhe concedem. Às vezes, porém, faz-se referência excessiva ao jogo desleal: os meios de comunicação devem destacá-lo e condená-lo de forma adequada, mas devem também render homenagem e apoiar o fair play quando este se manifesta.

5 — Código do fair play
Esperamos que este folheto sobre o fair play seja amplamente difundido por todo o mundo e se consti­tua em objeto de um acurado estudo. Somente nos resta esperar que tenham essa responsabilidade todos aqueles que, em seus respectivos meios, este­jam comprometidos na realização do esporte de competição, especialmente os participantes e os es­pectadores.

É necessário, portanto, com base neste folheto, elaborar um código do fair play que, afixado nos vestiários, nas quadras esportivas e nos locais de encontros esportivos, seja acessível a todos.

Os detalhes desse código podem variar de um es­porte para outro ou de um grupo para outro: por isto seria útil e extremamente benéfico que, na tarefa de difusão do fair play, as organizações esportivas de todos os níveis, assim como todas as organizações interessadas, preparassem seu próprio código.

Conclusão
Uma vez mais devemos insistir em que o esporte pode oferecer uma contribuição de inestimável valor para a formação do homem, para sua qualidade de vida. Essa insubstituível contribuição, porém, so­mente poderá resultar benéfica se forem cuidadosa­mente respeitados os ideais do fair play.

Se aceitarem essa responsabilidade e se atenderem ao nosso premente apelo, o fair play e o esporte não apenas estarão salvos mas talvez poderão propiciar benefícios ao espírito de lealdade que anima o mundo esportivo, e causar verdadeiro impacto à pró­pria vida em geral.
Quando no século passado os educadores ingleses inventaram o esporte moderno, que prontamente se tornaria popular no mundo, a ideia de que devia ser praticado com espírito de lealdade estava já implici­tamente contida em sua ação. E prontamente a ex­pressão fair play se tornou comum para definir a hon­radez e a integridade na competição.

Desde então, todos quantos têm analisado o fenó­meno esportivo, especialmente Pierro de Coubertin, fundador
do Comité Olímpico Internacional, têm lou­vado o fair play e associado à sua prática seus ele­mentos essenciais:
a honra, o respeito a si mesmo e aos semelhantes.

Infelizmente, como consequência da importância sempre crescente concedida à vitória, o esporte de competição tem sofrido, nestes últimos anos, profun­das transformações que comprometem gravemente o próprio fundamento do fair play.
É por isto que em 1963, por iniciativa da Associa­ção Internacional de Imprensa Esportiva (AIPS) e do Conselho Internacional de Educação Física e Esporte (CIEPS), se organizou em Gauting, no Instituto para a Juventude, da UNESCO, um seminário de jornalistas e de diversas personalidades comprometidas no es­porte, com o fim de estudar como reprimir o chauvi­nismo, a violência e outras manifestações que aten­tam contra a integridade do esporte.

Esta iniciativa deu lugar, logo depois, à criação dos Troféus Internacionais do Fair Play, destinados a re­compensar os atletas e equipes que dessem prova de um extraordinário espírito esportivo e, ultimamente, à criação do Comité Internacional para o Fair Play (CIFP).
Desde sua origem, a UNESCO deu sua inteira apro­vação a essas atividades.
Em 1968 o CIEPS publicou um Manifesto sobre o Esporte; o honorável Sir Philip Noél-Baker, Prémio Nobel da Paz em 1959, Presidente do CIEPS, insistia no fato de que o fair play é a essência, o "sine qua non" de todo jogo ou esporte digno deste nome. É tão fundamental no esporte profissional como no amador. Ao escrever a introdução deste folheto, o Di-retor-geral da UNESCO destacava igualmente a im­portância do fair play — "que dá ao esporte sua qua­lidade humana" e destacava que esse estado de espí­rito é que autoriza o esporte "a oferecer sua preciosa contribuição para a compreensão internacional".

Com essa ampla perspectiva, o CIEPS organizava, em 1971 e 1973, dois seminários dedicados "ao papel dos meios de comunicação na promoção da com­preensão internacional por meio do esporte". Os re­feridos seminários reconheceram que o esporte não poderá desempenhar um papel positivo nesse sen­tido, se não mantiver firmemente sua ética.

Paralelamente, certas organizações esportivas in­ternacionais criavam seus próprios trofeus do fair play.
Além disso, o Comité Internacional do Fair Play, desejoso de estender e descentralizar sua ação, ani­mava a criação de Comités Nacionais de Fair Play em estreita cooperação com os Comités Olímpicos Na­cionais, as organizações esportivas e a imprensa.
No âmbito de suas atividades nacionais, o Comité Francês de Fair Play publicava em 1971 um folheto sobre o fair play que mereceu a atenção da UNESCO, a qual encarregou ao CIEPS a missão de redigir um documento de caráter ihternacional sobre esse tema.
A distribuição desse folheto em escala mundial entre todas as autoridades implicadas no esporte e na educação, permitiu obter observações e comentários judiciosos e pertinentes.

Foi constituída então uma Comissão "ad hoc" de especialistas de diferentes países, incluindo represen­tantes do Comité Olímpico Internacional de Fair Play, autoridades nacionais, governamentais e particulares comprometidas no esporte e na educação, comités olímpicos nacionais e meios de comunicação. Dita comissão redigiu o presente documento.
A comissão deseja expressar sua gratidão ao Co­mité Francês de Fair Play, autor do folheto O Fair Play, que serviu de base ao presente texto.

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