Resumo

Este trabalho analisa como a obesidade, a exemplo de outros comportamentos, passou para o domínio da medicina, sendo interpretada como doença, sujeita a atenção de médicos, tratamentos, com ou sem o auxílio de medicamentos ou outros procedimentos desse campo, em um processo que se dá o nome de medicalização. É um processo construído socialmente do qual fazem parte profissionais da área da saúde, representantes de governos, do mercado e como se vê neste estudo, a imprensa. O estudo traça um panorama da situação da obesidade no Brasil, EUA e em países europeus, mostrando algumas medidas de ordem política que esses países têm adotado na tentativa de conter o avanço da obesidade. Mostra, também, a existência de um estigma da obesidade que não está relacionado apenas à questão da saúde, mas à busca de um padrão de beleza estabelecido, que leva um grande número de pessoas, em especial as mulheres, às práticas embelezadoras que vão dos exercícios físicos e dietas às cirurgias plásticas e distúrbios alimentares. A partir da análise de 305 matérias publicadas no jornal Folha de S. Paulo no período de 1998 a 2008, o estudo investiga o papel da imprensa como partícipe deste processo. Do total de textos analisados, 72% enfocam a obesidade como doença ou epidemia, relacionando o mal a outras doenças, destacando os riscos, os custos individuais e para o sistema de saúde em geral – público e privado. O estudo longitudinal permite identificar fatos que marcam o processo de medicalização como a divulgação de que o índice de obesos havia superado o de subnutridos no país, o lançamento de novas drogas, a aprovação da realização da cirurgia bariátrica nos hospitais públicos, entre outros. Os médicos foram fontes predominantes nas matérias, principalmente aqueles ligados às instituições públicas e associações médicas. A editoria privilegiada na publicação das matérias sobre obesidade foi o Cotidiano, ganhando o tema um enfoque mais direcionado ao comportamento, ao dia-a-dia das pessoas. O trabalho permite concluir que a imprensa representa um importante papel na construção da epidemia da obesidade, apoiada no discurso médico, autoridade científica que legitima o processo da medicalização, e que conta com o apoio dos laboratórios farmacêuticos e o poder público na disseminação da idéia da doença e de possível cura, mesmo que ela não seja algo realmente iminente.  

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