Resumo

Em cidades turísticas, como Rio de Janeiro e Barcelona, é corriqueiro encontrar músicos de toda sorte se apresentando pelas ruas, praças e parques. Suas presenças vivificam os espaços urbanos, aflorando o poder da arte e da rua entre comunicações e encontros. Porém, para que essa prática social milenar aconteça, a primeira condição é a ocupação do espaço público pelos sujeitos. Os espaços públicos, na lógica capitalista contemporânea, muitas vezes são planificados com intenções turísticas em um movimento contínuo de transformação urbana em direção ao belo e ao consumo. Neste sentido, observa-se que o processo político-econômico é mais forte que o político-social. Políticas públicas, com caráter de “racionalidade instrumental”, a favor de uma “higienização” dos espaços públicos – principalmente dos espaços turísticos –, são implementadas, pretendendo dar forma regular, padronizando e controlando, por assim dizer, tudo o que acontece nesses espaços. A ocupação pelos músicos de rua desses espaços públicos nas cidades turísticas reivindica o direito à cidade (LEFEBVRE, 1974), repudiando a privatização dos espaços sociais, em um jogo de poder entre forças e transgressões, ou como sinaliza De Certeau (1980), entre táticas e estratégias. Esta pesquisa de abordagem qualitativa foi desenvolvida por uma etnografia durante 24 meses, 12 meses em cada campo, nas cidades do Rio de Janeiro e Barcelona. Realizaram-se 23 entrevistas semiestruturadas e a análise interpretativa dos dados foi articulada entre as observações do trabalho de campo, as entrevistas semiestruturadas e o levantamento bibliográfico. A compreensão dessa prática na contemporaneidade pontua que os músicos nas ruas aproximam a arte da vida, transformando o espaço social em espaço afetivo. Porém, quanto mais hierarquizados, regulamentados e estetizados os espaços se apresentam, mais se vê a arte transformada em mercadoria e os sujeitos tentando vender (se) arte. A estetização do mundo promovida por uma economia de mercado transforma esses artistas em mercadoria para consumo. Mercadorias que expressam o lado sensível da cidade ao mesmo tempo em que apresentam outra forma de remuneração, a troca. Tocar nas ruas, para os músicos, é um trabalho. Para uns, um trabalho árduo, para outros, um trabalho prazeroso e ativista. O significado social da música atrelado ao lazer e o entendimento de que sua habilidade é um dom divino silencia a posição de ofício para o músico, negligenciando o sujeito que vive dessa arte por desconsiderar todo esforço necessário para alcançar a expertise. A perspectiva crítica ao sistema capitalista contemporâneo se evidencia na percepção de que a música de rua, apropriada pela turistificação das cidades, tenta transformar uma parte sensível das metrópoles em mercadoria para consumo, impondo, a uma prática social milenar, condições precarizadas de (sobre) vivência pela arte. Por fim, compreende-se que, por mais que esses sujeitos estejam envolvidos e pressionados por todo o processo estético que abarca o mundo contemporâneo, essa prática social resiste como possibilidade de expressão desses músicos pelo seu fazer artístico. Ao escorregar pelas brechas do sistema homogeneizador, transgredindo os códigos e as hierarquias postulados, os músicos de rua mantêm viva uma prática social que sensibiliza e encanta as cidades.

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