Na Corda Bamba: Gênero e Direitos Humanos no Mundo Esportivo Educativo

Parte de Educação Física Escolar e Esporte de Alto Rendimento: Dá Jogo? . páginas 7

Resumo

Sobre tigrinhas (e outras feras...)

À época da minha graduação em Educação Física na USP (final dos anos 1980), havia professores que defendiam a separação entre meninos e meninas em diversas atividades esportivas, a fim de proteger os rapazes de possíveis humilhações em caso de derrotas perante as moças. Um destes professores, infelizmente já falecido, foi o simpático, grande conhecedor de lutas e mestre internacional de judô, Carlos Catalano Calleja. Em um artigo de 1970, onde questionava se as mulheres deveriam praticar o judô, ele argumenta manifesta que esta modalidade possui não só um viés competitivo, mas também educativo e formativo do caráter da criança e do jovem praticante. Calleja considera que seria excelente para as meninas também terem acesso a esta prática, porém em situações especiais e longe da competição, pois “às vezes, as ‘tigrinhas’ embaraçam os rapazes” (CALLEJA, 1970, p.16).

Citando reportagens de jornais da época, o autor comenta um fato que deixou abismado o público presente ao Torneio de Judô da III Olimpíada Infanto Juvenil da Cidade de São Paulo, no qual uma menina (Maria Nunes de Abreu, de 10 anos) conquistou o terceiro lugar, ocasionando discussões acaloradas entre os organizadores, e deixando desesperados os progenitores dos “coitadinhos” dos meninos que, aos prantos, observavam a premiação da “judoquinha”. Este fato bastou para que a Prefeitura paulista, em suas próximas competições, vetasse a participação do ‘terrível sexo fraco’ (CALLEJA, 1970).     

Referências

ADORNO, T.W. Preconceito. In: HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Temas básicos da sociologia. São Paulo: Cultrix, 1973.

ALTMANN, H. Meninas e meninos jogando futebol. Verso & Reverso, Ano XVI, 34, p. 89-100, 2002.

ARENDT, H. A condição humana. São Paulo: Edusp, 1981.

BELLOS, A. Futebol: the Brazilian way of life. London: Bloomsbury, 2002.

BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1978.

CALLEJA, C.C. Devem as mulheres praticar o judô? As “tigrinhas” às vezes embaraçam os rapazes. Esporte e Educação, São Paulo, v.2, n.8, p.16-17, 1970.

CROCHIK, J.L. Preconceito, indivíduo e cultura. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

DARIDO, S.C. Futebol feminino no Brasil: do seu início à prática pedagógica. Motriz, Rio Claro, v.8, n.2, p. 43-9, 2002.

FARIA JR, A.G. Futebol, questões de gênero e co-educação: algumas considerações didáticas sob enfoque multicultural. Pesquisa de campo. Revista do núcleo de sociologia do futebol da UERJ, n.2 (especial Futebol e cultura brasileira), p.17- 39, 1995.

GOFFMAN, E. Stigma – notes on the management of spoiled identity. New Jersey: Prentice Hall, 1963.

HEILBORN, M.L. De que gênero estamos falando? Sexualidade, gênero e sociedade. 1 (2), p. 1-6, 1994.

KNIJNIK, J.D. Visions of gender justice: ‘Untested Feasibility’ on the football fields of Brazil. Journal of Sport and Social Issues, p. 8-30, 2013.

KNIJNIK J.D. Gênero, um debate que não quer calar.  In J. Knijnik (Ed). Gênero e Esporte: Masculinidades e Feminilidades p. 25-65. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.

KNIJNIK J.D.; FALCÃO- DEFINO, P. Esporte e masculinidades: uma longa história de amor - ou melhor, de amizade. In J. Knijnik (Ed). Gênero e Esporte: Masculinidades e Feminilidades, p.161-183. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.

KNIJNIK, J.D. Ser é ser percebido: uma radiografia da imagem corporal das atletas de handebol de alto nível no Brasil. Revista Paulista de Educação Física, v.14, n.2, julho/dezembro, p.196-213, 2000.

KNIJNIK, J.D; SOUZA, J.S.S. Diferentes e desiguais: relações de gênero na mídia esportiva brasileira. In: SIMÕES, A.C.; KNIJNIK, J.D.(org.) O mundo psicossocial da mulher no esporte: comportamento, gênero, desempenho. São Paulo: Aleph, 2004, p. 191- 212.

KNIJNIK, J.D.; VASCONCELLOS, E.G. Sem impedimento: o coração aberto das mulheres que calçam chuteiras no Brasil. In: COZAC, J.R.L. (org). Com a cabeça na ponta da chuteira: ensaios sobre a psicologia do Esporte. São Paulo: Annablume, 2003, p. 73-89. 

LEONEL, V. Cueca: você ainda vai usar uma! Revista da Folha de S. Paulo, jul. 2003, p.48. 

LOURO, G.L Nas redes do conceito de gênero. In: LOPES, M. J., MEYER, D.; WALDOW, V. (Orgs.). Gênero e saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 12-19, 

MACEDO, L. Fundamentos para uma educação inclusiva. Psicologia da Educação, São Paulo, 13, 2º sem./ 2001, p. 29-51.

MENNESSON, C.; CLÉMENT, J.P. Homosociability and Homosexuality; the Case of Soccer Played by Women. International Review for the Sociology of Sport, 38(3), p. 311-330, 2003.

MESSNER, M.  Boyhood, organized sports, and the construction of masculinities. In: KIMEL, M. & MESSNER, M. Men´s lives. New York: Macmillan Publishing, p. 131-161, 1992.

OBEL, C. Collapsing Gender in Competitive Bodybuilding: Researching Contradictions and Ambiguity in Sport. International Review for the Sociology of Sport, 31, p.185-201, 1996.

PIOVESAN, F. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, v.35, n.124, p.43-55, 2005.

SCRATON, S.; FASTING, K.; PFISTER, G.; BUNUEL, A. It´s still a man´s game? The Experiences of Top-Level European Women Footballers. International Review for the Sociology of Sport, 34 (2), p. 99-111, 1999.

WEEKS, J. O corpo e a sexualidade. In: LOURO, G.L. (org). O corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 37-82.

YOUNG, I.M. Situated bodies: Throwing like a girl. In: Welton, D. (ed.) Body and flesh: A philosophical reader. Oxford: Blackwell, p. 259-73, 1998.

UNITED NATIONS. Report from the United Nations inter-agency task force on sport for development and peace. UN, 2003.